Prédica: Romanos 4.13-25
Leituras: Oseias 5.15 - 6.6 e Mateus 9.9-13, 18-26
Autoria: Wilhelm Sell
Data Litúrgica: 2° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/06/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII
A graça de Jesus Cristo:
promessa de Deus que quer conduzir e determinar a nossa vida
1. Introdução
Estamos nos preparando para a homilia do 2º Domingo após Pentecostes. Pentecostes é uma das três maiores celebrações da fé cristã. Lembramos com gratidão e louvor do Deus que continuamente se movimenta e se faz presente na igreja como Paráclito, ou seja, como aquele que consola, conforta, anima e encoraja o corpo de Cristo a vivenciar sua vocação no mundo, vocação essa que tem como base a justiça de Deus em e por meio de Jesus Cristo.
Como textos paralelos para as leituras, temos Oseias 5.15 – 6.6 e Mateus 9.9-13, 18-26. No texto do profeta Oseias, encontramos uma crítica contundente a uma fé inoperante que não se desdobra para a vida pública. A corrupção e injustiça social são incompatíveis com a fé e a memória da história de Deus com seu povo. Os líderes de Israel, governantes e sacerdotes, são religiosos (8.3). Mas essa religiosidade é oca, de fé inoperante e pessoalmente utilitarista. Para Oseias, a fé pessoal não está desvinculada de seus desdobramentos públicos, para dentro das questões políticas, sociais e econômicas. Por isso, para o profeta, está claro que Deus quer misericórdia, não sacrifício, conhecimento de Deus, mais que holocaustos (6.6).
A religiosidade vazia é também a acusação do próprio Jesus Cristo na leitura indicada de Mateus. Diante do inquirimento dos fariseus sobre a sua presença em meio a publicanos e pecadores, Jesus responde com a mesma passagem de Oseias 6.6. O problema daqueles que se acham justos por causa de ritos religiosos para fins privados de autojustiça é que esses não conhecem Deus – aquele que é misericordioso, e se faz presente no mundo. A manifestação de sua presença é o próprio Jesus Cristo e essa presença é curadora e restauradora, como foi na história das duas mulheres relatadas por Mateus. Algo que chama atenção na cura e na ressurreição da filha do chefe da sinagoga relatadas por Mateus, mas também por Lucas, é que com a primeira mulher Jesus faz questão de tornar algo “particular” público, assim a mulher poderia ser inserida socialmente, visto que, por causa da hemorragia, ela era considerada impura e inapta a viver normalmente com outras pessoas. Já com relação à morte da filha do chefe da sinagoga, Jesus faz algo público (os tocadores de flauta e uma multidão estão presentes) se tornar privado, evitando assim que a menina de 12 anos fosse estigmatizada com estranheza pelo resto de sua vida por ter “voltado dos mortos”. O cuidado de Jesus Cristo com relação a essas duas mulheres é surpreendente e encantador.
Como texto de prédica, temos Romanos 4.13-25. A seguir, uma breve análise exegética.
2. Exegese
No capítulo 3 da Carta aos Romanos, Paulo discorre acerca da justificação pela fé em Jesus Cristo e, no capítulo 4, objetiva explicar como essa justificação deve ser compreendida. Paulo afirma que a justificação (v. 1-8) não acontece por meio de obras ou méritos próprios. Para exemplificar, ele retoma a história da relação de Deus com Abraão, encontrada no livro de Gênesis a partir do capítulo 12. A justificação de Abraão e as bênçãos prometidas a ele estavam fundamentadas na justiça pela fé. Ou seja, as bênçãos não lhe foram concedidas por meio de algum esforço pessoal, mas imputadas por graça. Ele creu e isso foi atribuído para a justiça.
Nessa direção, nos v. 9-12, Paulo utiliza a palavra grega logizomai, que tem como significado algo que foi imputado, contado, creditado, colocado na pessoa para que possa se tornar algo legalmente dela. Abraão não praticou algum rito religioso ou obra para se tornar justo diante de Deus. Paulo deixa claro que o rito da circuncisão era crucial para os que estavam sob a lei. No entanto, Abraão foi primeiramente justificado e somente depois circuncidado (v. 11). A justiça foi imputada a Abraão antes da lei, ou seja, a graça de Deus se torna o ponto de partida e não de chegada por meio de obras a serem cumpridas. Dito isso, percebe-se que o rito da circuncisão nada tem a ver com a obra da justificação, ou seja, ela não é causa, mas consequência da justificação. Para esclarecer ainda mais, o texto e o contexto dos v. 13-25 mostrarão de uma forma mais estruturada e minuciosa o que Paulo entende sobre justificação imputada mediante o crer por meio da promessa de Deus.
No v.13, Paulo ressalta que não é a lei que fez com que Abraão se tornasse “herdeiro do mundo” (Gn 12.3; 18.18; 22.18), assim como os judeus entendiam quando pregavam a justiça a partir da observância da lei. Pelo contrário, foi mediante a justiça da fé atribuída a Abraão no início da sua longa caminhada com Deus. Na Epístola aos Gálatas 3.17, Paulo fala que a lei foi dada 430 anos após a promessa de Deus feita para Abraão. Desta forma, Abraão não poderia ter sido justificado pela lei, mas o foi pela fé, crendo na promessa de Deus: de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome (Gn 12.2). Assim Paulo enfatiza um aspecto muito importante da história relacional de Deus com Abraão: a promessa.
Mas, afinal, o que significa essa promessa de Deus? Há duas palavras gregas para promessa. A primeira palavra do grego é hypochese, que significa uma promessa que é feita sob alguma condição, por exemplo: “eu prometo fazer isso ou aquilo se eu receber algo em troca”. A segunda palavra do grego é epangelia, que significa uma promessa feita a partir do coração, por bondade/graça, sem exigir algo em troca. Paulo utiliza o termo epangelia durante todo o texto para falar do real sentido da promessa de Deus, já feita a Abraão desde o início. Deus não disse a Abraão: eu farei isso para ti, se tu fizeres isso para mim. Deus fez a promessa e Abraão confiou, ou seja, viveu a partir dessa promessa. Para Paulo, assim está claro que a promessa de Deus não depende de uma obra humana, nem de uma troca, mas inteira e somente da graça divina. É Deus que torna possível o impossível aos olhos humanos.
Portanto a questão crucial para Paulo era que a promessa para Abraão não depende da lei, mas sim da justiça efetuada pela fé. Paulo não contrasta a lei com a fé, mas com a justiça pela fé. Isso significa que a justiça de Deus é recebida pela fé e, nesse sentido, sendo livre graça, ela representa a ação de Deus contra a lei. É por isso que Paulo argumenta, no v. 14 e 15, que se somente o povo da lei, isto é, aqueles que justificam a própria existência e identidade pela lei, fossem os herdeiros da promessa, então a fé seria desvalorizada e essa promessa de Deus não teria sentido. A lei não dá vida, pelo contrário, ela causa punição e promove a ira. Desta forma, o v. 16 começa com uma excelente formulação: essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça. Isso significa que essa promessa é feita e recebida com base na fé para que a graça de Deus permaneça decisiva.
Paulo também afirma que a fé não é algo que Deus aceita como substituta quando as pessoas falham em cumprir a lei. Ao contrário, a fé é a forma como a pessoa se abre para viver a graça de Deus. É por isso que a promessa permanece viva e confiável para toda a posteridade de Abraão. Assim, essa promessa (por meio da graça) se estende para todos, não somente para o povo da lei (Israel), mas para com aqueles que mantêm e vivem a mesma fé de Abraão. Com isso, Paulo não está deserdando Israel, mas enfatiza que Deus é o pai de todos (cf. Gn 17.5), incluindo judeus e cristãos.
Por pai de muitas nações te constitui (v. 17): Paulo lembra o cumprimento da promessa que Deus havia feito lá no início para Abraão. Em Gênesis 17.5, a tradução literal do hebraico para essa frase é: fiz de ti pai de uma multidão. A palavra original do hebraico ‘ab hamown para “multidão” está ligada à última sílaba do novo nome Abraãm, o qual significa: pai de uma grande multidão. É também justamente a partir dessa promessa que Deus passa a chamar Abrão de Abraão. Adiante, ainda no mesmo versículo, Paulo diz: perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem. Paulo assim destaca que Abraão permaneceu (fitou) os olhos em Deus e não desviou seu olhar em momento algum. Ou seja, Abraão, ao ouvir a promessa, permaneceu atento e buscou viver a partir da face daquele que lhe fez a promessa. Paulo vê a amplitude da grandiosidade daquilo que Deus pretendeu fazer com essa promessa a Abraão.
Paulo faz dois cruciais apontamentos a respeito da fé de Abraão que se tornaram muito importantes para a comunidade cristã de seu tempo. Primeiro, Abraão creu naquele que pode dar vida aos mortos, e, segundo, que chama à existência o que não é, para vir a ser. A ideia de Deus ressuscitar os mortos só aparece mais para o final do Antigo Testamento (Is 26.19; Dn 12.2) e era algo que estava tomando mais corpo no Novo Testamento. Isso é evidenciado pelos argumentos relatados no Evangelho de Marcos 12.18-27 e em Atos 23.6-8. Esse Deus em que Abraão confiou e creu é o mesmo Deus de toda a criação e que, a partir do nada, criou todas as coisas (Gn 1), e da morte ele trouxe novamente a vida (ressurreição de Jesus Cristo). Ou seja, a criação e a ressurreição são as duas mais significativas manifestações de seu poder criador, mantenedor e redentor. Deus chama à existência toda a descendência de Abraão (visto que eles já tinham uma idade avançada: v. 19) mesmo quando ainda nem sequer existiam.
Já nos v.18-21, Paulo retoma a questão da fé e esperança de Abraão diante da promessa de Deus. O crer de Abraão é caracterizado como um paradoxo: esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: assim será a tua descendência (v. 18). Ou seja, quando já não havia mais esperança, Abraão ainda sim creu que Deus faria dele pai de muitas nações, conforme a promessa dada. Ele creu na palavra de Deus e foi por isso também que sua fé foi contada para a justiça. Não é a obra da lei, mas é a fé confiante que estabelece a relação entre Deus e o ser humano. A essência da fé de Abraão, neste caso, era que ele acreditava que Deus podia fazer do impossível algo possível.
E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio corpo amortecido, sendo já de cem anos, e a idade avançada de Sara, não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus (v. 19-20). Abraão estava ciente de que seu corpo já não lhe dava mais condições próprias, por conta da velhice, e o ventre de Sara era estéril, mas mesmo assim ele não perdeu a fé. Mesmo diante de todas as incertezas a partir da perspectiva humana, a certeza proveniente da palavra de Deus permaneceu regendo seu crer. Com isso, Paulo não está dizendo para simplesmente fechar os olhos para as dificuldades ou não atentar para elas. Pelo contrário, a fé como graça prevalece apesar de quando as circunstâncias parecerem o contrário ou trazerem dúvidas. Apesar de Abraão ter todos os motivos para ficar contra a esperança, ele não descreu na promessa do Senhor.
Todavia, como percebido ao final do v. 20, a clareza da fé de Abraão é indicada por Paulo pela expressão na forma passiva: mas (Abraão) foi fortalecido na fé dando glória a Deus. Deus age e vem ao encontro dele e lhe promete uma numerosa descendência. Deus fortalece Abraão e ele o glorifica, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera (v. 21). Nessa convicção, Abraão deixa Deus ser Deus. Ele se coloca à disposição e se deixa fortalecer na fé, honrando o seu Senhor por meio da palavra, como bem lembra Paulo em Romanos 10.17: a fé vem pelo ouvir da Palavra.
Pelo que isso lhe foi também imputado para a justiça (v. 22). Paulo se refere aqui à justiça que é de Deus, ou seja, justiça que somente Deus pode imputar no coração dos remidos (Rm 3.24). Deus imputa sua justiça à pessoa para que ela se torne aceitável diante dele. Ele tornou o justo (Jesus Cristo) injusto para que os injustos pudessem ser tornados justos. Por isso a justificação inclui essencialmente o arrependimento e o perdão dos pecados (Rm 4.7).
E não somente por causa dele está escrito que lhe foi levado em conta, mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor (v. 23-24). Paulo vai além. Ele não apresenta o caso de Abraão como algo isolado no tempo. Pelo contrário, conforme leitura desses versículos, ele justamente utiliza toda essa história para trazê-la como exemplo vivo e concreto para a comunidade cristã. Da mesma forma que todos os planos de Deus se cumpriram para com o povo de Israel desde Abraão, também o novo povo de Deus recebe e faz parte dessa mesma promessa (Rm 15.4; 1Co 10.6, 11). Paulo diz claramente: mas também por nossa causa, ou seja, para toda a descendência de Abraão, para todas as pessoas que vivem a mesma fé, por causa da justiça de Deus. O apóstolo se refere assim às pessoas que creem, por meio da fé em Jesus Cristo e na sua obra, naquele que foi morto e ressurreto. Essa é a confissão original do cristianismo primitivo (cf. At 3.15; 4.10). Esse mesmo Deus de quem foi dito no v. 17, aquele que deu origem a toda a criação e chamou à existência todas as coisas que não são, para que viessem a ser, é também o mesmo Deus que justifica o ímpio (v. 5).
É nessa direção que Paulo, no v. 25, lembra a comunidade cristã dessa importante confissão de fé: o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação. A preposição do grego original dia, traduzida aqui como “por causa de”, chama atenção para o motivo da morte e ressurreição de Cristo. Deus, por meio do derramamento do sangue de Cristo, reestabeleceu a nossa justiça (Rm 5.9). Mas para de fato ter grande efeito, além da morte de Cristo, Deus em seguida o ressuscita de dentre os mortos. Essas duas ações, morte e ressurreição de Cristo, significam a obra redentora de Deus consumada na cruz (Jo 19.30). Outro sentido da preposição dia (no acusativo) “por causa de” dá um sentido de “final/finalidade”. Ou seja, as ações (morte e ressurreição de Cristo) são dois aspectos de um evento definitivo e único. Se Cristo não tivesse sido ressuscitado, sua morte se tornaria inútil para a justificação do ser humano. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados (1Co 15.17). A promessa de Deus se cumpriu de forma completa e perfeita para que os injustos pudessem se tornar justificados diante do Senhor. Jesus Cristo foi ressuscitado com a “intenção/finalidade” de reestabelecer, preservar e sustentar a justiça para toda a humanidade.
3. Meditação
A vida de toda pessoa é determinada por valores que influenciam suas decisões e os caminhos percorridos. Alguns psicanalistas, a exemplo do francês Charles Melman, afirmam que os valores que mais determinam a vida na contemporaneidade são o prazer, os bens de consumo, o sucesso e a influência. Para alcançar os objetivos baseados nesses valores, as pessoas investem seu tempo e, muitas vezes, sacrificam sua paz, saúde e até mesmo relacionamentos. São valores compartilhados e endossados por uma busca comum que cria uma “lei” que determina a vida, formando uma cultura da qual, por sua vez, se ouve a promessa de realização pessoal, de prazer e felicidade. A vida passa a ser determinada por obras por meio das quais se quer dar sentido à existência. O ponto de partida não importa muito, os caminhos são diversos, as possibilidades para se alcançar a realização, o prazer e a felicidade são muitas. O mais importante é o ponto de chegada. A lei exige o sacrifício e promete recompensar aquele que for fiel. Nesse sentido, torna-se uma busca religiosa pela tentativa de se re-ligar ao que se está desconectado e que dá sentido e plenitude à vida. Não é por acaso que a ansiedade é um dos grandes males de nosso tempo. Também não é por acaso que discursos religiosos que seguem a mesma lógica encontram ressonância, enchendo templos por um público afoito em descobrir os melhores macetes para alcançar a plenitude.
A justiça apresentada por Paulo vem na contramão dos caminhos comuns e religiosos de todos os tempos. Para ele, Abraão é o exemplo claro de como Deus age. A justiça não vem por meio de algum esforço pessoal, mas é imputado, creditado, por graça, por causa do amor de Deus. É importante que, como pessoas cristãs, entendamos que a salvação, a graça, a justiça de Deus não é o ponto de chegada, após perseguirmos um longo caminho de fidelidade a Deus, mas é ponto de partida. Aliás, essa é a grande diferença da fé cristã daquilo que outros credos trazem. A promessa de Deus é feita a cada um e a cada uma, por meio do batismo, por causa da sua divina bondade/graça, sem necessitar de algo. Portanto a caminhada de fé da pessoa cristã inicia com sua promessa de salvação, de companhia e de contínua transformação.
Para ilustrar a importância dessa mensagem e seu poder transformador, conto uma visita pastoral que fiz a uma família que veio participar de um culto na comunidade de Palhoça. Essa família participava já alguns anos de uma igreja neopentecostal bem “famosa” e despojada. Mas o casal estava cansado das necessidades impostas pelos líderes religiosos para que estivessem sob a graça de Deus e a proteção espiritual do “pastor”. Nessa conversa, após muitas dúvidas terem sido compartilhadas, eu percebi que a questão-chave era eles entenderem a graça e o amor de Deus. Por isso lhes perguntei se eles amavam seus filhos. Obviamente disseram que sim. Então disse que sabia o motivo do amor: só os amavam e os acompanhavam porque eram excelentes alunos na escola e porque eram filhos obedientes. E perguntei: é isso, certo? Olharam-me fixamente e após pensarem um pouco, responderam que não, que amavam os filhos desde sempre. Então lhes disse: isso é amor gratuito! Se nós amamos nossos filhos por “graça”, muito maior e intenso é o amor de Deus por nós. Sua graça, a salvação, não é o alvo, o ponto de chegada, mas o ponto de partida. As nossas boas obras são o resultado de uma vida em Cristo. Justamente porque Deus ama, ele tem a intencionalidade de caminhar conosco para que vivamos sendo verdadeiramente humanos, conforme sua criação, sendo sua imagem e semelhança.
Viver a fé, nesse sentido, é viver a partir da consciência do que Deus preparou para cada pessoa e na certeza da sua graça. Mas essa vida na graça não tem somente um impacto nas questões pessoais, mas também públicas da vida. Como percebemos nas leituras bíblicas, a fé irradia para a vida de forma integral. A dicotomia que se faz entre religião e política (entendendo aqui política como vida na cidade, vida como comunidade, onde se tem a consciência de que cada pessoa exerce uma vida comunitária) é altamente prejudicial ao bom testemunho do que significa viver uma vida a partir da promessa da graça de Deus. Numa realidade em que a vida é pautada na lei, a partir de valores que foram estabelecidos para a realização pessoal, a vida a partir da liberdade, ofertada na promessa pela graça de Deus, tem um poder transformador sem igual. A sociedade, mesmo nas questões não religiosas, se mostra demasiadamente religiosa quando estabelece uma lei como caminho para se ter aquilo que só o eterno pode dar e preencher. Como disse Santo Agostinho: Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizestes para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso. Além disso, com Abraão, o apóstolo Paulo ensina que, mesmo diante de todas as dúvidas e motivos que nos geram desesperança em meio aos cenários que vivemos, a promessa de Deus foi selada por meio de Jesus Cristo de modo definitivo e único. Nada nos arranca das mãos de Deus (Rm 8.39).
4. Imagens para a prédica
Compartilho uma fala de Dietrich Bonhoeffer que pode ser usada na pregação, se possível projetada numa tela:
Creio que Deus pode e quer converter tudo, mesmo o pior mal, em bem. Para isso ele precisa de pessoas que saibam tirar o melhor de todas as coisas. Creio que em toda situação de necessidade ou aflição Deus nos quer dar tanta resistência quanto necessitamos. Mas Ele não a dá antecipadamente, para que não confiemos em nós mesmos, e sim somente Nele. Uma fé assim deveria ter superado todo o medo do futuro. Creio que nem mesmo nossas faltas e nossos erros são em vão e que para Deus não é mais difícil lidar com eles do que com nossas supostas boas obras. Creio que Deus não é um destino atemporal, mas ele espera por orações sinceras e ações responsáveis e responde a elas (Bonhoeffer, 2003, p. 37).
5. Subsídios litúrgicos
Oração do dia: Querido e bondoso Deus, te agradecemos pela tua maravilhosa graça. Quão misericordioso és por teres enviado teu filho Jesus Cristo para nos justificar e nos salvar de nossas transgressões. Senhor, que a tua obra prevaleça sobre todas as coisas, e que saibamos reconhecer que nenhuma obra a qual tentamos fazer para te agradar é suficiente e eficaz diante da grandeza de tudo aquilo que fizeste por nós por meio da morte e ressurreição do teu Filho, Jesus Cristo. Que mesmo diante do caos no qual vivemos neste mundo, mesmo diante de todas as coisas que não te agradam e que tentam nos afastar da tua presença, que a fé em ti possa nos fortalecer e saciar diariamente para que nada nos desvie do teu amor e cuidado. Problemas e provações muitas vezes também podem nos fazer duvidar das tuas promessas. Mas, que assim como tu fizeste com Abraão ao fortalecê-lo por meio da fé, também nos assegura das tuas promessas e nos ajuda a confiar e crer em tudo aquilo que podes fazer em nossas vidas. Tu és o Deus da consolação e te somos gratos por todo amor, graça e bondade que tu nos dás por meio da tua Palavra. Ajuda-nos a esperar somente em ti, Senhor. Que toda a tua promessa prevaleça e que, de fato, ela conduza e determine o sentido de nossas vidas enquanto aguardamos a tua volta. Amém.
Confissão de fé com Credo Niceno-Constantinopolitano:
Cremos em um Deus, Pai Todo-Poderoso,
Criador do céu e da terra,
e de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus,
gerado pelo Pai antes de todos os séculos;
Deus de Deus, Luz da Luz,
verdadeiro Deus de verdadeiro Deus;
gerado, não feito, de uma só substância com o Pai,
pelo qual todas as coisas foram feitas;
aquele que, por nós, homens, e por nossa salvação, desceu dos céus,
foi feito carne pelo Espírito Santo da virgem Maria e foi feito homem;
e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos;
ele padeceu e foi sepultado;
e no terceiro dia ressuscitou, conforme as Escrituras;
e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai;
e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos,
e seu reino não terá fim.
E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador,
que procede do Pai e do Filho; que, com o Pai e o Filho,
conjuntamente, é adorado e glorificado;
que falou por meio dos profetas.
Cremos na igreja una, santa, católica e apostólica.
Reconhecemos um só batismo para remissão dos pecados;
e aguardamos a ressurreição dos mortos
e a vida no mundo vindouro. Amém.
Bibliografia
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2003.
KLAIBER, Walter. Der Römerbrief: Die Botschaft des Neuen Testaments. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 2009.
STUHLMACHER, Peter. Der Brief an die Römer. In: Das Neue Testament Deutsch. Göttingen; Zürich: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989. Band 6.
MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.
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