Celebração


ID: 2651

Mateus 16.21-27

Prédica

23/02/1969

Mateus 16.21-27 - INVOCAVIT

Desde então, Jesus Cristo começou a mostrar aos seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, bem como ser morto e ressuscitado no terceiro dia. E Pedro, chamando-o a parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Que Deus não o permita, Senhor! Isso não pode em absoluto acontecer contigo. Ele, porém, voltou-se e disse a Pedro: Fora! Some da minha frente, Satanás! Tu me fazes tropeçar, pois não tens em mente as coisas de Deus, mas as dos homens. Então, Jesus disse aos seus discípulos: Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, erga sua cruz e ande nas minhas pegadas. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, achá-la-á. Pois o que é que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e prejudicar a sua alma? Ou, o que pode um homem pagar em resgate de uma vida perdida? Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai com os seus anjos, e então retribuirá a cada um segundo as suas obras. 

Prezada comunidade! 

Passou o carnaval, as férias se aproximam lentamente do seu final, e também o ano eclesiástico não para. Assim, temos hoje o primeiro dos seis domingos que antecedem a Páscoa, dentro do período da Paixão. Esta palavra - Paixão - não significa apenas sentimento excessivo ou amor ardente e impetuoso, mas também sofrimento prolongado. É este, pelo menos, seu significado, quando falamos da época da Paixão que precede a Páscoa. Trata-se da Paixão de Jesus Cristo. 

E a Paixão de Jesus Cristo será, a partir de hoje, o tema dominante em tudo o que for dito dentro da Igreja, até celebrarmos, na Sexta-Feira Santa, o desfecho final na cruz. Ê interessante observar, neste ponto, que os relatos relativos à Paixão representam, junto com os que falam da Ressurreição, o ponto culminante de todos os Evangelhos. Todos sabem que os Evangelhos são narrações da vida de Jesus (do nascimento até a ascensão), do ponto de vista da comunidade cristã. Um teólogo alemão disse, certa vez, que os Evangelhos são uma história da Paixão com longa introdução. Isto é, eles narram toda a vida de Jesus como sendo uma introdução, um prólogo à sua Paixão. E este período da Paixão é indicado, pelo menos nos três primeiros Evangelhos, com aquela predição que lemos há pouco no texto: Desde então, Jesus Cristo começou a mostrar aos seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, bem como ser morto e ressuscitado ao terceiro dia. Com esta predição está iniciada a época da Paixão. Pouco mais tarde ocorre a entrada de Jesus em Jerusalém, e no decurso dos acontecimentos, dizem os Evangelhos, Jesus predisse mais duas vezes desta mesma forma o seu sofrimento, sua morte e ressurreição. 

II

Vejamos mais de perto este anúncio no qual Jesus prediz seu sofrimento e sua morte bem como sua ressurreição. A morte, aqui, não é uma coisinha um pouco amarga mas passageira, que perde sua importância em face da ressurreição. Não, ela é uma morte em todo o horrível significado da palavra, é uma morte sofrida em tudo que ela tem de pavoroso, em toda sua extensão. 

Jesus tem que morrer, diz o nosso trecho. Tem que morrer - não da mesma forma como qualquer um de nós mais cedo ou mais tarde morre. Jesus tem que morrer para ser o Messias, para nos salvar, porque esta sua morte faz parte da sua obra da salvação. 

Jesus começou a mostrar que lhe era necessário sofrer e morrer. Lhe era necessário. Por que era necessário que Jesus morresse, ou melhor, que Jesus fosse morto, executado, assassinado por nós, homens? Porque ele foi um corpo estranho entre nós. Não se adaptou ao nosso meio e as nossas regras de conduta. E, como um corpo estranho, teve que ser eliminado - rejeitado, como o corpo de uma pessoa rejeita em princípio qualquer órgão estranho enxertado. 

Jesus não serviu aqui. E sabem por quê? Ora, verifiquemos uma vez o nosso comportamento em meio aos nossos semelhantes. Quais são as normas que norteiam nosso modo de agir? Acima de tudo, mas de tudo mesmo, para preservar-nos a nós e aos nossos familiares. Para tanto, somos capazes de qualquer coisa, até de roubar, matar, negar a Deus. Assim, a relação entre todos os seres humanos é regida, em última instancia, pelo egoísmo. E ânsia de galgar, subir, obedecer a si próprio pisoteando os outros, domina tudo: a vida política, a vida económica, a vida social em todas as esferas (nas escolas, nos clubes) e até a vida da igreja. Imaginem: Neste mundo surge de repente um que despreza essas regras de conduta, que manda às favas o instinto de autopreservação, um que não pensa em si, que não galga e não pisoteia, que vive de modo incondicional de acordo com a vontade de Deus. Este um se atreve a dizer na cara dos poderosos do seu tempo que a vontade de Deus não se realiza no cumprimento de leis, mas no amor ao próximo. 

Qual pode ser o fim desta pessoa, senão a morte violenta, a eliminação da sociedade? Jesus é um tumor entre nós, ele não se adapta, e por isso tem que ser eliminado. E o seu assassínio foi o ponto culminante, foi a expressão mais suja, mais violenta, mais horrenda do pecado humano. Por duas razões: Primeiro, porque Jesus era inocente, e todos sabiam disso; ele era incômodo justamente por ser inocente, o único inocente; e, segundo, porque como se no bastasse, o seu assassínio foi cometido em nome de Deus. Nesses dois aspectos revela-se o pecado humano - de todos nós - em toda sua dimensão.
Mas o fantástico é que a este cúmulo do pecado humano se antepõe o cúmulo da graça e da bondade de Deus. A graça de Deus é incompreensível. Justamente neste crime mais violento e mais hodiendo da história, e através do mesmo, é realizada a nossa salvação. Jesus tem que sofrer na própria carne, das nossas mãos, o impacto último do nosso pecado, para sofrer então e vencer o pagamento, o salario, o soldo deste pecado: a morte. É assim que Jesus se torna o Messias, o Salvador. E é por isso que lhe era necessário morrer. 

III

E, na hora, nem mesmo Pedro, o mais destacado entre os seguidores de Jesus, o entendeu: Que Deus não o permita, Senhor! Isso não pode em absoluto acontecer contigo. O primeiro entre os discípulos foi o porta-voz do maligno, de Satanás, o tentador, o homem que ergueu a voz em favor da autopreservação, contra a realização da salvação. E este é um aspecto importante, valido tanto hoje como naquela ocasião: O diabo prefere sempre usar os piedosos, usar a Igreja. 

O testemunho da Igreja que ocorrer sem a cruz, sem sofrimento, com a complacência benevolente das instâncias estabelecidas, é um testemunho fácil demais. A Igreja que não incomoda esta falhando, em algum ponto, em seu testemunho. Quanto maior a facilidade do testemunho, tanto menos o mundo ouve. E então esta igreja se transforma em protetora de valores sagrados, morais, e até sociais e políticos; a fé se torna uma lei, o crucifixo um ornamento, e em lugar do testemunho entra a administração de privilégios. E tudo isso é feito na melhor das intenções. Como Pedro, queremos tomar Jesus e conservá-lo, bem protegido, para que nada de grave aconteça. O que vale é o bom-senso da autopreservação. Os que nos querem poupar são raramente nossos verdadeiros amigos. E quem quiser poupar-se a si mesmo dificilmente será um verdadeiro cristão. Mas é este, provavelmente, o maior perigo que ameaça a nossa Igreja, e cada um de seus membros no momento brasileiro atual: a tendência acentuada de conservar e proteger Jesus, de abafar uma voz que se ergue mais exaltada, de negar quem aponta e combate erros - para que não aconteça algo de grave. E a Igreja esquece que sua cabeça, Jesus Cristo, enfrentou cara a cara este algo de grave e se deixou consumir.

Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, achá-la-á. É só com essa atitude, e não com a de Pedro, que se pode seguir Jesus Cristo. Quem quiser seguir ao Messias, no seu caminho da Paixão, tem que pôr sua natureza de pernas para o ar; esta natureza que obedece tanto ao instinto de autopreservação daquele que diz cada um é seu próprio próximo, como ã responsabilidade de autopreservação daquele que diz se eu deixar de existir, não poderei servir a mais ninguém. 

O fato é que nossa autopreservação, nossa ânsia de salvar a vida sempre termina no absurdo. Nós acabamos perdendo exatamente aquilo que queremos conservar. O que vale é precisamente não se salvar a si mesmo! Quem viver por este critério não perderá a vida, mas a receberá; através e além da morte. Quem lutar pela preservação de sua vida ganhara, no máximo, um pouco de tempo, um pingo de tempo até a morte. Mas não ganhara a vida; a vida que importa. Pois cada minuto que deixarmos de empregar na dedicação ao outro é um minuto perdido, que não pode ser recuperado. Quem acha que precisa primeiro tornar-se perfeito, para depois, num futuro mais vago, dedicar-se, é na verdade um ladrão de vida; não consegue gozar nem aproveitar a vida. Quem dá, quem se dá a si mesmo e se gasta, esse e que encontra a vida cheia de dádivas inesperadas. 

É isso o que a Igreja e cada um de seus membros deveriam aprender nesta época da Paixão. Não se trata de uma filosofia barata, mas de uma profunda sabedoria cristã. Mas para tirá-la do campo meramente intelectual e fazer com que se concretize na pratica, precisamos da força do Espirito, capaz de operar em nós a verdadeira compreensão da Paixão de Jesus Cristo, desta entrega, deste desgaste total, e capaz de nos fazer entrar no discipulado e seguir Jesus nesta trilha, entregando-nos por completo, abandonando as seguranças que nós construímos, fazendo da nossa vida um constante testemunho da Paixão.
A vida da Igreja e dos cristãos só tem valor, se se deixa gasta. Como a semente, que só se multiplica quando se gasta, quando se acaba na terra. Pois, como disse alguém, não há vida mais malograda do que a de Jesus. E, por isso, é a vida mais fecunda da história da humanidade! Amém. 

Oremos: Nosso Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que teve de morrer por nós, ajuda-nos - a tua Igreja e cada um de nós - a seguir teu Filho, a nos gastar como ele se gastou, a desistir de nossa autopreservação como ele desistiu da sua, a viver em constante paixão. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS


 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 1º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 27
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20303

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