Prédica: João 9.1-41
Leituras: 1 Samuel 16.1-13 e Efésios 5.8-14
Autoria: Odair Airton Braun
Data Litúrgica: 4° Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 19/03/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII
Luz e ação
1. Introdução
João 9.1-41 já foi trabalhado em edições anteriores do Proclamar Libertação. Tais abordagens são importante fonte de pesquisa na preparação para a pregação. Uma questão a ser definida é sobre o uso das leituras e do texto de pregação indicado (ao todo 60 versículos), que é bastante longo. Sua leitura na integral pode ser pouco proveitosa para a comunicação com o público. Uma possibilidade seria fazer uso do evangelho, lendo os versículos de João 9.1-11 como leitura bíblica ao lado de Efésios, usando a segunda parte do evangelho na leitura no começo da pregação.
Outra possibilidade é resumir os 41 versículos, escolhendo destaques para a caminhada em direção à pregação, embora isso possa prejudicar a grandiosidade do texto e seus ensinamentos. Uma terceira possibilidade é dividir a passagem do evangelho, ao longo da pregação, em cenas: 1ª cena: v. 1-7, a cura; 2ª cena: v. 8-12, reação do povo; 3ª cena: v. 13 a 17, o interrogatório; 4ª cena: v. 18-23, a acareação; 5ª cena: v. 24-34, o cego curado e Jesus; 6ª cena: v. 35-38, Jesus no centro da história; 7ª cena: v. 39-41, o curado sai de cena. Há risco de muitos temas serem despertados, sem condição de aprofundar a reflexão. Outra opção, natural, é fazer a leitura dos textos na íntegra, apostando que o seu conteúdo mantenha os ouvintes conectados. Cada qual deve adotar uma fórmula, tendo presente a preocupação em manter a atenção do público.
A conexão entre as passagens indicadas pode ser observada naquilo que 1 Coríntios 1.27 define como as coisas loucas do mundo, escolhidas para chamar a atenção das grandes e fortes. 1 Samuel 16.1-13 apresenta o rejeitado que é escolhido por Deus para ser rei, mesmo tendo seus irmãos uma aparência mais imponente. Observa-se um paralelo com o cego, personagem central do texto de pregação. Efésios 5.8-14 fala da luz, destacando que o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Evidencia que caminhar sob a luz de Deus é se afastar da escuridão. Efésios desafia a seguirmos os frutos dessa luz.
2. Considerações exegéticas
O Evangelho de João é perpassado por imagens que trazem significados também para os nossos dias. Vejamos exemplos: luz e trevas, noite e dia, ver e não ver, cego e enxergar.
Nas suas inserções por vilas e povoados, Jesus encontra um cego que pedia esmolas, sendo cego, segundo o texto, desde o nascimento. Logo se apresenta uma discussão de cunho teológico bastante intensa sobre culpa e pecado e de quem era a responsabilidade pela situação enfrentada por esse cego. Neste aspecto, deve ser destacado um princípio valoroso: Jesus, no seu dia a dia, olhava para as mazelas do povo e, partindo dessas situações, buscava promover ensinamentos e quiçá levar pessoas, daquele tempo e dos nossos dias, a olhar para as situações com olhar de amor e sem pré-julgamentos.
Na discussão teológica que se estabelece, Jesus afirma que ninguém pecou. Mas não fica nisso. Jesus aplica sobre os olhos do cego um emplastro de barro produzido com a sua saliva e terra e dá uma orientação de caráter prático, ou seja, vá se lavar no tanque de Siloé. Siloé, derivado do hebraico shilôah, tem significado de águas enviadas. Siloé é uma referência a uma obra realizada no tempo de Ezequias, com a finalidade de levar água da fonte de Giom (1Rs 1.33) para um reservatório localizado na parte interna das muralhas da cidade de Jerusalém (2Rs 20.20). Ter água na parte interna das muralhas era fundamental quando se pensa na possibilidade de um cerco visando à tomada. Água era fundamental para a sobrevivência.
O cego segue as orientações de Jesus e começa a ver. Sua vida sofre transformação e sua dignidade é restituída. Chama a atenção que a ação de Jesus faz uso de coisas do contexto das pessoas. Também é importante retomar a afirmação de Jesus: ninguém pecou. Jesus não deixa margem para julgamentos, como é comum acontecer frente a situações nas quais as pessoas se perguntam e avaliam qual a razão de determinados acontecimentos. A cura que ocorre faz aprofundar a discussão em torno do fato. Pela lógica, dever-se-ia estabelecer um espaço de gratidão e alegria pela vida transformada. Mas não é isso que ocorre. Interrogações, discussões, investigações e mesmo discussões entre os fariseus são observadas. O cego, ao ser questionado sobre o que tinha a dizer sobre quem lhe abriu os olhos, é assertivo: é um profeta, ou seja, alguém que anuncia a palavra do Senhor, denuncia mentiras e injustiças e se contrapõe a sistemas injustos. O profeta deve anunciar desígnios de Deus e denunciar aquilo que se opõe à vontade do criador.
O Evangelho de João apresenta importantes reflexões teológicas. A passagem prevista para este final de semana é exemplo disso. Na discussão que se apresenta, diante da pergunta de quem pecou, deve estar claro que, no contexto judaico, enfermidades e situações como a cegueira eram atreladas ao pecado (Lv 26.15ss) e à ação do demônio (Mt 9.32-34). Faz-se necessário destacar que Jesus não considera a doença ou situação semelhante como castigo de Deus. Inclusive dá uma conotação oposta, afirmando que tais situações podem ser espaço ideal para a manifestação da obra e da ação de Deus.
O cego, em nenhum momento, apresenta objeção aos indicativos de Jesus, ou seja, de ir e se lavar. Observação e seguimento à palavra de Deus requerem confiança, entrega, dedicação. Requerem seguir os caminhos apontados por Jesus com fé e temor. Importante observar que o seguimento adotado pelo cego gerou a transformação de sua vida, promoveu discussões, permitindo a ampliação dos pontos de vista em torno da questão que se havia colocado. Essa reflexão mais ampla gerou uma acareação. Os pais foram chamados para certificar de que o filho de fato era cego de nascença. A dúvida e descrença estavam presentes. A luta de não reconhecer o senhorio de Jesus era grande. Chama a atenção que parece ser estabelecida uma luta desenfreada para impedir que o poder de Deus seja manifesto. Literalmente se tratava de um embate entre as trevas e a luz, assim como é comum observar em nossos dias. Nesse embate se observam as afirmações de parte dos fariseus: diga a verdade diante de Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. A luz, representada na fala do cego afirma: se é pecador não sei. Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. A vida, dom e desejo maior de Deus, é destacada na fala do cego curado. O cego passou a ver com os olhos de modo biológico, mas também passou a ver com os olhos da fé.
Mais importante do que falar da situação do cego é fazer algo por ele. Sabemos de situações que nos constrangem, que atingem a criação de Deus, que prejudicam a vida plena, digna e abundante. Mas, de modo pessoal e comunitário, o que fazemos para transformar tais situações? É importante questionar: quem é o cego hoje e onde o encontramos no dia a dia? Como nos relacionamos com ele? Damos atenção como feito por Jesus? Quando sou eu que não vejo, tenho a coragem de clamar por Jesus, tenho a força de vontade de ir me lavar na água? Posso ter a mesma atitude dos fariseus, dos discípulos, posso querer imitar Jesus ou aprender a viver como Jesus propõe, mas também posso ser eu a pessoa cega que clama por enxergar. O que fazemos para que as pessoas enxerguem ou vivam na luz de Jesus, especialmente nos tempos atuais, de extremos? Como lidar com as posições extremadas a partir desse texto? Como trazer tudo à luz?
3. Meditação
O evangelho e os textos de leitura são passagens que têm como pano de fundo aquilo que é bem definido em Efésios: o fruto da luz e o fruto das trevas. Como pessoas cristãs, temos diante de nós esses dois caminhos. Qual seguimos? Como o seguimos? Com quem desejamos seguir? Quais os frutos que desejamos deixar? Os textos têm como pano de fundo a luz. Falam do poder de Jesus em transformar pessoas, libertá-las para a autonomia e dignidade, assim como se deu com o cego. Jesus, enquanto luz, não ilumina simplesmente, mas aquece e acende em nós o desejo de mudança, de ação e de busca. Jesus, como luz do mundo, não nos deixa parados. Ele põe em movimento, gera ação, requer atitudes. A atitude de Jesus foi fazer um emplastro com um pouco de barro e aplicar sobre os olhos do cego. O movimento do cego foi obedecer e ir ao tanque lavar seus olhos. O resultado foi à transformação, a cura. O cego decidiu seguir pelo caminho da entrega, da confiança e fé, pelo caminho de Jesus. Optou pelo caminho do bem, da vida e da verdade. Optou por caminhar na presença de Jesus e como consequência teve a sua vida renovada passando por significativa transformação.
Os discípulos não falam com o cego, mas sobre ele. O cego, para os discípulos, existe como um ponto demonstrativo para a pergunta que traziam nas suas reflexões: “quem é o culpado”, eles desejam saber. Jesus se desvia desse questionamento. Para Jesus, o cego era uma pessoa em necessidade e precisava de ajuda. Não podia ser visto como um objeto, mas como irmão. E desta forma o cego é indagado por Jesus. Ele precisa participar da cura. Ele mesmo tem que se dirigir ao tanque de Siloé. Lá ele precisa lavar aquilo que Jesus colocou sobre seus olhos. Ele atua concretamente em sua cura.
Jesus conduz o cego à fé. Jesus é o Salvador. Somente a cura do corpo não é o suficiente para Jesus. Ele quer a cura total, revelada e concretizada no ato de lavar os seus olhos no tanque. O cego aceita o amor de Deus demonstrado em Jesus Cristo. E esse amor transforma e dá nova vida. Esse amor faz o cego afirmar: ele é profeta (v. 17). E mais enfaticamente ainda, no v. 25: Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo.
O calor, o amor e a luz que saem de Jesus fazem do cego uma pessoa que enxerga. O amor de Jesus pela humanidade o faz afirmar: Sou a luz do mundo (v. 5). E isso é verdade válida para cada um nós hoje. Que a luz de Jesus também persista ao lado das comunidades, nos desafios que elas têm diante de si. E que assim, juntos, permeados por confiança, possamos viver na luz de Jesus, anunciando a sua graça e bondade.
Enquanto ministros e ministras das comunidades da IECLB, enquanto lideranças de setores de trabalho e grupos, enquanto comunidades cristãs que se alimentam e desejam viver da e na luz de Jesus, devemos testemunhar tal como feito pelo cego, que ao ser questionado responde dizendo: Sou eu (v. 9). E perante mais um questionamento testemunha: O homem chamado Jesus fez lodo, untou--me os olhos e disse-me: Vai ao tanque de Siloé e lava-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo (v. 11). Jesus e a luz que ele lança sobre a vida nos aquece, fortalece, anima a viver e dar testemunho.
A partir da luz vinda de Jesus somos chamados a viver, pregar, testemunhar e seguir em confiança. A luz não somente aquece e ilumina. Ela põe as coisas às claras. Lança luz sobre aspectos que não são visíveis. Jesus ilumina e põe a descoberto o que se encontra por trás do questionamento dos discípulos sobre os supostos pecados do cego ou de sua família. Quando Jesus é questionado, há em jogo um julgamento da pessoa atingida. É uma pergunta sobre o passado e que não deixa caminho para o futuro.
Jesus incentiva os discípulos para que perguntem pelo futuro. Eles não podiam ficar de longe daquela situação, como se nada tivessem a ver com aquilo. A pergunta tinha que ressoar: o que eu posso fazer com aquele que se encontra em necessidade, para que ele sinta o amor de Deus em sua vida? Aquilo que Jesus faz ao cego torna-se luz para a falta de visão das pessoas. Jesus aplica barro nos olhos do cego. E quando esse obedece e lava o barro, volta a enxergar. Sinal de amor. Sinal do Reino. Sinal de um novo tempo e de novas possibilidades. Sinal de como Jesus quer transformar a vida de pessoas, sem fazer julgamentos.
Quanta cegueira há entre nós? Como se manifesta essa cegueira? Como pessoas cristãs, como Igreja de Cristo, somos chamadas a não nos omitir diante das mazelas, somos chamadas a lançar fachos de luz a partir de ações, sejam elas pessoais ou comunitárias. Como igreja que segue e deseja testemunhar Jesus, não se pode ficar calado e passivo diante do que ocorre. Precisamos elevar a voz profética, anunciando e denunciando para que a justiça seja preservada, para que o direito seja algo que vale para todos. Jesus, a luz do mundo, aquece, ilumina e faz ver. Qual é então o nosso compromisso? Nós temos em Jesus a luz do mundo. Nosso compromisso é fazer essa luz brilhar para que todos possam ver. É nosso compromisso não se preocupar e perguntar sobre o passado ou a culpa que eventualmente uma pessoa tenha. É nosso compromisso tratá-la de forma tal, que sinta o amor de Deus e que esse seja visível para todos.
4. Imagens para a prédica
É salutar explorar a imagem da luz e das trevas/luz e ação e seu significado em nosso dia a dia. Um marca-página da comunidade com uma imagem de luz e um versículo do texto ajudará na fixação da mensagem.
5. Subsídios litúrgicos
Oração: Bondoso Deus, Senhor da luz e da esperança! Caminha conosco e ilumina nossos caminhos. Caminha ao nosso lado, concedendo esperança e confiança. Guarda-nos com tuas mãos generosas diante de cada dificuldade e tropeço. Ilumina nosso viver e permite que possamos dar bom testemunho da tua graça e do teu amor pela humanidade. Amém.
Confissão de pecados: Bondoso Deus, criador da vida e da humanidade! Chegamos a tua presença e confessamos nossas falhas, pecados e omissões. Confessamos que julgamos precipitadamente pessoas e situações. Confessamos que calamos diante de injustiças. Confessamos que viramos os olhos para outra direção a fim de não ver e enxergar situações que pedem nosso envolvimento. Confessamos que, às vezes, somos ingratos diante das muitas bênçãos que de ti recebemos. Por isso, perdoa-nos. Renova a nossa vida e caminhada. Que a luz do teu Santo Espírito seja conosco. Amém.
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