Celebração


ID: 2651

Lucas 19.28-40

Auxílio Homilético

08/04/2001

Prédica: Lucas 19.28-40
Leituras: Deuteronômio 32.36-39 e Filipenses 2.5-11
Autor: Harald Malschitzky
Data Litúrgica: Domingo da Paixão
Data da Pregação: 08/04/2001
Proclamar Libertação - Volume: XXVI


Algumas considerações iniciais

A Entrada de Jesus em Jerusalém é passagem comum a todos os evangelhos. Eles são unânimes em situar a cena no início da semana da Páscoa, em Jerusalém, para onde milhares de pessoas iam anualmente. Já o contexto imediato em cada um dos evangelhos apresenta diversas diferenças. Também o conteúdo central da passagem é muito semelhante, ainda que divirja em alguns detalhes.

Embora eu tenha um bom número de auxílios homiléticos, não encontrei um só sobre este texto. A versão de Mateus é - de longe - a mais usada, a saber em dois momentos do ano eclesiástico: no Domingo de Ramos e no 1° Domingo do Advento. Menos mal que alguns autores ao menos se reportam a Lucas à margem ou entre parênteses.

O texto de Lucas

Ir a Jerusalém e participar em uma das grandes festas era sonho e/ou obrigação de todos os judeus. A caminhada acontecia a pé, e como tal até era tida como meritória. Calcula-se que a população de Jerusalém, na semana da festa, chegava a 100.000 pessoas! Isso significa que as ruas e ruelas, bem como os arredores da cidade, eram formigueiros humanos. Jesus ia com os seus discípulos na direção da cidade (v. 28). Perto de dois povoados, nas cercanias do Monte das Oliveiras, ele ordena que dois discípulos entrem no povoado (em qual deles depende da ótica: olhado de Jerusalém ou do ponto onde se encontram?) e desamarrem um jumento que ali se encontra, trazendo-o (vv. 29-30). Caso alguém peça satisfação - as- sim continuo a narração basta dizer que o Senhor precisa dele (v. 31). Numa espécie de repetição - agora em forma narrativa - se relata o acontecido (vv. 31-34). Trata-se de um jumento; a leitura de Mateus é forma equivocada de Zc 9.9. Este jumento é novo (a palavra grega é usada para outros animais novos), é potro. Há muitas conjeturas em torno desta cena: será que Jesus era tão conhecido? O termo kyrios, bastava que se o mencionasse, teria este efeito? Quem sabe houvera uma combinação prévia? Ou toda esta cena está no mundo do legendário? Responder ou não a estas perguntas provavelmente não nos leva muito adiante. Parece-me que a alusão clara a Zc 9.9 chama a atenção para a dimensão messiânica e escatológica do momento e procura revelar que este Jesus é o Messias. Ele vem como mensagem e mensageiro da paz, na compreensão do conceito de shalom. Aí sim, o jumento faz diferença, pois era um animal tido por dócil, obediente (nem sempre, né?), comum, tanto que o povo podia mante-lo. Bem diferente era o cavalo: animal forte, veloz, usa¬do na guerra, usado em lutas dos romanos. Aliás, vale lembrar como curiosidade: até hoje nossas máquinas são medidas em cavalos (HP = horse power). Automóveis são movidos a verdadeiras tropas de cavalos! Já o jumento, o burrico - coitado: é coberto de palavras depreciativas. Dizer que alguém tem uma tropa de cavalos no seu carro é elogio... Não é aconselhável dizer que ele tem uma tropa de burros... no mesmo carro!

Embora no tempo de Jesus - ao que se sabe - o jumento não tivesse que carregar tanta depreciação, não podia ser comparado ao cavalo. Se Jesus usa este animal, ele, por um lado, dá na vista, pois era costume ir caminhando. Ao mesmo tempo, ele se distancia do imaginário e de eventuais grupos que aliavam ao Messias o poder militar, ideia sem dúvida existente no Antigo Testamento. O caminho marcado por este momento, do ponto de vista humano, será inglório; o jumento é apenas um dos sinais.

O momento seguinte de nossa cena mostra Jesus montando o jumento, contando com a ajuda de discípulos, que antes tinham co¬locado suas próprias vestes sobre o lombo do animal. Mais vestes são colocadas, agora no chão, a caminho da entrada da cidade. Dis-cípulos integram a procissão e proclamam os feitos de Jesus através do louvor a Deus (vv. 35-38). A pompa de um rei é trocada passo a passo: um jumento em lugar de cavalo; roupas suadas e empoeiradas em lugar de uma sela vistosa e de um tapete caro; um séquito a pé - gente humilde sem ter o que ostentar. O evangelista João melhora esta imagem, na medida em que faz com que pessoas, que já estavam dentro da cidade, saiam ao encontro da procissão. A aclamação não tem o hosana, provavelmente porque o público-alvo de Lucas não o entenderia. O céu aqui abrange céu e terra, a criação. A aclamação é típica da posse de um novo rei. É também uma parte da liturgia com a qual os romeiros são recebidos na chegada ao templo. A diferença é que - no evangelho - ela inclui a dimensão messiânica atribuída a este homem de Nazaré de forma indubitável.

Uma questão intrigante até é a reação (ou a falta dela!) dos romanos a esta manifestação. Ensinam-nos os estudos que eles evi¬tavam se tornar antipáticos, reprimindo todo e qualquer movimento. Ao que tudo indica, eles não se sentiram ameaçados por esta procissão ou pelas palavras de manifestantes. Já alguns fariseus entenderam as palavras e a manifestação a partir de seu conhecimento das escrituras e, provavelmente, do próprio Jesus. Por isso eles querem que Jesus os faça calar. A resposta é definitiva: se eles não o fizerem, as pedras vão se encarregar de fazê-lo. Uma forma mais bem acabada deste louvor, desta confissão pública de fé, está na leitura de Fp 2. Não há como calar ou fazer calar. No ar fica a pergunta: Quem, afinal, é este nazareno?

Meditando...

Em muitos detalhes há um paralelismo incrível entre esta passagem e a narrativa do nascimento de Jesus: a humildade do cocho e do burro, o tipo de pessoas que aclama, a dimensão messiânica de quem traz shalom... Lá e cá parece que as peças não se encaixam. É por isso que não cala a pergunta por quem Jesus é.

A ostentação do poder e o exercício de poder sobre outros estão arraigados no coração humano. Talvez por isso seja tão difícil - desde aquele dia! - aceitar Jesus como o Cristo de Deus. Em sua história, cristãos em particular e a Igreja como um todo não poucas vezes se deixaram levar pela tentação do grande e poderoso, da ostentação. E, em nossos dias, não continuamos caindo na tentação do poder? Números e o poder de arrebanhar gente, ainda que seja só para um determinado acontecimento, dão ibope, e ibope é poder, é brilho. Mas o Cristo veio por outra via, e o temos na simplicidade e fragilidade de sua palavra e dos sacramentos. Ao mesmo tempo, sua vinda não está presa ao lugar e nem ao momento: a glória nas alturas, a paz no céu (na linguagem de Lucas) e o hino cristológico em Filipenses o destacam.

A paz que ele traz e anuncia não é a paz imposta pelos mais fortes, e nem é um armistício (ambos são muito mais ausência de guerra do que paz!), mas é uma nova relação entre gentes e povos, uma relação na qual é possível respirar e viver, comungar e partilhar vida. Ainda assim, dias que são inaugurados pela entrada de Jesus em Jerusalém serão marcados por sofrimento e morte. Por um lado, este sofrimento e essa morte acontecem por nós, em favor de nós (Jesus é o movimento de Deus em nossa direção - [Iwand]), por outro, são um aviso claro de que empenhar-se por paz e vida para os mais fracos pode custar sofrimento. Anunciar o Cristo como Filho de Deus e Salvador não tem necessariamente aplausos como reação.

Como nós, em nossas comunidades e grupos, lidamos com isso? Queremos ser fortes, dar razão principalmente a quem tem poder na sociedade? A quem damos mais atenção? Como é estruturado o nosso trabalho? Em Cristo Deus vem a todos e se compadece, antes de mais nada, daqueles que não têm força, nem poder e nem palavra. Mas tudo e todos são chamados a dobrar os seus joelhos diante dele e a começar da frente.

4. O culto

1. Em lugar do Salmo do dia, proponho que se use Fp 2.5-11 para leitura alternada.

2. A confissão de pecados pode ser o hino 150 (HPD) ou um momento de oração silenciosa, orientado pela pergunta: em minha vida, quando e onde o Cristo pouco ou nada significou?

3. No momento da prédica, uma pessoa poderia contar a história e depois o/a pregador/a poderia destacar alguns pontos, tentando responder à pergunta: quem é este que vem chegando? A leitura do texto aconteceria somente no final da prédica.

4. A oração final poderia ser dividida em partes temáticas (dando destaque ao dia e à semana que começa), e estas partes serem distribuídas a pessoas da comunidade. Onde possível (principalmente por questões de acústica), é melhor que essas pessoas fiquem no seu lugar.

5. Como bênção proponho o canto: Glória, glória, glória a Deus nas alturas. Glória, glória, paz entre nós, paz entre nós (O povo canta, p. 171).


Bibliografia

BULTMANN, Rudolf. Dos Evangelium des Johannes. 10. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1968.
DIETZFELBINGER, Wolfgang. Auxílio homilético sobre Mateus 21.1-9. In: Hören und Fragen. Neukirchen : Neukirchener, 1978. vol. l, p. 1-7.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. 3. ed. São Leopoldo / Petrópolis : Sinodal /Vozes, 1988. vols. l e 2.
VOIGT, Gottfried. Auxílio homilético sobre Mateus 21.1-9. In: ID. Der schmale Weg. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1978. p. 11-17.


Autor(a): Harald Malschitzky
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: Domingo de Ramos
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 19 / Versículo Inicial: 28 / Versículo Final: 40
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000 / Volume: 26
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13301

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