Celebração


ID: 2651

Quarenta Anos da Ordenação da Pastora Edna Moga Ramminger

06/12/2022

Pastora Edna Moga Ramminger
Pastora Edna com seus dois filhos, Iom e Dante
Instalação na Paróquia de Tapera (RS)
Pastora Edna com o filho Iom e os pais dela
Pastora Edna com o filho
Edna, Oto e o filho Dante
Pastora Edna e confirmandos e confirmandas
Edna, filhos e P. Valdir Frank e Pa. Marli Lutz
Pa. Edna, confirmandas e confirmando
Pa. edna e confirmanda
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Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois
quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos
perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós.

(Mateus 5.10-11)
 

Edna Moga Ramminger nasceu em Rio Claro/SP no dia 19 de maio de 1954. Foi filha de Roberto Moga e Julia Sarti Moga e irmã de Ana Maria e Marcia. Foi batizada no dia 05 de setembro de 1954 na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Rio Claro pelo P. Gerhard Graetz. Foi confirmada na mesma comunidade no dia 16 de novembro de 1969, sendo oficiante ainda o P. Graetz. O versículo bíblico escolhido e que foi importante ao longo de sua vida foi: Examinai tudo, retende o que é bom (1 Tes 5.21). Em 14 de dezembro de 1972 concluiu o Curso Técnico em Contabilidade no Colégio Comercial Arthur Bilac, em Rio Claro/SP.

Ingressou na Escola Superior de Teologia (EST), em São Leopoldo/RS, em março de 1973 e concluiu o Exame Intermediário em dezembro de 1975. Em 12 de junho de 1976 casou-se com Oto Hermann Ramminger, também estudante de teologia, sendo testemunhas a colega Mariane Bayer e o colega Orlando Martens. O culto da bênção matrimonial, oficiado pelo P. Dr. Milton Schwantes, ocorreu em 03 de julho de 1976, na capela da EST.

Concluiu o Curso de Teologia em junho de 1978 e prestou o Exame Pró Ministério em 22 de julho de 1982, em São Leopoldo/RS. Foi ordenada para o Ministério Pastoral em culto na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Colorado do Oeste em 13 de novembro de 1982. Foi ordenador o P. Arteno I. Spellmeier e assistentes o P. Walter Sass e P. Valdir Frank.

Em Colorado do Oeste nasceram seus dois filhos, Iom e Dante, em 09 de julho de 1980 e 07 de julho de 1983, respectivamente. Exerceu o pastorado desde julho de 1978 nas Paróquias de Colorado do Oeste (Sul de RO), Tapera (RS), Juina (MT), Tuparendi (RS) e Victor Graeff (RS).

Foi eleita para a função de Vice Pastora Sinodal para o período de 01 de julho de 2002 até 31 de dezembro de 2006 no Sínodo do Planalto Rio-Grandense. Em agosto de 2003, optou por licenciar-se da atividade pastoral para dedicar-se inteiramente ao seu filho mais novo, portador de severo sofrimento mental. Assim, passou a residir em sua cidade natal até o fim de sua vida. Edna faleceu no dia 30 de janeiro de 2021, em Rio Claro/SP.

Em todo o seu fazer pessoal, teológico e pastoral, Edna teve clareza sobre o valor da vida. Sua convicção de que a vida e todas as vidas foram, são e serão criação de Deus e se desenvolvem num planeta de recursos finitos, não só a levou ao consumo consciente de água e energia elétrica, mas, para ela, estava claro que todos os bens e produtos manufaturados, incluindo vestimentas, calçados e alimentos, precisavam ser consumidos com cuidado. Em sua casa, a carne e outros alimentos cuja produção requer grande quantidade de recursos naturais foram consumidos com parcimônia. Ela sempre prezou pela manutenção de uma horta, por menor que fosse, para poder consumir ao menos verduras livres de químicos e agrotóxicos.

Gênesis 1.29 nos lembra que Deus nos criou para consumirmos preferencialmente folhas, frutas e sementes. Além disso, Deus coloca a nosso dispor um sem número de plantas medicinais e recursos naturais para manter e recuperar nossa saúde. Essa convicção e muitos outros estudos que provam o valor da alimentação crua foram motivo de muita reflexão e de mudanças bem práticas no modo de enxergar saúde e alimentação. Com o passar do tempo, cursos, encontros e palestras em torno do tema foram acontecendo e se estenderam também ao assunto da agroecologia e da produção orgânica.

A partir do entendimento de que o nosso corpo não nos pertence, mas foi criado para ser morada digna do Espírito de Deus (I Co 3, 16-17), não há como não abordar o tema da saúde no Ensino Cristão, na pregação e nas conversas do dia a dia. O amor e o zelo pela vida e pela natureza fez com que as causas da apicultura e da meliponicultura se tornassem muito presentes na vida da Edna e de sua família. As abelhas são o grande termômetro que mostra como anda a saúde da natureza toda. Apicultoras e apicultores passam a ser, via de regra, preservadoras/es da natureza e reflorestadoras/es.

Todos esses trabalhos foram realizados e aprofundados de maneiras diferentes em cada comunidade ou paróquia, de acordo com o interesse das pessoas. Como é também com todo o fazer teológico e pastoral, somos apenas semeadoras/es. E toda semeadura precisa ser feita com muita convicção pessoal, paciência e persistência. De qualquer forma, não temos domínio ou garantia acerca do resultado.

Edna e Oto exerceram os Pastorados em conjunto nas paróquias de: Colorado do Oeste (RO) de julho de 1978 até junho de 1986; Tapera (RS) de junho de 1986 até junho de 1989; Juína (MT) de junho de 1989 até junho de 1993; Tuparendi (RS) de junho de 1993 até junho de 1996; e Victor Graeff (RS) de junho de 1996 até agosto de 2003.

O trabalho pastoral mais desafiador e marcante foi o que desenvolveu, com seu marido também pastor, em Colorado do Oeste, que abrangia todo cone sul de RO e Noroeste do MT.

A realidade da IECLB na Rondônia nos anos 1970-1980

Chegamos em Colorado do Oeste em 1978. O Projeto UMA1, financiado pela American Lutheran Church (ALC), já tinha estrutura básica desde 1977: pequeno templo de madeira, casa, carro, quadra de 200m X 80m no centro da vila. Pastor Geraldo Schach de Pimenta Bueno e Pastor Arteno Spellmeier, coordenador das Novas Áreas de Colonização, atendiam esporadicamente Colorado do Oeste e Vilhena.

A situação dos migrantes em Colorado do Oeste era de extrema pobreza. Essa era a situação dos migrantes que receberam suas terras através do INCRA. As enormes distâncias, de até 60 Km da vila até os sítios, eram percorridas a pé com pesados cacaios às costas e raramente havia a felicidade de uma carona com algum caminhão toreiro. Moto não havia e um cavalo era coisa para poucos mais bem situados. Lembro de uma cruz que havia à beira de um carreador que apontava o local onde um cacaieiro havia caído morto sob o peso do seu cacaio.

Com o passar do tempo, além de Vilhena e Colorado (sede de todos os trabalhos) surgiram pontos de atendimento nas Linhas 2 (rumo Rio Colorado), Linha 3 (primeira eixo), Linha 4 (rumo Rio Colorado), Linha 5 (rumo Rio Colorado), Linha 6 (Terceira Eixo), Linha 8 (esquina da primeira eixo), Linha 8 (rumo Rio Colorado), Linha 9 (Cabixi) e Cerejeiras.

Em todas essas linhas fazíamos cultos e cultos ecumênicos com as famílias evangélicas, vizinhança e comunidade em geral. Às tardes havia trabalhos na área de saúde e agro veterinária. Além dos encontros em si, passávamos o dia no local do encontro. O mesmo atendimento pastoral-comunitário se estendeu a Rio do Ouro e, bem posteriormente, a Campos de Júlio. A partir de 1979/80 iniciamos atendimento pastoral às comunidades do noroeste do Mato Grosso: Juína, Castanheira, Subnúcleo da Linha 3 (Terra Roxa), Cidade Morena, Juruena, Aripuanã, Agro-Vila, Esquina Gaúcha e Cotriguaçu.

A distância percorrida entre Colorado do Oeste e Cidade Morena, local de atendimento mais distante, perfazia 550 km e levava-se, em geral, dois dias para chegar lá de Toyota em estradas de péssimas condições. Uma única vez, em viagem sem paradas, quando a estrada estava boa e o Toyota era novo, saímos de Colorado do Oeste as 6 da manhã e chegamos em Cidade Morena as 10 da noite. Em época de chuva essas condições pioravam muito e, muitas vezes, deixavam a estrada intransitável. Os extremos da paróquia entre o oeste para leste perfaziam 590 km. No ano de 1986 foi criado o pastorado de Juína, com a instalação do primeiro pastor, P. Hans Horstmann. A Paróquia Evangélica de Confissão Luterana Sul de Rondônia, embora já existisse de fato, apenas foi registrada como pessoa jurídica no segundo semestre de 1985. A sede da paróquia seria Vilhena, mas a sede dos trabalhos continuou em Colorado até construir a estrutura para tornar possível a transferência.

O Projeto UMA também foi a base e o início dos trabalhos da IECLB em Cacoal e Ariquemes. Sem esse financiamento, que pode ser visto de diversas maneiras, a IECLB em Rondônia e noroeste do MT não teria se desenvolvido, pelo menos não na velocidade e na dimensão em que se deu. A verba prevista no Projeto UMA era para um trabalho de 5 anos. Em Colorado, graças ao cuidado administrativo e outros projetos, ainda havia verba depois dos 8 anos em que lá estivemos.

Os Projetos UMA, que eram Projetos de Desenvolvimento, visavam atender as pessoas em três áreas: Pastoral comunitária, de saúde e agro veterinária. Por essa razão, os encontros nas linhas de Colorado do Oeste e também em grande parte das demais localidades atendidas e visitadas procuravam ir ao encontro de todas as pessoas e atender as pessoas integralmente.

O trabalho com e para todas as pessoas gerou animosidades com os evangélico-luteranos que não compreendiam que aquele trabalho e as verbas envolvidas não pudesse ser destinado exclusivamente a eles. Colorado do Oeste, de modo especial, padeceu muito como comunidade evangélico-luterana pelo fato de a maioria das pessoas mais engajadas e com tradição de IECLB terem se mudado rapidamente para a zona da mata (especialmente Cacoal, Rolim de Moura e Espigão do Oeste). Quem permaneceu em Colorado do Oeste foram pessoas extremamente humildes e que não se manifestavam muito, ou pessoas que, de alguma forma, viram toda aquela estrutura como uma forma de benefício próprio. Além disso, não houve um entrosamento verdadeiro entre os primeiros evangélico-luteranos sulistas e capixabas de Colorado. Com a transferência da sede paroquial para Vilhena, 75% da quadra de Colorado foi vendida e usada na estruturação da sede paroquial de Vilhena e 25% permaneceu aos cuidados da Comunidade de Colorado, que vendeu 4 terrenos para construir uma igreja de alvenaria. O sentimento que circula entre os remanescentes de Colorado é que Vilhena se apossou de toda a estrutura herdada do Projeto UMA, e o sentimento de membros de Vilhena é que Colorado desperdiçou um grande capital herdado do Projeto.

Com o passar dos anos surgiram novos projetos em Colorado. O Projeto de Apoio aos Posseiros visou acompanhar de perto, também juridicamente, posseiros e pessoas em busca de terra. Foi a partir desse trabalho difícil e conflituoso que P. Oto, Olavo Nienow (responsável pela execução dos trabalhos), Francisco Cesáreo da Silva (presidente sindical) e diversos outros posseiros e sindicalistas acabaram presos e processados.

Ao longo da estrada velha de Vilhena a Colorado do Oeste havia uma enorme área de terra pouco cultivada e apenas “marcada” por algumas cabeças de gado, chamada Fazenda Cabixi. Ela se compunha de 19 áreas de 2 mil hectares cada e pertencia a políticos e empresários paulistas, conforme se ouvia. Posseiros se assentaram na área devoluta nos fundos dessa enorme fazenda de 38 mil hectares. Acontece que também essa área os latifundiários queriam para si.

No dia 04 de maio de 1982 num confronto direto entre os pistoleiros e os posseiros três pessoas foram vitimadas no local (Fazenda Cabixi), sendo um posseiro e dois jagunços da referida fazenda. Outras duas saíram feridas: um posseiro e a mulher de um dos jagunços a qual, dias depois, também morreu. O que mais chama atenção é que os jagunços, que também deveriam responder processo como réus, foram arrolados como testemunhas contra os 36 réus.

Quem escreveu o trecho acima foi o pastor Hans Trein. A carta de 15 de maio de 1982, escrita pelos presos em Ji-Paraná, relata: “A polícia que investigou o caso não quis ver que os posseiros sabem pensar e tomar decisões próprias e quis ver que alguém outro tivesse sido um ‘agitador chefe’ ou um ‘mandante’. Por isso Francisco (do sindicato dos Trab. Rurais), Olavo (da CPT) e Oto (Pastor da IECLB) foram indiciados como coautores.” O processo foi encerrado 18 anos depois, num julgamento em que os jurados absolveram a todos por unanimidade. Se olharmos hoje para a região amazônica veremos que os conflitos por terra continuam, também na Rondônia.

O Projeto Vacas surgiu com a intenção de amparar concretamente as pessoas na questão alimentar. Além do leite, o Projeto visava a união e o associativismo das pessoas. Uma vaca da raça “gir” ou “girada” beneficiava três famílias e para cada seis, sete ou oito vacas era destinado um touro da raça holandesa. Esse conjunto de pessoas recebia apoio técnico e estímulos para viver e trabalhar em associação. Dessa maneira surgiram dezenas de associações em muitas linhas de Colorado, bem como de toda a Paróquia, incluindo toda a região do noroeste do Mato Grosso. Houve ainda um Projeto Saúde específico e um Projeto de atendimento e orientação advocatícia.

Todo o trabalho social desenvolvido teve o seu intuito, foi desenvolvido sem planos de criar estruturas novas ou especiais. A intenção foi servir e se dissolver na forma de sinais vivos de amor e solidariedade na vida das pessoas. Sempre soubemos que o que restaria de concreto seriam as comunidades evangélico-luteranas. Algumas delas, infelizmente, não se formaram ou não sobreviveram como tal. Nem sempre a semeadura, por mais árdua, dolorosa e conflituosa que tenha sido, se converte em comunidades visíveis e mensuráveis.

No ano de 1981 estagiou conosco em Colorado do Oeste a Pa. Silvia Beatrice Genz. Também em Colorado do Oeste, fomos ordenados ao ministério pastoral em 1982.

Um breve relato sobre a realidade da luta de classes na Amazônia

O início dos trabalhos em Colorado do Oeste coincidiu com uma grande onda do avanço do capitalismo sobre a Amazônia, sob o pretexto da integração nacional. A migração massiva para a Amazônia serviu para aliviar a pressão social, especialmente nos estados do Sul, Sudeste e Nordeste, deslocando milhares de famílias para a Região Amazônica. Ao mesmo tempo, essa migração forneceu mão de obra e ajudou a consolidar número incontável de latifúndios e fazendas em todas as regiões de migração dos pequenos agricultores.

Na Região Amazônica, migrantes foram usados como mão de obra barata para abrir e formar sítios rurais, para testar culturas, para abrir carreadores na mata, para enfrentar as primeiras e piores doenças regionais e tropicais, especialmente malária e leishmaniose. Tudo ocorreu sem apoio de órgãos oficiais e a infraestrutura oferecida era quase nula.

O intuito do capital foi unicamente o de usar a mão de obra migrante para desbravar e “amansar” a terra, abrindo caminho para que os verdadeiros donos viessem mais tarde ocupar as terras já cultivadas com infraestrutura criada com o suor, o sofrimento e o sangue dos pioneiros que seguiam migrando Amazônia adentro.

A IECLB havia idealizado um trabalho de acompanhamento dos migrantes, oferecendo suporte nas áreas de saúde, agro veterinária e pastoral comunitária. O trabalho visava a fixação dos migrantes à terra, nos seus lotes de 100 hectares distribuídos pelo INCRA, e era destinado a todas as pessoas, independente também do credo confessional religioso.

Na medida em que o trabalho evoluiu, incluindo também os posseiros que ocupavam áreas devolutas de terras (também cobiçadas por grandes empresas) e nelas procuravam se fixar, a pesada mão da ditadura militar se fez sentir fortemente. Uma das consequências dessa ação do estado em defesa do capital e do latifúndio foi a prisão de um grupo de posseiros, sindicalistas e também do pastor Oto, marido da P. Edna.

Se o trabalho já vinha sendo árduo pelas dificuldades internas, por tratar-se de um trabalho pioneiro e em equipe, a ação policialesca do Estado tornou o trabalho extremamente penoso, beirando o impossível.

A vida em Colorado do Oeste era muito precária. Por anos viveu-se sem água encanada ou energia elétrica. Mas tudo foi suportável. Edna vivia e enfrentava tudo com convicção e serenidade. Sempre esteve consciente que a realidade de milhares de migrantes, suas mulheres e filhos era indizivelmente mais sofrida que a dela. Não fosse a perseguição ao trabalho e aos obreiros a partir de diversas frentes, e o sonho de tentar fixar o migrante à terra, poderia ter tido um final bem mais satisfatório. Os conflitos, a perseguição, o aumento exponencial da área geográfica de atendimento diminuíram em muito o vigor e a saúde física da Edna.

A Igreja inserida no processo histórico da luta de classes

A inserção da Igreja na luta de classes resultou na repressão do Estado sobre posseiros e obreiros da IECLB com o intuito de defender os interesses do grande capital na região amazônica. Estávamos em plena ditadura civil-militar-empresarial-cristã de 64 que assassinou 9.980 pessoas (8.350 indígenas, 1.196 camponeses e 434 pessoas da esquerda) para proteger os interesses do capital nacional e internacional no Brasil; além disso, torturou 20 mil pessoas e processou 50 mil pessoas, além das milhares de pessoas que foram forçadas a se exilar no exterior. Pelo número de mortos vemos que indígenas e camponeses eram os maiores inimigos da ditadura de 64 e do próprio capital.

Dentro dessa realidade repressiva lemos a Carta escrita pela pastora Edna Moga Ramminger e pela Elza Maria dos Santos Nienow (esposa do Olavo Nienow) para informar as pessoas sobre a situação de suas famílias, seu trabalho e a situação dos presos: obreiros da IECLB e posseiros (camponeses sem terra).

Colorado do Oeste, junho de 1.982.

A todas as pessoas que, de uma ou outra forma, nos dão apoio, manifestam sua solidariedade e compreensão pela luta dos posseiros que buscam condições de vida e dos que estão ao lado deles porque se sentem comprometidos a testemunhar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo nesta situação difícil.

Caros irmãos!

Há dias queremos lhes escrever, responder às manifestações que chegaram até nós. Nosso dia a dia, no entanto, tem sido feito de muitos imprevistos que dificultam nossa comunicação. Estamos procurando manter o ritmo normal de nossas vidas porque nosso trabalho envolve compromisso com outras pessoas às quais queremos continuar servindo. Isso não tem sido fácil e só estamos conseguindo pela graça de Deus, com ajuda de amigos e certamente pela força as orações de todos vocês.

Também nossas crianças exigem mais atenção pois sentem, de forma especial, que algo está errado: às vezes se revoltam como que cobrando de nós a falta dos pais, outras vezes se entristecem e chamam o papai no telefone de brinquedo ou por qualquer outro objeto que fazem de telefone. Oto e Olavo foram tirados de nós sem possibilidade de despedida e sem sabermos que seria uma separação. Nossas crianças estavam acostumadas a se despedirem deles, quando se ausentavam de casa por vários dias, sempre sabiam para onde iam e aguardavam sua chegada. Dessa vez não tiveram chance de fazer isso e, à sua maneira, exigem uma explicação, Procuramos colocar-lhes a realidade, mas suas cabecinhas de pouca idade não conseguem assimilar que é possível tudo se passar como se passa. Jesus falou da necessidade de mudarmos de vida, de nos tornarmos como crianças para entrar no Reino dos Céus (Mt 18.3) e, se estamos compreendendo bem as reações de nossas crianças, percebemos melhor o sentido dessas palavras de Jesus. Nossas crianças manifestam a insatisfação que têm com a ausência dos pais, elas não se conformam com o fato de que não foi respeitado seus direitos de, ao menos, se despedirem deles para poderem compreender que iriam se separar. Essa liberdade de manifestação do que sentem, essa sinceridade inconformada com a realidade injusta que vivem sem compreender, as faz – e a todos os que vivem com elas – herdeiras do Reino dos Céus.

Para nós, mudar de vida, tornar-se criança, já é algo mais difícil. É um exercício diário de perdão, de oração para que nossos presos se sustentem mutuamente (sabemos que eles estão confiantes e continuam dispostos a assumir as consequências do testemunho cristão), de intercessão também por aqueles que se deixam usar como instrumento e injustiça. No momento atual, que é feito de grande expectativa, precisamos ter, mais que nunca, presente a necessidade de nos tornarmos crianças, tendo o desprendimento, a sinceridade delas, e dependência exclusiva de Deus.

Olavo, Oto, Francisco e os posseiros José Barbosa e José Pedro de Alcântara, recentemente também Lauro (que completou 18 anos na prisão), continuam presos em Ji-Paraná. Outros dois ou três posseiros estão presos em Vilhena. Esperávamos para o último dia 4 a decisão do Tribunal sobre o pedido de habeas-corpus. Não houve julgamento como se esperava e apesar do pedido de urgência dos advogados, não acreditamos que haja decisão antes de duas semanas, em virtude do feriado de Corpus Christi, que antecipa o fim de semana. Estamos nos preparando para uma demora maior, não queremos nos iludir com falsas esperanças que têm o objetivo de nos desanimar e enfraquecer.

No último dia 1º, um posseiro foi baleado. Seu rancho na posse, assim como os outros, foi queimado e enquanto jantava no lado de fora de seu barraco nas imediações da vila, atiraram nele. Foi levado à Vilhena porque em Colorado alegou-se falta de recursos para atendê-lo, o mesmo aconteceu em Vilhena e ele foi levado a Cuiabá. Sua mulher, fraca e doente, e o filho de sete anos, dois dias depois, já não tinham mais o que comer. A situação dos outros posseiros é pouco alentadora. A suspensão da ordem de despejo pelo Supremo Tribunal Federal foi revogada sob a alegação de que perdera seu efeito quando Rondônia passou a Estado. A situação está indefinida e os posseiros aguardam para saber se perderão tudo ou se lhes resta alguma esperança de conseguir a posse da terra pela qual tanto lutaram e da qual dependem para viver.

Nossa localização em Colorado nos deixa bastante isolados e não conseguimos saber ao certo o que a imprensa vem divulgando. Temos contatos com amigos por telefone, que é bastante limitado pois há somente duas cabines num posto de serviço sempre cheio de gente, e por rádio sintonizado apenas com a sede da Diocese de Guajará-Mirim, para sabermos como vão nossos presos. Também nos sentimos tolhidos na necessidade de externar nosso desejo de que seja feita justiça e que nossos presos sejam libertados. Encontramos barreiras para socorrer o posseiro baleado, que corre risco de vida sem atendimento imediato, ficando por quatro dias com balas em seu corpo. Não é ouvida a voz de muitos que precisam de terra para sustentar suas famílias. Ouvimos calados opiniões furiosas de que 30% dos posseiros são especuladores, sem chance de perguntar se os restantes 70% não merecem, então, sossego para trabalhar porque é só o que querem.

Continuaremos procurando ser cristãos comprometidos com nossos irmãos, os pequenos irmãos de Jesus Cristo. Para isso precisamos da orientação e força de Deus. As orações de vocês são nosso sustento também. Agradecemos a Deus pela disposição e engajamento de todos vocês e pedimos a ele que faça desta situação difícil, oportunidade de crescimento, de fortificação para toda a Igreja de Jesus Cristo no nosso país.

Com abraços fraternos e esperançosos

Elza Maria dos Santos Nienov e Edna M. Ramminger
(por nossas crianças Patrícia, Maíra, Naiara e Iom e por todos os que aqui estão conosco)

Essa carta fala por si sobre os sofrimentos dos posseiros e dos obreiros e do papel do capital sob a proteção do Estado. Quando a Igreja não legitima os interesses do capital vem a repressão do Estado para intimidar e eliminar a ação da Igreja em favor das classes subalternas. O papel do Estado é neutralizar a ação da Igreja para dar vazão aos interesses do capital. O capital não aceita a inserção da Igreja no meio das classes subalternas, apenas permite que a Igreja legitime a ação do capital. Quando isso não ocorre está aí o papel do Estado para brecar qualquer inserção eclesial em meios aos explorados e oprimidos pelo capital. O peso da Lei recai sempre sobre os empobrecidos, sobre as vítimas do capital.

O papel da pastora na Igreja

A IECLB foi, salvo raras exceções, a Igreja do Deus Pai, não do Deus Mãe e Pai. Palavras fortes como Deus Pai, Deus Forte, Juiz ou Poderoso trazem consigo uma carga muito autoritária. A própria palavra Pfarrer, designação alemã para Pastor, contém essa carga forte; originalmente era o Pfarr Herr, a saber, o Senhor Paroquial. Isso marcou por gerações o pastorado como tarefa exclusivamente masculina e associou Deus também como um Senhor Autoridade. Ser colocada nessa realidade como pastora, que privilegia a graça, a misericórdia e a compaixão de Deus que é Mãe e Pai, é tarefa espinhosa.

Edna sofreu as consequências de ser pastora através da reação dos homens que eram maioria em diretorias, conselhos e departamentos, pois eles defendiam seu espaço com muita determinação. E, mesmo assim, Edna perseverou em todo seu fazer teológico e pastoral na inclusão do feminino, das mulheres não só na fala buscando uma linguagem inclusiva, mas também na prática incluindo mulheres e pessoas da margem na liderança das comunidades.

Ela tinha consciência de que há pastoras que imitam o pastorado patriarcal. Estas, aparentemente, sobrevivem melhor que as demais. Contudo, para a causa feminina, para a causa da visibilidade da mulher, das pessoas frágeis e fragilizadas das comunidades, esse tipo de pastorado feminino masculinizado não contribui. Sempre esteve claro para ela que há também pastores homens que exercem com muita persistência e coragem um pastorado inclusivo, embora sejam minoria. O desafio de ser pastora/mulher que se identifica e inclui as mulheres e todas as pessoas esquecidas das comunidades segue sendo o grande desafio do pastorado feminino.

Edna provém de uma Comunidade que primou pela formação teológica na fé evangélico-luterana. O seu então Pastor Gerhard Graetz foi um formador teológico por excelência. Essa clareza teológica que a levou ao estudo de teologia, também embasou todo o seu fazer teológico e pastoral ao longo do trabalho e da vida. Embora, muitas vezes, em situação precária e adversa, todas as atividades pastorais desenvolvidas por ela visavam a formação e o aprofundamento dos fundamentos mais caros do luteranismo. A formação se estendia com paciência e perseverança às orientadoras de Culto Infantil e Ensino Confirmatório, aos presbíteros, aos grupos de liturgia e às lideranças e grupos de OASE.

É óbvio que esse tipo de clareza teológica trouxe sofrimentos e antagonismos a ela. Vivemos uma época marcada por todo tipo de variantes teológicas subjetivas e pessoais, que se insinuam como teologia e fé cristã verdadeiras. Nesse meio, a clareza teológica evangélico luterana, pensada, vivida e construída a partir da fé, da graça e da escritura não é mais bem-vinda, aliás, há muito tempo não é. O simples anúncio cristão da graça e do perdão sem méritos próprios afronta todo o sistema perverso da compra da salvação por dinheiro ou por merecimento, da pregação intimidatória que faz “converter” pelo medo e embasa a maioria das denominações ditas “evangélicas” e também uma infinidade de confusas linhas pentecostalizantes de igrejas tradicionais. Para Edna estava claro que a fragilidade teológica também presente no meio luterano, foi em boa parte responsável pela ascensão do horror político que vivemos nesses últimos anos. A intolerância, o machismo, a violência disfarçada, o desejo de fazer justiça com as próprias mãos e a falta de compaixão presentes em muitas igrejas ditas evangélicas, mas também nunca corajosamente enfrentadas e tratadas nas igrejas tradicionais, foi campo fértil para o período politicamente obscuro e violento que estamos vivendo. Palavras atribuídas a Nelson Mandela dizem que: Os tolos se multiplicam, enquanto os sábios ficam em silêncio.

Edna foi incansável na prática do ecumenismo. Ela jamais perdeu oportunidade de criar espaços ecumênicos e desenvolver atividades ecumênicas. Especialmente no meio católico sua clareza e simplicidade teológica eram admiradas.

O mundo e nem as comunidades confessionais são gentis com pessoas doentes e, muito menos com pessoas portadoras de sofrimento mental. Os tratamentos já são relativamente bons e humanizados, mas as sequelas estão sempre presentes. Há muitos preconceitos com relação a todas as pessoas que sejam portadoras de qualquer tipo de sofrimento mental. Quando em tratamento elas precisam desenvolver seu próprio ritmo de vida. Manter emprego, cumprir horas de trabalho normais, na maioria das vezes, está fora de questão. Conviver com a doença numa comunidade ou paróquia como família pastoral é praticamente impossível. Parece um paradoxo, mas é a realidade. Por essa razão, Edna decidiu se afastar do trabalho pastoral.

Depois que retornou para sua cidade natal, Edna viveu seu exílio. Sua comunidade tão marcante para ela na infância e na juventude, estava mudada. Ela avaliou que, devido a todas as questões pessoais, familiares e de saúde, não conseguiria arcar com um envolvimento na restauração daquilo que considerava imprescindível na comunidade. Assim, ela optou por se dedicar exclusivamente ao tratamento do seu filho, ao acompanhamento do seu pai, que veio a falecer de câncer, e de sua mãe, que acolheu e cuidou enquanto sua saúde permitiu. Como também não foi buscada pela comunidade, ela alcançou, em seus últimos anos de vida, a paz e o anonimato pelos quais ansiava. A vida pastoral lhe fora muito dura e ela ansiava por ser esquecida. Ela não queria estar em evidência, nem mesmo gostaria de ter sido a primeira pastora ordenada da IECLB. Mas, apesar disso, não ter mais uma comunidade, não ter mais a sua comunidade de origem, mesmo estando finalmente em casa, lhe fazia falta.

Embora a vida da Edna tenha sido difícil e, muitas vezes, sofrida, nunca lhe faltou a serenidade, a alegria e o otimismo. Ela soube privilegiar as pequenas alegrias e destacá-las. Ela soube criar espaços de beleza e gratidão em cada momento que poderia ter sido apenas de amargura ou de lamentação.

A ordenação foi muito importante para a Edna, embora a consciência do seu significado não tenha sido tão evidente como se tornou nos anos posteriores e é nos dias de hoje. Depois do Segundo Exame Teológico a ordenação podia ser requerida e isso foi feito. Nem se cogitava que Edna pudesse não ser ordenada, por isso ela o foi juntamente com seu marido pastor. De qualquer maneira ficamos felizes e gratos a Deus que sua ordenação abriu precedente e caminho para a ordenação de todas as mulheres pastoras na IECLB.

Três depoimentos sobre a Pastora Edna

“Edna sempre frequentou a Comunidade da IECLB de Rio Claro. Participou da Escola Dominical, Ensino Confirmatório, Confirmação, Grupo de Jovens e Cultos Dominicais. Era muito interessada em estudar e ler. Precisou começar a trabalhar muito cedo, mas todo tempo livre era dedicado ao estudo e a leitura. Na época da confirmação já mostrava um interesse maior que outros jovens e, muitas vezes, dava um jeito de conversar com o Pastor Graetz após as aulas, buscando esclarecimentos e tirando dúvidas. Também participou do grupo de jovens, sempre demonstrando muita seriedade e amadurecimento em todos os campos da sua vida. Quando começou a planejar cursar teologia, provocou diversas reações na comunidade. Alguns achavam um total absurdo uma mulher querer ser pastora, algo inédito na ocasião. Mas ela, apesar das dificuldades, não desistiu e foi superando todas as barreiras, ganhando a admiração de todas/os. Ela realmente mostrava desde jovem ter essa vocação e um forte desejo de orientar as pessoas e lutar por um mundo melhor. Lutou bravamente com as dificuldades que a vida lhe impôs, mas, com muita fé cumpriu sua missão. Uma pena nos ter deixado tão precocemente!” (Rui Carlos Guilherme, Rio Claro/SP, Psicólogo e amigo de Edna desde a Escola Dominical.)

“A Edna foi uma pessoa na medida certa. Ela se movimentava entre o necessário e o suficiente. Não ficava aquém do que tinha que ser e nem ultrapassava o limite do que bastava. Ela era assim... Comparada ao jogador de futebol que está na frente do gol, mas quer dar um drible a mais que lhe faz perder o gol, Edna sabia evitar esse drible a mais... Ela se movimentava entre as duas pontas no que convinha. Ela era assim no seu jeito pessoal e nas repercussões que isso traz consigo. Quem é desse jeito, moderado e sereno como ela era, acaba sendo uma pessoa simples e a Edna era assim: Uma pessoa serena, simples e que na maioria do tempo tinha um sorriso no rosto. E essa simplicidade ela trouxe consigo em todos os momentos e situações da vida. Com os filhos ela soube ser assim... sentar e conversar. Ela os ajudou a criar as penas e asas para depois voarem e, é claro, cada um voa a seu modo. A Edna também tinha uma fé simples. É claro que como pastora, ela entrou no campo da erudição teológica, das leituras, pesquisas e debates, mas a essência de tudo volta feito bumerangue para a simplicidade. Penso que ela foi bem judaica e acho isso muito bom, na constatação: ‘Deus simplesmente é’. Não nos é dado ir além disso: ‘Deus é’. E por consequência somos de Deus, somos filhas e filhos de Deus e estamos no radar de Deus. Ela teologicamente tinha essa clareza simples. Pastoralmente ela colocou isso: Falou do amor de Deus e da espiritualidade evangélica que deve permear a nossa relação. Ela teve a clareza de que pastoras/es não precisam estar a frente de tudo, sempre puxando a frente de tudo. Pastoras/es precisam saber falar do amor de Deus, precisam dizer que se a gente está no radar de Deus, está ao alcance de Deus, é visto por Deus e que isso se transforma na nossa prática. A Edna falava disso. E ela também tinha outra coisa que é muito importante. Ela tinha o poder da empatia. Por isso ela teve condições de ser feliz porque, na verdade, a gente só é feliz quando a gente é empaticamente feliz. Não dá para ser feliz sozinha/o. E, por ter esse poder da empatia, ela também teve tempo para tudo e para todos. Ela teve tempo para a família, ela teve tempo para a comunidade onde trabalhava, ela teve tempo para seu pai e sua mãe, ela teve tempo para todos, e por isso, teve tempo para a vida. Ela foi na medida certa. E, por isso, embora não tenhamos falado muito a respeito, ela deixou muita saudade. Edna soube ser pequena. Ela nem teve outra pretensão. Mas teologicamente isso é decisivo porque, quem fica pequeno, permite que Deus fique grande. Mãos vazias interessam mais. Ela foi feliz. E, enquanto foi, ela gostou do seu trabalho e o fazia com bastante equidistância, dentro daqueles dois limites, do mínimo e do que bastava. Ela nunca deu dribles desnecessários. A sua marca foi a simplicidade e a humildade. Pastoras/es precisam ter essa marca.” (Orlando Martens, Advogado em Sorriso/MT e ex pastor da IECLB.)

“Como vi a pastora Edna no pastorado na Paróquia Alto Jacuí: Pastora Edna pessoa culta, comunicativa, dedicada, comprometida e muito simples no seu jeito de ser. Quando me aposentei no trabalho público, passei a frequentar a OASE. Fui eleita Presidente do grupo e, então, organizava meu roteiro de trabalho para os encontros os quais eram visados pela Pastora que sempre me orientou onde era necessário. Ela criou na Paróquia a Equipe de Liturgia, da qual participei recebendo instrução referente ao trabalho. Foi com a Pastora Edna que tomei conhecimento do funcionamento da Igreja. Com incentivo da Pastora Edna fiz o curso sobre Espaço Litúrgico. Sou luterana de berço, mas acompanhando seus ensinamentos passei a amar mais minha Igreja – IECLB. Sou e serei sempre grata a querida e saudosa Pastora Edna pelo que aprendi e o tempo de convívio.” (Loena Maria Hoffstaedter, Vice-Presidente da OASE Sinodal do Sínodo Planalto Rio-Grandense.)

Mondaí, SC, 06 de dezembro de 2022.
Pastor Oto Hermann Ramminger

Nota

1 A sigla UMA é derivada de uma grande coleta feita a nível nacional pela American Lutheran Church, ou seja, um United Mission Appeal.

Fonte: Coisas do Gênero | São Leopoldo | v. 8, n. 2 | p. 220-235 | Jul./Dez. 2022


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