Celebração


ID: 2651

João 13.31-35 - 5º Domingo de Páscoa - 15/05/2022

Auxílio Homilético

15/05/2022

Prédica: João 13.31-35
Leituras: Salmo 148 e Apocalipse 21.1-6
Autoria: Anelise Lengler Abentroth
Data Litúrgica: 5º Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 15/05/2022
Proclamar Libertação - Volume: XLVI

O amor vence a morte

1. Introdução

O Salmo 148 é um hino que convida todas as criaturas a louvarem a Deus. Sete convites se dirigem aos seres celestes. O motivo é a ação criadora de Deus que sustenta e dá estabilidade ao universo. Segue o convite para os seres da natureza entoarem o seu louvor. A humanidade toda é convidada a louvar. A principal tarefa dos seus fiéis é louvar e proclamar a força e o amor incondicional de Deus.

A nova relação que existe entre Deus e os seres humanos é apresentada como o novo céu e a nova terra, descritos em Apocalipse 21.1-6. O mar, a moradia dos poderes do mal, já não existe mais. Deus vai construir a nova Jerusalém; realizar-se-á a aliança de Deus com a humanidade. Ela será a tenda na qual Deus está presente e renovará a tudo, pois ele é o Senhor, a fonte e o fim da história.

Em João 13.31-35, a glorificação de Jesus acontece no ato maior de Deus em favor da humanidade: na cruz, na entrega, na hora certa. É no amor das pessoas umas pelas outras que nos é oferecida uma alternativa de vida perante a morte e a opressão.

São três textos carregados de esperança em situações de angústia e sofrimento. Querem fortalecer a comunidade de fé diante das ameaças, das contradições, dos poderes da morte, que se apresentam poderosos, mediante a prática do amor fraterno, genuíno e vivificador.

2. Exegese

Apocalipse é uma grande discussão contra a heresia do culto ao imperador. Domiciano considerava-se o próprio deus. Tinha uma moeda cunhada com uma criança arrebatada ao céu, brincando com sete planetas. Nas palavras de Martin Dreher (Proclamar Libertação, v. 23, p. 28): “Esse brincar simboliza o seu poder celeste, que é reproduzido pela inscrição na moeda: desde o céu governa o ‘Divino César, Filho do Imperador Domiciano’”. Por isso forçava seus súditos a lhe fazerem sacrifícios. Há mártires nas comunidades, já que elas sofrem com a perseguição do império.

Em época de perseguição, todo cuidado é pouco. Não é possível dizer abertamente que o império é o grande inimigo a ser combatido, sem ser perseguido, preso ou morto. As visões com seus símbolos são uma linguagem cifrada que driblam a censura, mas são compreendidas pelas comunidades cristãs da Ásia Menor.

O Evangelho de João levou muito tempo para ser escrito. O Discípulo Amado era uma figura-chave para as comunidades, pois ele lhes transmitia o seu testemunho sobre Jesus. As comunidades ligadas a ele viviam na Palestina, provavelmente na Galileia. Reuniam judeus, galileus, samaritanos e helenistas. Eram comunidades abertas e acolhedoras. Recebiam também discípulos de João Batista. Características marcantes dessas comunidades eram o serviço amoroso (Jo 13.34) e a mesa partilhada (Jo 6.5-13).

A partir da destruição do templo de Jerusalém (70 d.C.), apenas dois grupos mais organizados restaram: os fariseus e os cristãos. Os fariseus trataram de reorganizar a religião judaica segundo o culto nas sinagogas. Eram comunidades restritivas que entraram em choque com as comunidades cristãs. Também havia grupos mais espirituais, como os gnósticos, que não aceitavam a humanidade de Jesus. Isso provocava tensões e divisões e levava as pessoas a esquecerem o mandamento do amor e o serviço que mantinha a comunidade unida.

O evangelho é composto por dois livros: o livro dos sinais (Jo 1.19 – 11.54) e o livro da glorificação (Jo 13.1 – 20.31), e a conclusão (Jo 20.30-31). Nosso texto está no início do livro da glorificação e é assim chamado porque mostra a realização plena de tudo o que Jesus vinha prometendo, enquanto fazia os sete sinais nos capítulos anteriores.

João 13.31 inicia dizendo que, com a saída de Judas da mesa da comunhão, a hora chegou: a hora de ser glorificado o Filho do Homem. “Filho do Homem” é o título que Jesus usava para si mesmo como o escolhido de Deus para ser o salvador (Mc 10.45). Esse título se refere à condição de Jesus, sua humanidade limitada, ameaçada e frágil (Mc 8.31; Lc 9.58), e também à sua futura glória (Mt 25.31; Mc 8.38). Ao se designar como Filho do Homem, Jesus escolheu o título messiânico menos comprometido pelo nacionalismo judeu e pelas esperanças bélicas. Une-se aos círculos palestinos que esperavam o novo homem, o novo Adão, que inauguraria a nova humanidade.

Os v. 31-33 trazem a glorificação de Jesus como atributo dado a ele desde antes da criação do mundo. Quando desce à terra, ele revela a glória de Deus e essa o revela quando realiza os sinais, reconhecidos como tais apenas pelos seus, somente os crentes o podem ver.

Esse duplo aspecto da manifestação da glória de Deus no ministério terreno de Jesus nos remete ao Antigo Testamento, quando a glória de Deus socorre o seu povo e ao mesmo tempo cega e castiga os incrédulos.

A glorificação designa o conjunto da narrativa da redenção, que vai da cruz à ressurreição. O resultado final é a entrada na glória divina. Às vezes, ela é expressa na vitória sobre o inimigo de Deus e ao mesmo tempo o triunfo de Cristo. Nisso se revela o desígnio salvador de Deus.

No v. 33, Jesus faz clara menção à sua morte, assim como já havia dito aos judeus, mas com a diferença de chamar seus ouvintes de “filhinhos”, numa clara demonstração da amorosidade de um núcleo familiar nas relações construídas e firmadas entre eles.

No Proclamar Libertação, v. XVII, p. 122, Guilherme Lieven bem descreve que o v. 34 traz um novo enfoque do “novo mandamento do amor”. Esse  difere do amor ao inimigo (Mt 5.44) e do amor ao próximo (Lc 22.31). O imperativo aqui é amar uns aos outros, o que pressupõe um grupo, uma comunidade.

O v. 35 mostra que a prática do amor de uns pelos outros, deste novo mandamento vivido e ensinado por Cristo, identifica os seus seguidores, pois dessa forma resistem à rejeição e aparente derrota que se deu na cruz. Eis a resistência e o testemunho que a comunidade cristã dá ao mundo e aos poderes que matam.

J. J. von Allmen, em seu Vocabulário Bíblico (p. 201), escreve que a glorificação do Filho do Homem se realiza na obra terrestre, no sofrimento e na ignomínia. Ela não acontece num processo cósmico, mas na pessoa histórica, inteiramente humana e próxima, Jesus de Nazaré. Ele é o criador da nova humanidade. Esse novo homem não vem arrancar as pessoas das garras do tempo e da matéria, mas vem revelar a sua responsabilidade com as outras pessoas, particularmente com as enfraquecidas e sofredoras, tendo amor e sendo solidárias como irmãos e irmãs.

3. Meditação

Sempre que me deparo com esse texto, estranho o termo “glorificação”. Chegou a hora de ser glorificado o Filho do Homem! Glorificar! Dar glórias! No dicionário Aurélio, glória é definida como fama obtida por ações extraordinárias, grandes serviços prestados à humanidade; brilho, esplendor, honra, homenagem. E glorificar tem o sentido de prestar homenagem, honrar, adquirir glória, gloriar-se. Por isso, quando pensamos em glória ou glorificar alguém, pensamos em vitórias, em grandes objetivos alcançados, em fama, em holofotes, em mídia. Assim exposto, como pode alguém gloriar-se quando prenuncia a sua morte por perseguição, traição, calúnias e tortura, como se deu com Jesus?

Mais uma vez, a glorificação que Deus dá é totalmente diferente da glorificação que o mundo, a sociedade dá. É o escândalo da cruz que glorifica Jesus. Esse é o grande feito em favor da humanidade. O oposto da morte, da derrota da cruz é o amor que vivifica, que faz ressuscitar, que permanece.

Para as comunidades do Discípulo Amado também chegará a hora. Assim como chegou para Jesus, também chegará a elas. Essa hora significa o sofrimento, a perseguição, as calúnias, as intrigas, as seduções ou até a morte. Nessa hora, diante do exemplo dado por Cristo, podemos chegar à alegria que vem de Deus.

Decididamente, esse não é um texto fácil para nós, pessoas do nosso tempo. Não nos é fácil suportar as reações adversas vindas de ações ou opções de enfrentamento aos poderes estabelecidos. Não gostamos de nos confrontar com difamações ou calúnias nas redes sociais e sofremos com as injustiças. Também é comum acontecerem divergências e brigas internas nas famílias, nos grupos, nas comunidades quando perseguições ou pressões externas acontecem. Em nossa fraqueza, muitas vezes, colocamos a culpa sobre nossos pares, o que só aumenta o sofrimento. Não nos é fácil compreender a glorificação do ministério de Jesus no caminho da cruz. Somente o olhar do túmulo vazio nos ajuda e nos consola. Somente a certeza da morte vencida nos faz suportar, resistir. Porém é preciso deixar que Cristo esteja presente por meio da ética do amor fraterno. Essa é a condição para evitar a cisão, a dispersão, o desânimo fruto do sofrimento. Viver o mandamento do amor é atitude de resistência e de esperança.

Quem vive na glória da nossa sociedade tem outras regras, outra ética. Experimenta vitórias, acúmulo, individualismo e competição. Valores totalmente diferentes do que nos traz o texto em questão. Por isso, ainda hoje, resistir e procurar viver o amor fraterno é condição de grupos marginalizados ou rejeitados. A minoria que aceita e reconhece o amor de Deus, o cuidado e a vivência fraterna como o bem maior, é ridicularizada ou difamada. Porém nossa sociedade está repleta de exemplos em que esse amor serve de exemplo, de testemunho e de resistência aos poderes de morte.

Nossa tarefa, como anunciadores do evangelho, é fazer uma leitura da revelação/glorificação de Deus na realidade das minorias, dos grupos e pessoas rejeitadas pela sua condição econômica, social, de raça, gênero ou religiosa. Há tantos exemplos a serem compartilhados! Ao mesmo tempo, precisamos perguntar à comunidade se ela quer ser reconhecida pela “pureza” de seus dogmas, pelo cisma que cria ou pela vivência do amor fraterno que Cristo ensinou. O amor fraterno não é egoísta nem corporativo nem excludente. Ele é solidário, coletivo, acolhedor e justo. Ele é a força transformadora das relações e da realidade de sofrimento e injustiças vivida. Anunciar esse amor é o caminho para que a esperança vença as divisões e a glória de Deus se revele em nossa realidade.

4. Imagens para a prédica

1. Pedi a confirmandos e confirmandas que sonhassem com o que gostariam de receber glórias em suas vidas. Uns disseram que gostariam de ser jogadores de futebol muito habilidosos e que jogassem no exterior. Outros disseram que queriam ser artistas famosos ou rappers conhecidos mundialmente. Há também os que querem ser youtubers com milhares de seguidores, entre outras respostas. Então perguntei qual o grande serviço que prestariam à humanidade com sua escolha. A reação não poderia ser outra: não haviam pensado nisso. Queriam apenas a fama, o reconhecimento, o dinheiro e uma vida de fortuna. Ser glorificado, o que significa isso?

2. Uma aldeia indígena estava localizada entre grandes propriedades rurais. Nela, o povo procurava plantar e colher como seus ancestrais, cuidando das sementes crioulas, respeitando a natureza. Não poucas vezes esse povo precisava se defender de ataques dos vizinhos, que não aceitavam nem compreendiam seu modo de viver. Nas grandes propriedades, o uso de sementes modificadas e de aditivos químicos era constante. A cada ano, novos produtos e novas sementes precisavam ser usadas, pois na natureza sempre há ervas que resistem e se modificam, exigindo novas tecnologias e muita pesquisa. Pois aconteceu que uma praga desconhecida se abateu sobre as grandes plantações. Toda a ciência não deu conta de algum produto capaz de resolver o problema rapidamente. Bilhões de prejuízo, toda a produção foi perdida. Uma verdadeira catástrofe para os negócios e para a exportação de sementes. Atônitos, os fazendeiros começaram a procurar alternativas. Alguns poucos foram até a aldeia indígena conversar com as lideranças e procurar entender por que a sua plantação não foi atingida. Depois de uma boa conversa, saíram dali com sementes partilhadas pela comunidade indígena. E alguns começaram a refletir e questionar o modo como vinham produzindo. Conta-se que naquela região muita coisa se modificou e a natureza agradece até hoje.

3. Frases de Madre Tereza de Calcutá:

“No final de nossas vidas não seremos julgados pelos muitos diplomas que recebemos, por quanto dinheiro fizemos ou por quantas coisas grandes realizamos.Seremos julgados pelo ‘Eu tive fome e você me deu de comer, estava nu e me vestiu. Eu não tinha casa e você me abrigou’.”
“O senhor não daria banho num leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não. Só por amor se pode dar banho em um leproso.”
“Não é o quanto fazemos, mas quanto amor colocamos naquilo que fazemos. Não é o quanto damos, mas quanto amor colocamos em dar.”



Bibliografia

MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco; MERCEDES, Lopes. Raio X da Vida. Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de João. São Leopoldo: CEBI.
ALLMEN, J. J. von. Vocabulário Bíblico. 2. ed. São Paulo: ASTE, 1972.


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Autor(a): Anelise Lengler Abentroth
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 5º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 31 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2021 / Volume: 46
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 68599

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