Celebração


ID: 2651

Lucas 23.33-48

Prédica

27/03/1970

E, quando chegaram ao lugar chamado Calvário, lá mesmo crucificaram Jesus e os dois malfeitores, um a direita e um a esquerda. MasJesus disse: Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem! Então passaram a lançar a sorte para repartir suas roupas entre Si. E o povo estava lá, para do, olhando. Também as autoridades zombavam e diziam: Salvou os outros; salve-se a si mesmo, se de fato é o Cristo de Deus, o eleito! Também os soldados o escarneciam, e se aproximavam, trazendo-lhe vinagre e dizendo: Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo! E, além disso, havia acima dele uma epígrafe: Este é o Rei dos Judeus. Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele: Então, tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. O outro, no entanto, respondeu, repreendendo-o e dizendo: Não temes nem um pouco a Deus? Tu, que estás sob a mesma sentença! Quanto a nós, de fato é justo (que soframos esta sentença), porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas ele não fez mal algum. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando fores para o teu reino. E Jesus lhe respondeu: Na verdade, te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. Já era quase a hora sexta, e caiu uma escuridão sobre toda a terra até a hora nona, tendo se escurecido o sol. E o véu do santuário rasgou-se ao meio. E Jesus clamou em voz alta: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, dito isto, expirou. Quando o centurião viu o que aconteceu, glorificou a Deus e disse: Este homem foi realmente um justo. E toda a multidão reunida para esse espetáculo, vendo o que tinha acontecido, bateu no peito e se retirou. 


Prezada comunidade! Cá estamos nós, celebrando mais uma destas datas excepcionais do Cristianismo. Há bem pouco tempo comemoramos o Natal. Depois de amanhã será a Páscoa, e, pouco mais adiante, teremos Pentecostes. São estes os pontos altos da vida da Igreja - porque foram os pontos altos da vida de Jesus: nascimento, morte, Ressurreição, e o envio do Espírito Santo.

E, hoje, nos reunimos aqui - em número bem mais elevado do que normalmente - para refletirmos sobre a morte de Jesus Cristo na Cruz, e para, depois, participarmos de maneira bem pessoal desta cerimônia, ao tomarmos a Santa Ceia. 

Prezada comunidade, nós nos encontramos, agora, colocados diante da Cruz de Cristo. E, de uma forma ou de outra nós reagiremos, hoje de manhã, a esta Cruz. Não é a primeira vez que homens se encontram diante da Cruz de Cristo. Da primeira vez que tal aconteceu, as atitudes dos homens não foram, em absoluto, homogêneas. Muito pelo contrario! Houve toda sorte de reações diante do Jesus Cristo Crucificado. Reações, que se repetiram através dos séculos, e que mui provavelmente se encontram todas representadas nesta sala, neste momento. 

A atitude mais bronca, mais obtusa, mais estúpida, mais repelente e cruel é a da multidão. E o povo estava ia, parado, olhando. E, depois de tudo ocorrido, toda a Multidão reunida para esse espetáculo, vendo o que tinha acontecido, bateu no peito e se retirou. Bateu no peito, num gesto muito vago e confuso de remorso, de semi-arrependimento. Essa mesma multidão, que em questão de poucos dias aclamou Jesus, ao entrar em Jerusalém, condenou o mesmo Jesus ã morte com seus berros, presenciou passiva o espetáculo de sua execução, e depois bateu no peito. Receio, prezada comunidade, que esta multidão também esteja representada aqui entre nós. Receio que também aqui entre nos haja esta atitude meio apática, meio inconsciente, de quem esta lá, parado, olhando, de quem veio para assistir ao espetáculo; de quem está ar, sentado, olhando para a Cruz de Cristo, pela simples razão de que a Sexta-Feira Santa é um desses dias em que se costuma ir ao culto para fazer uma espécie de higiene mental e espiritual e por a consciência em dia por mais alguns meses. Prezada comunidade, esta atitude passiva, vacilante, acomodada, de quem não sabe bem ao certo o que esta fazendo, é a pior de todas. 

É pior do que a das autoridades e dos soldados, que zombavam e escarneciam. Estes pelo menos agiam conscientemente. Para eles, Jesus era demente, um desses loucos, que andam por ai com mania de grandeza. E eles eram honestos para consigo mesmos, em seu ponto de vista: Onde é que se viu, alguém que pretende ser Filho de Deus, ser o Messias, o Cristo, mostrar-se tão fraco, não conseguir nem sequer salvar-se a si mesmo? Uma pessoa assim só podia estar fora de si. Era até natural zombar dela. 

E houve ainda outra reação bem interessante, no fim, quando estava tudo concluído. Foi a do centurião: Este homem foi realmente um justo. Também o centurião ainda no entendia bem o que estava acontecendo ali. Mas ele percebia que havia algo de anormal em torno daquele condenado. Aquele homem tinha sido executado sem motivo, sem culpa. Ele era justo. O centurião começava a adivinhar, estava a um passo da fé. 

II

Até aqui, deixamos de analisar dois personagens importantes. Dois personagens situados bem mais próximo do centro do palco; porta-vozes das atitudes mais antagônicas, mais opostas em relação a Jesus: os dois malfeitores.

Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele: Então, tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também! Sejamos sinceros, sejamos honestos: nós chegamos a sentir uma certa simpatia por este homem. Suas palavras expressam aquela mesma mescla de divida, desconfiança, sarcasmo e desespero, que sempre de novo trazemos na ponta da língua: Então, você não é o Cristo, não é Deus, não é Todo-Poderoso, não é o Senhor do Universo? Pois dê um passe de mágica, salte da Cruz, salve-me, cure-me do meu câncer, tire-me da ruína financeira, faça com que eu passe no exame, resolva meu problema de família, meu problema de namoro. Se você é Deus no duro, dê um jeito na minha vida, nos meus problemas!

Sim, este malfeitor nos é simpático. Ainda que sem querer confessá-lo, nas até nos identificamos com ele. Ele é nosso companheiro, nosso irmão em nossa falta de fé! Nas sentimos a mesma coisa porque temos um ponto fundamental em comum: não reconhecemos a nossa culpa. Não — reconhecemos que a situação, em que nos encontramos, nesses momentos de desespero, é fruto do nosso pecado - e — não da falta de apoio por parte de Deus. Isso é o que não reconhecemos. E, assim, quando berramos, quando clamamos, como aquele simpático malfeitor: Então, tu não és o Cristo? Pois dá um jeito na minha situação! Quando assim clamamos, lá das profundezas do nosso ser, pouco nos interessa, se ele de fato é Deus ou não, se ele é o Cristo ou — não. O que importa sou eu, o que importa é que eu seja salvo, que eu consiga sair do aperto. - Sim, prezada comunidade, assim também se pode reagir diante da Cruz de Cristo.

O outro, no entanto, respondeu, repreendendo-o e dizendo: Não temes nem um pouco a Deus? Tu, que estás sob a mesma sentença! Quanto a nas, de fato é justo (que soframos esta sentença), porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas ele não fez mal algum. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando fores para o teu rei no. Mas ele não fez mal algum! Nas recebemos o castigo que os nossos atos merecem! Esta é mais outra atitude possível diante de Jesus pendurado na Cruz. É a atitude daquele outro malfeitor, a quem a tradição cristã deu, mais tarde, o nome de Dimas. Dimas vê aquele seu companheiro de sofrimento e sabe que ali alguma coisa não está certa, que — aquele é inocente, que não foi pecado seu o que o levou àquele lugar. E, diante disso, diante de Jesus crucificado, Dimas vê claramente a sua situação: Eu estou aqui por culpa minha, porque mereço. Não há o que reclamar. Não há que par a culpa em outro. Não tem apelação. Eu estou no fim, e está certo. Sou culpado! 

Mas ele não fez mal algum! Por que está aqui, então? Que quer dizer tudo isso? Será que há algo maior por detrás deste sofredor? Seria verdade o que ele falou de si próprio? Seria verdade? Então, talvez ele possa ajudar-me? Jesus, lembra-te de mim, quando fores para o teu reino. E, de todos os personagens, Dimas ë o único que recebe resposta: Hoje estarás comigo no paraíso! Que quer dizer hoje? Vinte e quatro horas? Mas como, se Jesus permaneceu no túmulo até o domingo? Como poderia, então, estar hoje no paraíso? Sim, e que é este paraíso? Um local, onde se fica até o Juízo Final e a Ressurreição? Não há respostas para essas perguntas. E elas também não são importantes. Importante é outra coisa. Seja como for, o sentido da resposta de Jesus é este: Dimas, você está perdoado! Você é culpado, não há dúvida. Mas você reconheceu sua culpa e jogou toda confiança em mim. Isso me basta, vem comigo !

III 

E agora volto a insistir no que falei de início. Caros presentes, nós nos encontramos todos, nesta Sexta-Feira Santa, diante da morte, da Cruz de Cristo. E, de unia forma ou de outra, cada um de nas reagirá, hoje de manhã, a esta Cruz. Qual será a nossa reação? A da multidão, a do centurião, das autoridades, do primeiro malfeitor? Ou de Dimas?

Depois desta prédica, celebraremos juntos a Ceia do Senhor. Qual é o sentido desta celebração? Ali, na Santa Ceia, no pão e no vinho, Deus oferecerá o perdão dos peca dos a toda pessoa que se aproximar. O importante nesta cerimonia é que esta oferta do perdão é uma oferta direta, — pessoal, a cada um em particular, é uma oferta que pode ser sentida até pelo gosto. E o perdão oferecido é precisamente o perdão conquistado com aquele corpo, com aquele sangue, na Cruz, naquela morte que hoje estamos celebrando. 

E é por isso que eu perguntei há pouco: Qual será a nossa reação diante do Jesus Crucificado? Qual é a nossa reação diante desta morte? E, neste ponto, eu gostaria de advertir: não venha à Ceia do Senhor quem reagir como a multidão (no seu comportamento apático, semi-consciente), nem quem reagir como as autoridades (na sua zombaria descrente), nem como o primeiro malfeitor (na sua mescla de desespero e sarcasmo), nem mesmo como o centurião, adivinhando apenas timidamente. 

Só venha à Santa Ceia, quem olhar para a Cruz como Dimas o fez. Quem, como Dimas, tiver a coragem de analisar, percorrer, sondar sua vida, seus pensamentos e seus atos, e confessar: eu sou pecador, não há nada em mim, capaz de me salvar; sou pecador e mereço castigo. Quem, como Dimas, perceber: mas ele não fez mal algum; perceber, portanto, que se há salvação em algum lugar, só pode ser lá, naquele inocente. Quem, finalmente, como Dimas, jogar a última cartada, a última esperança; quem esperar tudo, mas tudo mesmo daquela morte na Cruz: Jesus, lembra-te de mim. Só venha á Santa Ceia, quem olhar para a Cruz como Dimas o fez. E quem vier assim, meus senhores, quem vier assim pode estar certo de que ouvirá a mesma resposta, que foi dada ao Dirias: Você está perdoado, vem comigo! Amém. 

Oremos:

Senhor, nosso Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e por seu intermédio nosso Pai, faze-nos reconhecer que somos pecadores, que não há nada em nós, capaz de nos salvar; faze-nos ver que salvação só há em teu Filho crucificado, que não fez mal algum. Ajuda-nos a olhar para a cruz do teu Filho como Dirias olhou. Dá-nos o teu perdão! Amém.
 

Porto Alegre, Paróquia Matriz, Sexta-feira Santa de 1970

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS


Autor(a): Nelson Kirst,
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Sexta da Paixão

Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 23 / Versículo Inicial: 33 / Versículo Final: 48
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19529

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