Celebração


ID: 2651

Marcos 10.2-12

Auxílio Homilético

07/10/2018

 

Prédica: Marcos 10.2-12
Leituras: Gênesis 2.18-24 e Hebreus q.1-4; 2.5-12
Autoria: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: 20º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/10/2018
Proclamar Libertação - Volume: XLII

O reconhecimento: amor, direitos e solidariedade

1. Introdução

Não se espante se inicio a reflexão sobre o texto para o 20º Domingo após Pentecostes com um título tão secularizado. Reconhecimento: amor, direitos e solidariedade. O casamento, comunhão radical entre homem e mulher, está em debate entre Jesus e os fariseus. O casamento é algo profundamente humano, social, religioso e secular. O texto, no debate, explicita lutas e conflitos humanos. São lutas por reconhecimento. Essas iniciam pela experiência do desrespeito nas dimensões de não reconhecimento: falta amor, faltam direitos e falta solidariedade (Honnetth, 2003, p. 159).

Gênesis 2.18-24 parte de uma decisão de Deus de não deixar o homem só. Há multidões de corpos que podemos contemplar na imensidão da criação divina: céu, estrelas, lua, sol, terra, animais, florestas, águas. Tudo muito lindo e organizado, vivendo em perfeita harmonia e comunhão. No entanto, o homem estava na solidão. Faltava-lhe uma pessoa que lhe fosse companheira e solidária. Deus tomou as providências e criou a mulher, colocando-a ao lado do homem. Ela é ossos dos meus ossos e carne de minha carne, disse o homem. O texto é uma liturgia de casamento, de aprovação de Deus e de bênção matrimonial. É a gênese da comunhão de corpos e da vida entre seres humanos. Algo maravilhoso.

O casamento, mais especificamente o rompimento do matrimônio é o ponto de discussão de Jesus e dos fariseus que o encontram no território da Judeia. Os fariseus perguntam: É lícito ao marido repudiar a sua mulher? Jesus responde perguntando: O que foi que Moisés disse? Eles dizem: Moisés permitiu dar carta de divórcio e repudiar. E Jesus concluiu dizendo que Moisés permitiu, porque são gente dura de coração, mas, na origem, no princípio da criação, não foi assim. Cita, então, o texto de Gênesis 2.18-24.

Hebreus 1.1-4;2.5-12 afirma que Deus falou pelo seu Filho, nos últimos tempos. O que aí se fala não é uma mera opinião, mas é fala definitiva de Deus criador e libertador. Inclui o ser humano nas maravilhas da criação de Deus, como também testemunha o Salmo 8. A honra e glória são de Jesus, por causa do seu sofrimento vicário.

Os textos e o assunto por eles tratados são coisa humana, da terra. Em Jesus, Deus vem dos altos céus e entra em comunhão libertadora com os seres humanos, que se atrapalham até mesmo com assuntos bem terrenos que Deus criou e lhes deu para sua felicidade. A comunhão humana e o reconhecimento na dimensão do amor, do direito e da solidariedade são pilares da vida digna.

2. Exegese

v. 2: E, aproximando-se dele os fariseus, perguntaram-lhe, tentando-o: É lícito ao marido repudiar sua mulher?

Jesus está na Judeia, além do Jordão. A população o seguia. Havia ali uma multidão. E Jesus ensinava, como era o seu costume. O encontro era público.  Participava quem quisesse. As perguntas das multidões eram as mais variadas. Pelo contexto, os temas giravam ao redor de doenças (possessos), morte de Jesus e ressurreição, crianças, amor e solidariedade, sobre altos e baixos da vida humana, sobre tropeços e missão dos discípulos.

Este versículo 2 apresenta uma temática nova no contexto. É parte introdutória do debate público sobre “o homem repudiar a mulher”. São alguns fariseus que se aproximam de Jesus para fazer o questionamento. Os fariseus eram um grupo de gente dedicada. Eles observavam a lei de Moisés nos mínimos detalhes, bem como a tradição dos rabinos, a tradição judaica. Cobravam que o povo fizesse o mesmo. Eles tinham críticas em relação às práticas da vida de fé de Jesus e seus discípulos. Jesus entrou vários vezes em debates com eles. 

Um dos assuntos diz respeito à importância da lei e dos profetas, a prática da justiça e a inversão que os fariseus faziam. Eles separavam as pessoas entre boas e más, puras e impuras. A lei era a medida de todas as coisas, nos juízos deles. É como se alguém tivesse uma vara para medir e saísse por aí medindo todas as pessoas, conforme sua própria medida. Diziam que quem fazia coisas boas ganhava recompensas de Deus. Portanto faziam negócios de boas obras com Deus. Assim, Deus teria obrigação de aceitá-los. Para Jesus, a lei deve servir as pessoas, e não o contrário (Mc 2.27; 3.4). E a salvação não é obra de conquistas. Mas ela é dada de graça pelo Pai que vê e ouve em secreto (Mt 6.18). Jesus cumpre toda lei e os profetas (Mt 5.17). A salvação é dada por Deus. 

Importante ter esse pano de fundo da relação entre Jesus e os fariseus para percebermos o que está por trás das palavras da pergunta dos fariseus e do diálogo de Jesus com eles. Jesus está sendo interrogado por homens com mentalidade patriarcal. Tanto no senso comum como nos pensamentos religiosos e científi cos da época, o patriarcalismo foi dominante e teve a última palavra.

O pensamento patriarcal cunhou a história humana no mundo religioso dominante, mas também na filosofia e na ciência. Os gregos, no nascimento da filosofia ocidental, colocavam as mulheres como dependentes, incapazes. Ao tratar da questão da cidadania, por exemplo, segundo Chaui, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da polis. Como consequência, a democracia garantia a todos a participação no governo, e os que dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público suas opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Devemos observar que estavam excluídos da cidadania o que os gregos chamavam  de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também estavam excluídos os estrangeiros (Chaui, 2000, p. 42).

São os fariseus que criam a lei oral junto com a lei escrita, em Israel. Portanto, quando os fariseus se firmaram como grupo forte e dominante no judaísmo, em torno do século II a.C., a filosofia já havia consolidado o reconhecimento dos homens como cidadãos plenos e o não reconhecimento das mulheres como cidadãs. Nessa época, a cultura grega se expandiu pelo mundo, também na terra de Israel. O patriarcalismo judaico foi consolidado também com essa visão filosófica grega.

Jesus está diante de homens que agem conforme os costumes globais dominantes, e o ordenamento jurídico judaico em que repudiar a mulher é legal, filosófica, social e religiosamente lícito. O direito dos homens sobre as mulheres, no casamento, é legítimo na visão deles. Na discussão, Jesus problematiza. Isso nós encontramos no diálogo relatado nos versículos seguintes.

v. 3: Mas ele, respondendo, disse-lhes: Que vos mandou Moisés?

Jesus não responde diretamente, mas faz com que os fariseus participem do diálogo e pensem sobre assuntos que, quem sabe, nem tinham se dado conta. A pergunta de Jesus conscientiza, abre os olhos e a cabeça. E ajuda os fariseus a entender a sua própria história, suas próprias origens e suas manias e distorções. Jesus conhece bem o assunto. O que aqui transparece é o interesse patriarcal, representado pelos fariseus, de os homens decidirem sobre a vida das mulheres.

Nesse ponto do patriarcalismo, não havia diferença entre religiões, ciência e cultura dominante. Mas Jesus não se deixa influenciar pelo conhecimento de sua época. E vai ao debate, libertando e criando consciência. Ao perguntar sobre o que Moisés manda fazer, Jesus problematiza as posições da época. Convoca--os para olhar para a origem, a história da lei, dos profetas, da posição religiosa e cultural da época.

v. 4: E eles disseram: Moisés permitiu escrever carta de divórcio e repudiar.

Jesus pede que os fariseus se posicionem, pois nesse assunto não há neutralidade, não se pode ficar em cima do muro. Ele não o faz sem critérios, pois pede que os fariseus se posicionem a partir da lei de Moisés, sendo essa a lei do mundo cotidiano deles. Os fariseus fundamentam sua resposta em Deuteronômio 24.1-4, dizendo que Moisés permitiu dar carta de divórcio e repudiar a mulher. Para eles, isso é suficiente. O legislador de Israel legitima as ações de divórcio de maridos contra suas esposas, repudiando-as.

v. 5: Mas Jesus, respondendo, disse-lhes: Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito esse mandamento.

Jesus conhece a base legal mosaica (Dt 24.1-4). Mas faz uma nova leitura dela. Ele considera o que está por trás das palavras dessa lei. Poder-se-ia dizer que nem tudo o que é legal é justo. Argumenta que a lei de Moisés está aí por causa da dureza do coração do homem, que procura na mulher algo indecente para poder repudiá-la, depois do uso (Dt 24.1). Aqui está em voga a visão dos homens, dos machos.

No contexto social e antropológico do texto, algo indecente pode significar desde o fato de a mulher sair com cabelos soltos pela rua até o adultério. No campo da tradição e fé judaica, o rabino Hillel diz que “pode ser tudo o que o homem quiser, se estiver em seu interesse divorciar-se da mulher”. Na área da história, Flávio Josefo, em Antiguidades Judaicas IV, 8, interpreta a passagem de Deuteronômio 24.1-4. Ele diz que a “prática legal do divórcio acontece por qualquer motivo e sempre existem motivos, em qualquer relação conjugal”. Qualquer homem e em qualquer situação, se for de seu interesse, pode repudiar a mulher. Essa arbitrariedade dos homens é questionada por Jesus, classificando essa prática como esclerose do coração (Reimer, 2002, p. 328). Antropologicamente, o coração é o centro das decisões que implicam práticas cotidianas. Se o coração está esclerosado, endurecido, estagnado, então as práticas cotidianas, e dentro delas a construção de relações conjugais justas, estarão distantes do seu objetivo. E é exatamente isso que Jesus quer recordar e trazer à tona, argumentando com os relatos da criação.

Deuteronômio 24.1-4 considera somente a situação do homem. São homens que perguntam pelos direitos do homem sobre a mulher. Ausente, ela é objeto do julgar e agir dos homens. Ela não fica livre da concepção de pecado, mesmo divorciada, por causa de sua sexualidade. Ela é considerada contaminada por causa da relação sexual com o segundo marido, em caso de divórcio e segundo casamento (Dt 24.4). Não mais poderá casar com o primeiro marido. Os fariseus, no diálogo com Jesus, não querem a justiça. Mas eles querem fazer valer o interesse patriarcal do homem sobre a mulher.

E Jesus toma partido. Já que a lei de Moisés foi feita por um grave problema dos homens (coração endurecido), ele busca em Gênesis a origem da aliança do casamento. Jesus não faz um debate legalista sobre Moisés e a tradição, o costume judaico da lei. Jesus problematiza essa forma de lidar com a lei que justifica a prática social do divórcio em prejuízo da mulher. Com o divórcio patriarcal, a mulher continua à mercê de outros homens ou é jogada ao vento e fica na rua, na prostituição (Reimer, 2003, p. 329). Jesus reconhece o direito das mulheres e quer protegê-las da arbitrariedade dos homens, partindo da origem da criação divina.

v. 6: Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher.

A palavra é como a janela aberta entre céu e terra. Entre Deus e sua criação. A tradição e a lei parecem tentar fechar essa janela. Jesus não reconhece a tradição judaica e sua lei sobre o casamento patriarcal como criação de Deus. Pelo contrário, ele faz com que todos voltem seus pensamentos e sentimentos para o princípio, para o gênesis. A tradição, o costume e a lei, muitas vezes, são como o mofo ou a teia de aranha que vai crescendo ao redor da janela. A teia de aranha ofusca a visão. Jesus é o faxineiro que limpa a janela. Ele pega esponja, sabão, água e esfrega, limpando a janela. No princípio, Deus os fez homem e mulher, afi rma (v. 6b).

O que significa isso? Deus não criou uma sociedade patriarcal, nem a dominação de uns sobre os outros. Criou seres humanos iguais em dignidade e direitos. Ele criou homem e mulher para viverem felizes, na reciprocidade do amor (Gn 1.27 e Gn 2.24). Assim é nos relatos da criação, que Jesus vai nutrir a sua interpretação e a sua prática diante de conflitos socioconjugais (Reimer, 2002, p. 330). Ao fazê-lo, ele problematiza todas as relações que dividem as pessoas e justificam a dominação e o desprezo de pessoas sobre outras. Ele problematiza de tal forma que os próprios fariseus precisam rever sua posição, quando diz que o problema não está com as mulheres, mas com os homens que têm o coração duro e constroem um arcabouço legal/jurídico para justifi car a dominação e colocar os seus próprios interesses sobre outras pessoas. Deus criou todas as pessoas para a felicidade e não para serem dominadas e desprezadas. 

v. 7: Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, [e unir-se-á a sua mulher],

No entendimento aqui, o casamento tem por finalidade possibilitar que homem e mulher se tornem uma só carne. Isso se dá em todos os sentidos humanos: antropológicos, culturais, filosóficos, psicológicos, sociológicos, econômicos etc. Nas relações sexuais se realiza uma comunhão íntima, profunda, prazerosa e feliz. Nela, tanto o homem como a mulher tomam a iniciativa e têm igual satisfação, no reconhecimento de amor, direitos e solidariedade.

v. 8: e, com sua mulher, serão os dois uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só carne.

O que significa isso? Significa vida digna para ambos, com respeito e cuidados em comum, mútuo e em conjunto. Ser uma só carne é compartilhar de todas as dimensões da vida, ter projetos comuns e concretizações realizadas em conjunto. É construir uma história comum em conjunto desde o sonho, o planejamento, o processo todo de sua realização. Dela fazem parte a festa e o choro, a decepção e o prazer na caminhada. Assim, a proposta de Deus é que homem e mulher realizem-se numa vida humana comum, querida por ambos (Reimer).

Jesus pensa o casamento como reciprocidade de amor entre homem e mulher. Ambos necessitam do outro para serem seres humanos completos e viver a vida graciosa, o presente de Deus. Assim, o amor é o único poder que pode nos mostrar a cada dia um pouco do mundo que Deus quer. Com o argumento no princípio era assim, Jesus anuncia a originalidade da existência desejada por Deus. Jesus está diante do julgamento do casamento pela lei. Sobre isso os fariseus o interpelam. A lei mosaica, neste caso em questão, não foi escrita por causa do amor de Deus, mas por motivo da dureza do coração humano. Jesus, então, busca sentido da reciprocidade no amor que Deus quer para homem e mulher. Essa é a profunda diferença.

v. 9: Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.

Jesus pondera, nas considerações finais, partindo do caráter originário da comunhão matrimonial. Jesus não concorda com o casamento e o divórcio patriarcais. Ele tem a visão paradisíaca do matrimônio. Por isso é fundamental que seja entendido como união originária, recíproca e íntegra do amor entre homem e mulher. Portanto o ser humano não deve separar o que Deus uniu. “Jesus usa o termo choridsein, que tem mais o sentido de colocar algo entre duas pessoas unidas pelo amor para atrapalhar seu projeto de vida conjunto. Ele contesta a maneira como a prática patriarcal introduz uma cisão na unidade e na igualdade originalmente articuladas na aliança matrimonial” (Myers, p. 321). “Jesus reafirma, assim, a utopia e a concretização da reciprocidade do amor, objetivo da criação de Deus” (Reimer, 2002, p. 330).

v. 10: E em casa, voltaram os discípulos a interrogá-lo sobre este assunto.

v. 11: E ele lhes disse: quem repudiar a sua mulher e casar com outra comete adultério contra aquela.

v. 12: E, se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério.

Antes Jesus estava no debate público. O assunto foi definido por uma pergunta dos fariseus: É lícito ao marido repudiar sua mulher? (v. 2). No debate público com os fariseus Jesus atua por perguntas e explicações. Considera a lei da tradição judaica (Dt 24.1-4). Explicita a motivação de Moisés ao permitir o divórcio: por causa da dureza do coração. Mas não concorda com ela e propõe o debate a partir da criação e libertação.

Agora, conforme os v. 10-12, Jesus se encontra com um grupo reduzido, o de seus discípulos. E esses voltam à pergunta sobre o mesmo assunto. A discussão não ocorre mais com o público, mas em particular. Agora o foco da discussão não é o casamento patriarcal, mas a realidade do divórcio existente. Não há como negá-lo.

Essa é a realidade do divórcio legal para homens e mulheres, e a iniciativa pode partir de ambos. O conflito, agora, é o novo casamento. Pergunta que precisa de encaminhamento por nós: como reconstruir a vida após o divórcio? Isso parece ter sido um grande problema nas primeiras comunidades (veja lCo 7.10- 11). Do ponto de partida teológico (6º mandamento), quem se divorcia e casa novamente vive em pecado. Aqui, o novo casamento é o problema. Cabe também afirmar que as primeiras comunidades cristãs viviam na iminência do reino de Deus. Então, nessa situação, em caso de divórcio, Jesus parece indicar que homem e mulher permaneçam sem casar novamente, e se casarem, devem saber que estão cometendo adultério em relação à primeira união (Reimer, 2002, p. 331).

Sempre lembramos que, na igreja, o assunto é tratado de forma poimênica, em diálogo, onde as partes participam ativamente.

3. Meditação

1. O casamento é um contrato entre o casal. Ao assinarem o contrato, no cartório, o casal concorda e assume compromissos de direitos e deveres individuais e recíprocos. A confessionalidade evangélico-luterana reconhece o casamento civil como completo. Também nesse momento Deus age. A igreja, por sua vez, abençoa esse casamento realizado pela lei civil. O casal, ao solicitar a bênção de seu casamento, reconhece que casar é fácil, mas viver em comunhão é difícil. Por isso pede socorro, consolo, amor a Deus e sua bênção para poder construírem juntos vida digna para ambos, com respeito e cuidados em comum, mútuo e em conjunto. Ser uma só carne é compartilhar de todas as dimensões da vida, ter projetos comuns e concretizações realizadas em conjunto. É construir uma história comum em conjunto desde pulsões sexuais, sonhos, planejamentos, o processo de sua caminhada e realização. Dela fazem parte a festa e o choro, a decepção e o prazer na caminhada. Viver casados deve ser querido e amado por ambos.

2. Ninguém casa para se separar. A separação sempre é uma tragédia. Há muita gente, igrejas, pessoas e instituições oferecendo ajuda e apoio para casais, em conflito ou não, para melhorarem seu relacionamento conjugal. Apesar disso, o divórcio é realidade social e também eclesial. O divórcio e o novo casamento são realidades da sociedade e da igreja. Não precisa de exemplo, pois há casos aos montes. Ele existe por diversos motivos, como, por exemplo, incompatibilidade de interesses entre o homem e a mulher, pelo fim do entusiasmo inicial, pela ausência do diálogo, pelo desgaste no relacionamento, por indiferença, pela rotina e outros. Mas, às vezes, separar é uma tragédia, permanecer juntos igualmente o pode ser. E aí, fazer o quê? A comunidade e a igreja tratam o assunto poimenicamente, em diálogos e decisões, em que as partes participam ativamente.

3. O culto deve centrar-se no sentido que Jesus explica, isto é, a vida conjugal se fundamenta, tem sua origem no ato criador de Deus. Com isso se afirma que a vida conjugal é vida conjunta e vivida na reciprocidade do amor entre homem e mulher. Esse é o projeto de Deus desde o princípio, buscando construir relações sólidas, justas e prazerosas que não necessitem da aplicação da lei do divórcio. Além disso, deve-se lembrar da prática de Jesus que colocava o perdão como postura privilegiada, relativizando o cumprimento da lei patriarcal. Afinal, quem não tiver pecado que atire a primeira pedra (Jo 8.1-11). O amor, no casamento, se alimenta na fonte: Deus é amor (1Jo 4.8). Nessa fonte, ele é alimentado cotidianamente.

4. Conflito e diálogo, como proceder? Não há receita. Os casos são individuais e diversificados. Assim são as pessoas. Na minha prática pastoral, a visão bíblica teológica é fundamental. Nunca pode ser substituída. Estou ainda me valendo de descobertas de ciências como sociologia, filosofia e psicologia. As descobertas de Jürgen Habermas, “Teoria da linguagem e ação comunicativa”, são importantes para se aprofundar na prática de um bom diálogo. No mais, algumas questões sempre são importantes observar antes de entrar no diálogo com casais. A oração, por exemplo, restabelece a alegria de viver e reconcilia com Deus. Isso é fundamental para quem entrar num diálogo profundo com um casal. O casamento é relacional e dialógico. Pessoas que casam têm intensão de relacionamento profundo, vivo, diário e cotidiano diálogo. A cumplicidade, existencial para o matrimônio, perpetua-se pela comunicação, por gestos, palavras, olhares, carícias. O diálogo pressupõe disposição de ambas as partes. Mas elas precisam estar dispostas a dialogar e discutir o assunto livremente. E quem coordena a mediação deve ser uma pessoa em quem todas as partes podem confiar. Precisa estar claro em que situação cada parte pode ceder, em que pode colaborar para que a relação possa ser “como no princípio”. Nisso é fundamental que seja entendido como união originária, recíproca e íntegra do amor entre homem e mulher, no sentido de não colocar nada entre duas pessoas unidas pelo amor que possa atrapalhar seu projeto de vida conjunto.

4. Imagens para a prédica

4.1 Janela aberta

A palavra de Deus é a janela que Deus deixa aberta para que possamos ver, refletir e conviver no casamento, conforme o seu desejo originário de convivência humana. Mas, às vezes, nos atrapalhamos e queremos fechar essa janela. Quando colocamos os valores da lei, da cultura, da sociedade, da tradição ou do modismo no lugar do amor, estamos querendo fechar a janela que Deus deixa aberta para nós. Às vezes, valores sociais, fi losófi cos, religiosos, históricos, econômicos e outros são empurrados para o lado da janela, forçando o fechamento da mesma. Foi essa a realidade que Jesus encontrou na pergunta dos fariseus sobre a lei mosaica. A dureza do coração precisava da lei que permitisse repudiar. Mas no Gênesis, no início, Deus criou as pessoas para o amor e a felicidade. Essa é a janela que está aberta.

4.2 A pulga e o homem ou mulher

Certa vez, uma pulga estava incomodando um homem sem parar. Então, ele a apanhou, gritando-lhe: “Quem és tu, que passas em todos os meus membros, picando-me a torto e a direito?”. E ela respondeu: “É assim que nós vivemos. Não nos mates, porquanto eu sou pequena e não te posso fazer grande mal”. O homem pôs-se, então, a rir e replicou-lhe: “Tu vais morrer imediatamente e por minhas próprias mãos, porque qualquer que seja o mal, pequeno ou grande, é absolutamente necessário que não se desenvolva”. (As Fábulas de Esopo) 

Essa fábula mostra que não se deve ter compaixão do mal, quer seja grande, quer seja pequeno. Pequeno mal surge na vida do casal. É inevitável, pois, somos humanos. O que fazemos com o pequeno mal? Deixamos que ele cresça e fique grande? Uma boa medida para tratar do mal é o diálogo, a conversa sobre a vida conjugal. A maioria dos casais se desentende por pequenos problemas que, depois de muitos anos presentes, sem que tivessem conversado sobre eles, tornam-se insuportáveis na vida. Casal cuidadoso da relação mata o silêncio e atiça o diálogo.

Qual é a pequena pulga que perturba seu casamento, seu namoro? Não permita que se desenvolva, senão a relação entre vocês poderá ficar comprometida.

5 Subsídios litúrgicos

5.1 Marco constante

Não tenha eu restrições ao casamento / De almas sinceras, pois não é amor/
O amor que muda ao sabor do momento, / Ou se move e remove em desamor./
Oh, não, o amor é marca mais constante / Que enfrenta a tempestade e não balança,/
É a estrela-guia dos barcos errantes, / Cujo valor lá no alto não se alcança./
O amor não é o bufão do Tempo, embora / Sua foice vá ceifando a face a fundo./
O amor não muda com o passar das horas, / Mas se sustenta até o fi nal do mundo./
Se é engano meu, e assim provado for, / Nunca escrevi, ninguém jamais amou./
William Shakespeare – Tradução de Geraldo Carneiro

5.2 Marco eterno

De almas sinceras a união sincera / Nada há que impeça: amor não é amor/
Se quando encontra obstáculos se altera / Ou se vacila ao mínimo temor./
Amor é um marco eterno, dominante, / Que encara a tempestade com bravura;/
É astro que norteia a vela errante / Cujo valor se ignora, lá na altura./
Amor não teme o tempo, muito embora / Seu alfanje não poupe a mocidade;/
Amor não se transforma de hora em hora, / Antes se afirma, para a eternidade./
Se isto é falso, e que é falso alguém provou, / Eu não sou poeta, e ninguém nunca
amou./
William Shakespeare – Tradução de Bárbara Heliodora
 

Bibliografia

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2012.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimenro: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003.
REIMER, Ivone Richter. 20º Domingo após Pentecostes: divórcio-Marcos 10.2-12. In: HOEFELMANN, Verner & SILVA, João A. M. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2002. v. 28, p. 326-332.


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Autor(a): Teobaldo Witter
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 20º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 2 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2017 / Volume: 42
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50205

AÇÃO CONJUNTA
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A ingratidão é um vento rude que seca os poços da bondade.
Martim Lutero
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É isto que significa reconhecer Deus de forma apropriada: apreendê-lo não pelo seu poder ou por sua sabedoria, mas pela bondade e pelo amor. Então, a fé e a confiança podem subsistir e, então, a pessoa é verdadeiramente renascida em Deus.
Martim Lutero
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