Celebração


ID: 2651

Isaías 9.1-6 - Dia de Natal

Prédica

25/12/1969

Isaías 9.1-6 - DIA DE NATAL

Prezada comunidade! 

Hoje é Natal! Os senhores talvez pensem: Não diga! E eu torno a repeti-lo: Hoje é Natal! Hoje é a festa máxima da Cristandade! Hoje é a festa do amor, da alegria, a festa da família! Hoje ë o dia de tudo isso que ouvimos e lemos nas últimas semanas. É o dia a que se referiram todas aquelas palavras bonitas, melosas e altissonantes, tão bem boladas pelas agências publicit5rias e que tanto lucro renderam. É o dia em que cada um de nós deveria, em silêncio, pedir perdão a Deus por esses abusos, por essa afronta; perdão porque transformamos o seu Natal no maior negócio do mundo. 

Hoje é, por excelência, o dia da Boa Nova, do Evangelho. E esta manhã é, por sinal, especialmente propícia para meditarmos sobre o Evangelho. Já passou aquela tensão de comprar, empacotar, dar e receber os presentes. A tensão que nos cerca quando abrimos um pacote ou observamos as feições de quem recebe um presente nosso. Agora, já passou o grosso da festa e já dormimos uma noite depois de tudo isso. E assim nos encontramos, hoje de manhã, numa atitude de relaxamento, de distensão, bem mais aptos para ouvir e pensar. E isso é ótimo, pois eu tenho algo de fantástico a lhes dizer. 

II

Para iniciar, convido-os a acompanhar-me de volta na história até o século VIII antes de Cristo, época em que vivia no Reino de Judá um grande profeta, que atendia pelo nome de Isaías. Como todos os profetas israelitas, Isaías tinha um olho clinico para analisar a situação de sua época, apontar para as chagas da sociedade e por os podres de fora. E como todos os profetas, este Isaias também sabia que algum dia Deus haveria de tomar uma atitude bem radical, bem diferente e revolucionaria para por as coisas em dia. É o que expressa o texto para a prédica de hoje: 

O povo que anda nas trevas vê uma grande luz; sobre os que vivem na terra da escuridão brilha uma luz. Tu multiplicas o júbilo e aumentas a alegria; eles se alegram — diante de ti como a gente se alegra na colheita, como a gente exulta quando reparte a presa. Pois tu quebras o jugo que pesa sobre ele, a vara sobre os seus ombros e o cetro de seu opressor, como no dia dos midianitas. Porque — toda bota, que marcha com estrondo, e toda capa arrastada pelo sangue serão queimadas; devoradas pelo fogo. Pois uma criança nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E seu nome ser: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Grande será o governo e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reinado, visto que ele o firma e solidifica através do direito e da justiça, desde agora ate a eternidade. O zelo do Senhor dos Exércitos fara isto! 

Desde os seus primórdios até hoje, a Igreja Cristã encontrou nessas palavras de Isaías a expressão cabal daquilo que aconteceu em Jesus Cristo. E os cristãos fizeram suas estas palavras, para dizer: Aquele que Isaías esperava chegou - e ultrapassou em muito as suas expectativas!
E nem seria possível encontrar palavras mais acertadas. Este texto de Isaías esta carregado, prenhe de tudo aquilo que representa as maiores preocupações e os maiores anseios de toda a Humanidade em todos os tempos. Isaías diagnostica as feridas em brasa da Humanidade e proclama sua cura. E o resultado é o vislumbre de um paraíso tal, como poucos homens ousaram imaginar até hoje. 

O povo que anda nas trevas vê uma grande luz. 

Qual ê o povo, prezada comunidade, que não anda nas trevas, que não vive na terra da escuridão? Apontar as trevas deste nosso Brasil aos senhores seria supérfluo, pois todos estão cientes de que isso aqui não é um mar de rosas, mas um banhado cheio de sujeiras, que se chamam: ignorância, corrupção, opressão, pobreza, miséria, fome, e assim por diante. E, por isso, costumamos transferir nossas visões paradisíacas para outros países, chamados desenvolvidos, esquecendo, porém, que num país como a Suécia registra-se uma das maiores cifras de suicídios do mundo; que um país como os Estados Unidos debate-se com um problema racial sem solução e com uma guerra sem sentido; esquecendo, enfim, que todos esses supostos paraísos também vivem numa escuridão - talvez diferente, mas nem menos trágica que a nossa. 

Tu quebras o jugo que pesa sobre ele, a vara sobre os seus ombros e o cetro de seu opressor. 

E qual foi a época na história, em que não houve opressão, em que não houve jugo, em que não houve uma canga dobrando seres humanos e nações? E há cangas de todos os tipos e de todos os pesos em todas as terras. Basta olharmos ao nosso redor. Basta que nos informemos sobre o que é feito com camponeses e operários nas fazendas, nos engenhos e nas fábricas deste nosso Brasil.( Nossas livrarias tem material de sobra sobre o assunto.) Basta pensar na opressão sobretudo econômica, dos países ricos sobre os subdesenvolvidos; esta escravidão internacional de proporções como nunca se conheceu até este século. 

Porque toda bota, que marcha com estrondo, e toda capa arrastada pelo sangue serão devoradas pelo fogo. 

E qual e a terra, qual e o continente, qual é o povo - que no conhece a bota, que marcha com estrondo, e a capa arrastada pelo sangue, que não conhece o coturno estrondoso e a farda ensanguentada do soldado? Qual é o povo que no conhece os rastros deixados por essas botas: cidades arrasadas; plantações, choupanas e gente cobertas por um tapete infernal de toneladas de bombas e de fogo; crianças e adultos mutilados pelo resto da vida; viúvas e órfãos; doentes mentais que não conseguiram vencer as horrendas experiências? 

Ele firma e solidifica o seu reinado através do direito e da justiça. 

E quem não saberia dizer algo da falta de direito e justiça entre nós? Ausência de direito e justiça entre os homens: nisto é que reside a razão de todas aquelas feridas examinadas acima.

Esta, prezada comunidade, é a realidade que Isaías diagnostica com seu olho clínico. Mas o importante é que ele não fica no diagnostico. O importante é que o profeta anuncia a cura total e completa dessas chagas. Este povo que vive nas trevas vera uma luz; uma luz brilhante que acabará com tudo o que representa sua escuridão. Ser a quebrada a canga da opressão, que dobra nações e indivíduos. O coturno estrondoso e a farda sangrenta serão devorados pelo fogo. Haverá direito e justiça entre os homens. A visão maravilhosa, fantástica, de um mundo claro e cristalino, sem qualquer sombra; de um mundo de justiça, sem opressores e escravos; um mundo de justiça e de paz, de uma paz interminável, constante, sem guerras, sem extermínio, sem assassínio. Uma coisa —inacreditável, inimaginável! Um paraíso que o povo de Isaías, Israel, jamais chegou a conhecer. 

São estas palavras de Isaías - carregadas com toda essa concepção paradisíaca do profeta - que a igreja Cristã de todos os séculos (e nas com ela) toma para dizer: exatamente — isso é o que Deus fez em seu Filho Jesus Cristo! Exatamente isto é o que Deus fez neste Natal, que estamos celebrando! No Natal, com o nascimento de Jesus Cristo, Deus instituiu, inaugurou o mundo da claridade, o mundo de liberdade, sem opressão, o mundo sem guerra e sem intrigas, o mundo de direito e justiça para todos. No Natal, com o nascimento de Jesus Cristo, Deus instituiu esta realidade fantástica, que é a realização de toda a saudade, de todo o anseio do género humano. 

Sim, isso é o que ficou comprovado em definitivo no ano zero de nossa história, nas paragens ignotas da Palestina, no seio da pacata família de um marceneiro: nosso Deus, o Deus de Jesus Cristo, não é um deus-tirano, um deus-déspota, um deus-juiz implacável, que não arreda o pé de sua sentença! Nada disso! Lá ficou comprovado! Nosso Deus, o Deus de Jesus Cristo é o Deus -Amor, o Deus-Solidário; o Deus que sente com o homem a sua ânsia de ver um dia sem trevas, um dia sem guerra, um dia sem opressão e escravidão, um dia de direito e justiça para todos. Este Deus sente conosco e sofre conosco. E foi por isso que ele fez nascer seu Filho em nosso meio. E este seu Filho - cujo nascimento estamos hoje celebrando – veio e exercitou, aos nossos olhos, esta solidariedade com o ser humano. Jesus Cristo demonstrou entre nos o que Deus pretende conosco: a realização da saudade e do anseio mais profundo da Humanidade. Com sua vida, morte e ressurreição Jesus Cristo abriu a brecha para esta nova realidade de um mundo sem chagas. Com Jesus Cristo, esta realidade já começou!

Os senhores talvez pensem que isso é mais um exagero típico de pastor. Mas não é! O mundo continua de feridas abertas; o mundo continua na escuridão, oprimindo, matando e esquecendo o direito e a justiça. Não há dúvida. Mas a nova realidade do mundo sem chagas também já está presente, já se faz sentir. O seu crepúsculo revela-se em cada ato de Jesus Cristo, em cada gesto de solidariedade. E continua a revelar-se, a se fazer sentir em cada ato de solidariedade pra ticado por seus seguidores, por amor a Jesus Cristo, através dos séculos. 

Isso tudo, prezada comunidade, é a primeira prestação. O negado já está combinado; já foi pago o sinal. Mas o dia virá - e nos o aguardamos ardentemente - em que será paga a segunda e derradeira prestação, o dia em que será assinado o contrato definitivo. É o dia da segunda vinda de Cristo, o dia em que Jesus nos arregimentará de uma vez por todas em seu Reino. 

Foi o nosso Deus-Solidário que pagou a primeira prestação e que pagará a segunda. E hoje nos comemoramos aquele primeiro pagamento. Hoje, no Natal, nós festejamos aquele ato, no qual percebemos: o nosso Deus, o Deus de Jesus Cristo, não é um deus-tirano, mas um Deus que sente conosco que sofre conosco, que participa da saudade e do anseio de cada um de nas; um Deus que no Natal começou a curar as chagas.

É por isso, prezada comunidade, que o Natal é a festa máxima da Cristandade - e mais, de toda a humanidade; é por isso que o Natal é a festa do amor, a festa da alegria. A festa em que deveríamos sair cantando por aí. E assim, só para finalizar, clamando com o apóstolo Paulo: Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos! Amém. 

Oremos: Nosso Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e por seu intermédio nosso Pai, dá que cale fundo em nós a tua mensagem que hoje nos deste. Ajuda-nos a compreender e aceitar a tua solidariedade, e faze com que a passemos adiante. Por Jesus Cristo. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Dia de Natal
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19925

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É totalmente insuportável que em uma Igreja cristã um queira ser superior aos outros.
Martim Lutero
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