Quaresma - Tríduo Pascal - Tempo Pascal



ID: 2656

2 Coríntios 5.20b-6.10

Auxílio Homilético

06/03/2019

 

Prédica: 2 Coríntios 5.20b-6.10
Leituras: Joel 2.1-2,12-17 e Mateus 6.1-6,16-21
Autoria: Claiton André Kunz
Data Litúrgica: Quarta-Feira de Cinzas
Data da Pregação: 06 de março de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Agora é o dia da salvação!

1. Introdução

Paulo provavelmente escreveu 2 Coríntios a partir da Macedônia em 55/56 d.C. A carta foi escrita para a igreja de Corinto, formada de cristãos gentios, que tinha sido fundada por ele em 49/50 d.C., em sua segunda viagem missionária. Essa igreja era constituída em grande parte por gentios pouco familiarizados com o Antigo Testamento, enquanto seus costumes morais e religiosos eram o oposto dos princípios cristãos. Por isso era preciso muito trabalho e ensino para levá-los à maturidade espiritual (1Co 3.1-3). Corinto era a capital da província da Acaia, cidade portuária aberta ao mundo. Seus moradores eram provenientes de todas as camadas sociais, culturais e religiosas.

Antes dessa carta, Paulo já tinha lhes escrito outra, conhecida como a “carta perdida” – 1 Coríntios 5.9. O conteúdo total dessa carta não é nem será totalmente conhecido, visto ela ter se perdido, mas sabe-se, pela própria citação de Paulo, que condenava a prostituição que existia no meio deles.

Timóteo leva a primeira carta de Paulo a Corinto com o objetivo de regularizar a situação o quanto antes. Parece que isso não aconteceu. Por isso Paulo  viaja para colocar as coisas em ordem. Conclui-se de 2 Coríntios 12.14 e 13.1, onde Paulo anuncia sua terceira viagem a Corinto, que essa tenha sido uma viagem intermediária, mas que Atos não menciona. Essa visita não foi feliz (2Co 2.1ss). Há um incidente lamentável, em que Paulo é injustiçado. Levanta-se forte oposição contra ele (2Co 1.15ss; 3.1; 5.11; 6.3-4; 7.2; 12.16; 10.10s; 11.6; 12.12; 13.3).

Aí Paulo lhes escreve uma carta severa, que é chamada de “carta de lágrimas” (2Co 2.3-4; 7.8), que provavelmente, como a primeira, se perdeu. Possivelmente foi Tito quem levou essa carta (2Co 7.14ss) até lá. Tito volta e traz notícias de Corinto, dizendo que a igreja está arrependida (2Co 7.6-16). Mesmo assim, nem todos os problemas tinham sido resolvidos e, por isso, Paulo envia 2 Coríntios, novamente por Tito (2Co 8.16s), e nessa carta anuncia sua terceira visita.

Todo aquele que precisa de motivação e novo ânimo para o trabalho vai achá-los nessa carta. Mas Paulo não esconde o fato de que o ministério traz sacrifícios, privações, hostilidades e sofrimentos. 2 Coríntios foi escrita para se defender, não só contra as críticas ocasionais da igreja de Corinto, mas também contra as calúnias e acusações que seus inimigos lhe dirigiam onde quer que pregasse. Especialmente os capítulos 10 a 13 de 2 Coríntios são uma defesa de sua autoridade apostólica.

2. Exegese

Algumas observações exegéticas do texto de 2 Coríntios 5.20b – 6.10:

V. 20: A palavra grega presbeuō significa ser embaixador, desempenhar o ofício de embaixador; era a palavra regular no grego para o legado do imperador.

V. 21: A expressão “ele foi feito pecado” pode referir-se ao servo sofredor de Isaías 53, com a ideia do sacrifício estando proeminente. Deus colocou nossos pecados sobre Jesus sem pecado e, como nosso substituto, Deus o puniu com a morte. A expressão “para que nele nos tornássemos justiça de Deus” relaciona a justificação com o “estar nele (em Cristo)”. A justiça está em Cristo e não em nós. Não é uma virtude que adquirimos mediante a conversão. É um estado de relacionamento com Deus através de Cristo. Estar em Cristo é a condição única e definitiva para o julgamento da pessoa.

V. 1: A palavra synergountes significa trabalhar com alguém, cooperar. Robertson afirma que pode ter a ideia de “ser sócio com Deus”. “Deus é o principal sócio na empresa de cada vida, mas ele nos permite trabalhar com ele” (1Co 3.9). Paulo exorta os coríntios a não receber a graça de Deus em vão, ou seja, a não mostrar, pelo comportamento, que o que eles aceitaram não teve nenhum fruto. Paulo não estava preocupado se eles poderiam perder a salvação, mas a preocupação é se eles não desenvolveriam corretamente o ministério de reconciliação que lhes fora outorgado (2Co 5.18).

V. 2: A palavra dektos é um adjetivo verbal que significa aceitável, favorável, propício ou oportuno. Mais adiante, Paulo utiliza kairos euprosdektos, que significa: facilmente aceitável, agradável. Usado para um tempo que é favorável para fazer com que a graça de Deus frutifique. Quando o apóstolo usa a expressão “dia da salvação”, o genitivo da frase pode ser de direção ou propósito, ou seja, “um dia para a salvação”, “um dia para a proclamação da salvação”. Pode se referir então ao cumprimento do ministério da reconciliação, mencionado em 2 Coríntios 5.18.

V. 3: Para dizer que não devemos dar motivo de escândalo, é usado um advérbio de negação enfático (mēdemian), que transmite o sentido de “não (dando escândalo) de forma nenhuma”. A expressão proskopē (motivo de tropeço) aparece somente aqui no Novo Testamento, e significa “uma ocasião para tropeçar, fazer alguma coisa que leva outros a tropeçar, escândalo, ofensa”. Indica o ato de impedir os pés de uma pessoa, fazendo-a cair. Para afirmar que o ministério não caia em descrédito, usa a palavra mōmēthē, que traz a ideia de “achar defeito, achar falta ou falha em alguém”. A palavra frequentemente implica ridículo e vergonha, desgraça e seu resultado.

V. 4: A expressão theou diakonoi, “como ministros de Deus”, está no nominativo e significa “como servos de Deus recomendamos a nós mesmos”. A palavra enfatiza o serviço pessoal prestado a outra pessoa.

V. 5: Paulo utiliza a palavra akatastasia para “tumultos, desordens”; a ideia é de instabilidade, frequentemente causada devido a questões políticas, ou seja, perigos criados pelas pessoas. Para trabalhos árduos, o apóstolo usa a palavra kopos, que além de labor ou labuta, traz a ideia de trabalhar até fatigar-se, o cansaço que segue após o uso das forças ao máximo.

V. 6: A palavra usada para paciência, neste verso, é makrothymia, que também tem a ideia de longanimidade. Descreve o espírito firme que nunca desiste, que pode suportar atrasos e aguentar o sofrimento; e é usado a respeito da paciência de Deus para com os seres humanos pecadores e da atitude que as pessoas cristãs devem mostrar. Refere-se a uma demorada reflexão mental antes de dar lugar aos sentimentos e à ação (geralmente à paixão ou ira).

V. 7: Quando Paulo fala das armas da justiça, usa a expressão ton dexiōn kai aristerōn (da direita e da esquerda, ou para a mão direita e para a mão esquerda). Refere-se às armas ofensivas e defensivas, sendo que o escudo era carregado sempre na mão esquerda.

V. 8: O termo utilizado para enganador é planoi, e pode significar também errante, vagabundo e impostor. Foi usado em relação a Cristo, em João 7.12, com a ideia de fazer errar e extraviar. 

V. 9: “Como desconhecidos” vem do termo grego agnoumenoi. Refere-se a “não valer nada”, sem as credenciais adequadas. Eles não recebiam reconhecimento do mundo de seu tempo, porque o mundo, a política e a erudição não se preocupavam com eles e não fazia deles fontes de conversas diárias, nem os procurava como grandes oradores. Como contraposição, Paulo usa epiginōskomenoi (reconhecidos). Eles recebiam seu reconhecimento de Deus e, esperançosamente, dos próprios cristãos coríntios.

V. 10: Para pobres, o autor usa ptochos, com a ideia de extremamente pobres, miseráveis, indigentes ou destituídos. Descreve a pobreza abjeta de quem não tem, literalmente, nada e que está num perigo real e iminente de morrer de fome.

3. Meditação

Muitas pessoas em nossos dias (muitas vezes inclusive nós mesmos) têm a tendência de postergar uma série de decisões, tarefas e demandas que deveriam ser resolvidas. Muitos pensam: “Por que fazer hoje, se podemos deixar para amanhã?”. Faz-se isso não somente com as coisas rotineiras do dia a dia, mas também e, às vezes, especialmente com as coisas espirituais.

Em contraste a isso, Paulo fala de um tempo favorável, de um momento especial, e chega a afirmar categoricamente: Agora é o dia da salvação (2Co 6.2). As pessoas não poderiam e não deveriam deixar para mais tarde aquilo que é urgente, essencial e que não deveríamos de forma alguma postergar em nossas vidas: a preocupação pela nossa espiritualidade.

Essa afirmação surge no contexto em que o apóstolo está tratando do “ministério da reconciliação”, desde o versículo 11 do capítulo 5. Em 2 Coríntios 5.18, Paulo afirma que Deus não apenas nos reconciliou consigo mesmo, mas nos deu também o ministério da reconciliação. No verso seguinte, afirma também que Deus nos confiou a mensagem da reconciliação. Ou seja, aquilo que já experimentamos em Deus, ele espera que compartilhemos com outras pessoas, de forma que muitos outros também possam experimentar.

Para exercer esse ministério da reconciliação, o apóstolo utiliza três imagens para instruir os coríntios e a nós sobre como devemos cumprir esse ministério: 

1. Somos embaixadores de Cristo (5.20)
Um embaixador é um representante oficial daquele que o envia. O Brasil tem embaixadores em praticamente todos os outros países. Tudo aquilo que diz respeito ao nosso país naquela nação, o embaixador deve representar, tratar e resolver. Da mesma forma, os outros países têm embaixadores aqui no Brasil, que desempenham o mesmo papel. Assim também nós somos considerados por Paulo como embaixadores de Cristo neste mundo. Ou seja, representamos Jesus neste mundo, tratamos e testemunhamos as coisas que dizem respeito ao reino de Cristo. Paulo chega a dizer que somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio (v. 20).

Nos noticiários, não raras vezes ouvimos que embaixadores de certos países são substituídos e, muitas vezes, isso ocorre pelo fato do embaixador não ter desempenhado eficientemente a sua função. A pergunta que nos incomoda é: “e se Deus nos substituísse cada vez que não cumprimos adequadamente a nossa função como embaixadores de Cristo neste mundo?”.

Como embaixadores, nossa mensagem a qualquer pessoa sempre deve ser: reconciliem-se com Deus (v. 20). Não podemos permitir que as pessoas deixem para depois o que precisa ser feito enquanto há um tempo favorável para a salvação.

2. Somos cooperadores de Deus (6.1)
Um pouco mais adiante, Paulo usa outra imagem, dizendo que somos cooperadores de Deus. A palavra utilizada pelo apóstolo (synergountes) significa: trabalhar com alguém, cooperar. Do mundo corporativo conhecemos muito bem a ideia de “sinergia”, mas esse conceito já foi utilizado por Paulo há centenas de anos. É está muito claro que Deus é o Senhor do reino, soberano sobre todas as coisas. Mas ele concede às pessoas cristãs o privilégio de trabalhar com ele e para ele. Ele não precisa de nós. Nós é que necessitamos dele. Mas que grande bênção é podermos ser cooperadores de Deus em seu reino!

3. Somos servos de Deus (6.4)
Finalmente, Paulo também apresenta a ideia de que somos servos de Deus (ou ministros de Deus). Neste ponto, ele utiliza a palavra “diaconia”, muito bem conhecida de todos nós. O ministério da reconciliação também deve ser desenvolvido por nós como servos de todas aquelas pessoas que Deus coloca ao nosso redor.

Como servos e servas de Deus, para que nosso ministério não caia em descrédito, precisamos ser testemunhas irrepreensíveis, não dando escândalo de forma nenhuma. A expressão grega proskope (motivo de tropeço) significa não dar “uma ocasião para tropeçar, fazer alguma coisa que leve outros a tropeçar”, indicando o ato de impedir os pés de uma pessoa, fazendo-a cair. Para Paulo, o cristão, em nenhuma circunstância, deve dar motivo de escândalo (6.3), mas, ao contrário, deve ser recomendável de todas as formas (6.4). Nos versos seguintes, Paulo cita várias situações, tanto boas como ruins, nas quais ele não foi motivo de tropeço para ninguém e nas quais nós também não devemos ser motivo de escândalo para outros, já que, como servos e servas de Deus, queremos e devemos cumprir nosso ministério da reconciliação.

Somos embaixadores de Cristo, somos cooperadores de Deus e somos servos e servas de Deus. E como “agora é o dia da salvação”, há um tempo favorável para que muitos se reconciliem com Deus. Não percamos tempo para cumprir nossa parte na missão.

4. Imagens para a prédica

A história de Dietrich Bonhoeffer é trágica e, apesar de tudo, inspiradora. Esse jovem teólogo cristão se opôs ativamente ao movimento nacional socialista na Alemanha, no tempo de Hitler. Foi enviado a um campo de concentração, onde foi morto. Contudo, com sua fé e esperança, inspiradas em uma profunda devoção a Deus, encorajou seus companheiros de prisão e, por fim, chegou mesmo a ganhar o respeito de seus guardas. Em seu livro “O Preço do Apostolado”, Bonhoeffer diz que muitos de nós não queremos pagar o preço total como servos e servas de Cristo. Temos a tendência de nos acomodar, pela metade, num trabalho espiritual. Esse cristão dedicado foi um exemplo vivo do preço que um discípulo de Cristo tem de pagar. Bonhoeffer pagou o preço com sua própria vida, pois não deixara de pregar o evangelho nem mesmo num campo de concentração. Precisamos ser fortes na fé, em todas as horas. Podemos agora mesmo sondar nossos corações e mentes, em atitude de prece, e nos dedicar completamente ao serviço de Deus (Buchman apud Almeida, 1987). 

5. Subsídios litúrgicos

Algumas frases que podem ser utilizadas no decorrer da celebração:

• Sempre e em toda parte os servos de Cristo estão sob a ordem de evangelizar (J. I. Packer).

• O cristão é o homem mais livre do mundo... Contudo, em relação ao amor, ele é o maior servo (Richard Sibbes).

• Depõe contra o servo procurar ser rico, grande e honrado neste mundo em que seu Senhor foi pobre, humilde e desprezado (George Müller).

• Um senhor dá a seu servo um trabalho a fazer, mas não pode dar-lhe forças para trabalhar; contudo, Deus, assim como nos dá algo a fazer, também nos dá forças (Thomas Watson).

• Uma verdade relevante de notável distinção nas páginas do Novo Testamento é que Deus não tem filhos que não sejam servos (H. D. Ward).

• Um cristão é senhor livre de todas as coisas e não sujeito a ninguém, pela fé. Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos, pelo amor (Lutero).

Bibliografia

BUCHMAN, James M. In: ALMEIDA, Natanael Barros. Coletânea de ilustrações. São Paulo: Vida Nova, 1987.
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. Traduzido por Gordon Chown e Julio Zabatiero. Santo Paulo: Vida Nova, 1988.
ROBERTSON, Archibald Thomas. Imágenes verbales en el Nuevo Testamento. Barcelona: CLIE, 1989. (Las epístolas de Pablo, Tomo 4).


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Autor(a): Claiton André Kunz
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50276

AÇÃO CONJUNTA
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É dever de pai e mãe ensinar os filhos, as filhas e guiá-los, guiá-las a Deus, não segundo a sua própria imaginação ou devoção, mas conforme o mandamento de Deus.
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