Celebração


ID: 2651

Ezequiel 37.1-14

Auxílio Homilético

14/04/1990

Prédica: Ezequiel 37.1-14
Autor: Edmundo Grübber
Data Litúrgica: Sábado Santo
Data da Pregação: 14/04/1990
Proclamar Libertação - Volume: XV


l — Introdução

O texto Ez 37.1-14, de acordo com vários comentários à minha disposição, serviu normalmente como base para a pregação no 29 dia de Páscoa (segunda-feira após Páscoa). Herbert Breit lembra que este texto também já foi usado para a pregação no dia de Pentecostes. Certamente, diz ele, porque o pregador sentiu uma grande afinidade entre a ação do vento, do espírito, descrita neste texto, com a ação do Espírito Santo de At 2. Como texto marginal também já foi usado para a pregação no 24º. domingo após Trindade.

Para o ano de 1989/90 o texto em epígrafe está previsto para o Sábado Santo, o sábado entre a Sexta-feira Santa e o Domingo da Páscoa. Mesmo sabendo que são raras as comunidades que têm culto programado para o Sábado Santo, creio que o texto perfeitamente pode ser usado para a pregação na Páscoa. Outrossim, ao meu ver, tomando em consideração a situação de miséria e de desesperança em que vive a grande maioria do povo brasileiro, o texto serve muito bem para nos animar na expectativa de libertação.

Quanto ao livro de Ezequiel, quero apenas relembrar que o profeta integra o grupo de judeus deportados com o rei Joaquim em 598/597 a.C. para a Babilónia. Para maiores informações sobre o profeta e a situação em que se encontrava o povo naquela época, veja: Kirst, Nelson, in: Proclamar Libertação II, p. 97, e Gottwald, Bruno, in: Proclamar Libertação VIII, p. 55.

II — O texto

A nossa perícope divide-se em duas partes: Vv. 1-10 descrevem a visão tida por Ezequiel.
Vv. 11-14 contêm a interpretação e/ou aplicação da referida visão. Ambas as partes estão intimamente ligadas. A segunda parte (vv. 11-14) é, por assim dizer, a mensagem propriamente dita que se destina ao povo.

O profeta, como nos conta o v. l, é levado pela mão ou pelo Espírito de Deus para um vale que se achava coberto de ossadas humanas. Mesmo que não seja citado o nome do vale, este deve ter sido do conhecimento do povo, pois é citado em outras passagens do livro simplesmente como o vale (cf. 3.22). Deve, conforme vários exegetas, tratar-se do vale junto ao rio Quebar (1.1) nas proximidades de Tel-Abibe (3.15). Também não há referência ou indicação sobre a origem das ossadas. Poderiam ser ossadas de pessoas mortas em combate e/ou durante a deportação ao exílio. Como ninguém as enterrou, répteis comeram a carne dos cadáveres, deixando os ossos expostos ao sol, que agora já se acham totalmente ressequidos.

Após conduzi-lo por todos os lugares do vale (v. 2), obrigando-o, por assim dizer, a pisar nas ossadas e passar por cima delas, Deus pergunta a Ezequiel: ... acaso poderão reviver estes ossos? (v. 3). A razão humana responde com um claro e decidido não. Pois, o que o profeta vê e experimenta neste vale é o poder da morte, que através das ossadas sequíssimas documenta seu senhorio sobre tudo o que vive.

A resposta de Ezequiel deixa, porém, transparecer algo da tensão que nele se estabelece em vista daquilo que, por um lado, a razão afirma e, por outro, o que a sua experiência de fé lhe procura transmitir, a saber: que para Deus nada é impossível. Toda a tensão que se estabelece diante da realidade que vê à sua frente, entre a razão e a fé, ele traduz com a tímida e humilde resposta: Senhor Deus, tu o sabes (v. 3).

Deus, como que ansioso para dirimir todas as dúvidas e incertezas do profeta, utiliza-se deste - ainda abalado pelo que vê à sua frente e pelo desafio que lhe foi lançado por Deus - para manifestar o seu poder. Ezequiel recebe a ordem de profetizar a estes ossos (v. 4). E, enquanto fala, concretiza-se, realiza-se a profecia, evidenciando assim a onipotência de Deus e, ao mesmo tempo, que palavra de Deus é sempre e simultaneamente ação. A concretização da profecia acontece em dois momentos:

19 - Os ossos começam a movimentar-se, ajuntar-se osso a osso através de tendões. Carne e pele se estendem sobre eles, ainda lhes falta, porém, a vida (cf. vv. 7-8).

29 — Somente após o cumprimento de nova ordem dada por Deus ao profeta no sentido de profetizar ao espírito para assoprar sobre estes mortos, eles revivem e se põem em pé (cf. vv. 9-10 e Gn 2.7).

A partir do v. 11 Deus comunica o significado desta visão para o povo de Israel. O povo, no exílio, longe de sua terra, longe do templo, está desanimado, desesperado. Não vê mais saída nem futuro para si. Considera-se morto, seco qual esses ossos, sem esperança (v. 11). Deus, porém, manda o profeta proclamar ao povo que nem tudo está perdido. Ao contrário, algo totalmente novo irá surgir. Do ponto de vista humano, do ponto de vista da razão humana tudo está acabado. Deus, porém, começa a agir exatamente quando humanamente tudo parece perdido. Deus promete agir e fazer ao povo reconhecer que ele é o Senhor (v. 13). Ele abrirá as sepulturas e fará o povo sair delas e o reconduzirá à sua terra (v. 12).

III — Meditação

Partindo da realidade em que vive a maioria do povo brasileiro, somos tentados a aplicar o texto de nossa perícope na íntegra a ele. Pois originalmente o texto não fala da ressurreição dos mortos. A confissão do 39 artigo do Credo Apostólico, Creio (...) na ressurreição do corpo e na vida eterna, não fazia parte do vocabulário do profeta. Originalmente o texto fala, expõe e anuncia a libertação e restauração político-social e espiritual do povo de Israel. O povo, no exílio, assemelhava-se às ossadas do vale. Dizia: Os nossos ossos se secaram, e pereceu a nossa esperança; estamos de todo exterminados (v. 11b). O texto fala, isto sim, de um povo desesperadamente abandonado, explorado e sugado que precisa de novo alento e estímulo.

Qual a diferença entre a situação vivida pelo povo de Israel no-exílio e a situação em que vive a maior parte do povo brasileiro? A diferença, assim poderíamos dizer, é que não vivemos no exílio. Mas, ser explorado, sugado e escravizado no próprio país, por membros do próprio povo, não é pior ainda? Milhares de brasileiros também podem afirmar: os nossos ossos secaram de fome e de subnutrição; pereceu a nossas esperança depois de tantos Planos, Cruzado I, Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão e, agora, Plano Verão II; estamos de todo exterminados, os poderosos fazem conosco o que querem. Nós estamos impotentes!

Diante do exposto, se nos colocam duas questões:

19 - É legítimo usarmos este texto para uma pregação sócio-política para dentro de nossa realidade, anunciando que o cativeiro, a exploração terá fim? Que o dia da libertação do povo brasileiro se aproxima? Que Deus vai fazer soprar os seus quatro ventos, o seu Espírito Santo, e que todos os cadáveres ambulantes brasileiros irão se mexer, formando um exército sobremodo numeroso (v. 10)?

29 — Ê legítimo usarmos este texto para a pregação no Sábado Santo, que antecede o Domingo da Páscoa, o dia da ressurreição de Cristo, através da qual nos é anunciada a nossa própria ressurreição no fim dos tempos? Esta pergunta procede, tomando-se em consideração que originalmente o texto não visa à ressurreição dos mortos, pois, na época de seu surgimento, na época de Ezequiel, a fé na ressurreição dos mortos era desconhecida.
Conforme Theodor Schaller, que cita Zimmerli em sua meditação sobre esta perícope, tanto a sinagoga quanto a Igreja Primitiva, no entanto, já interpretavam o reviver das ossadas na visão de Ezequiel não como símbolo da libertação do povo de Israel exilado, mas o entendiam como anúncio da ressurreição dos mortos.

Pessoalmente penso que ambas as possibilidades arroladas são perfeita¬mente legítimas. Caso contrário, diria que o texto seria, então, impróprio para as duas ocasiões. Justifico:
ad 1) Mesmo tratando-se de um texto que tem outro contexto que o contexto em que vive o povo brasileiro, mesmo tratando-se de um texto que foi dirigido ao povo de Israel numa realidade histórica concreta e vivencial, creio que Deus nos dá a liberdade de usá-lo como exemplo, como ilustração para a sua ação libertadora na história.

O povo de Israel, ao longo de sua história, comprovou que a libertação de uma situação difícil, de miséria e de exploração não significa a concretização, a restauração do paraíso perdido, o Reino de Deus, a vida em plenitude. Como exemplo cito: Apôs a sua libertação do Egito (ÊX 12ss.), o povo enfrenta novos desafios, novas lutas e dificuldades. Também a sua volta do exílio babilónico não lhe trouxe o Reino de Deus. Este somente Deus trará e estabelecerá plenamente, ao completarem-se os dias. Este fato, porém, não invalida a luta e o empenho sempre novo do povo para colocar sinais deste Reino. Este fato, ao contrário, como mostra o nosso texto, quer encorajar-nos para sonhar com o Reino de Deus, um reino de justiça, de amor e de paz e engajar-nos, empenhar-nos, colocando já agora sinais concretos deste reino também no Brasil. Por conseguinte penso que o texto pode ser usado perfeitamente para uma pregação de encorajamento ao povo brasileiro. Este povo que, de tanto sofrer, já se tornou indiferente, descrente e apático para tudo que acontece ao seu redor, precisa receber uma injeção de ânimo e de impulsos para não esmorecer.

ad 2) Não é através deste texto que chegamos ou chegaremos a crer em nossa própria ressurreição no fim dos tempos, mas sim através da ressurreição de Jesus Cristo, que se tornou as primícias dos que dormem (l Co 15.20). Ele é a garantia de nossa ressurreição. A nossa perícope serve muito bem para ilustrar, para mostrar o poder e a ação de Deus. Com o auxílio deste texto podemos muito bem ilustrar os relatos que o Novo Testamento nos transmite sobre a ressurreição de Cristo e a esperança da nossa própria ressurreição, eliminando nossas dúvidas e incertezas, capacitando-nos a responder à pergunta ...acaso poderão reviver estes ossos? confiantemente: Senhor Deus, tu o sabes. Pois aquele Deus que, ao criar o ser humano, lhe soprou nas narinas o fôlego de vida (Gn 2.7) tem poder para fazer ressurgir os mortos, mesmo que seus ossos estejam sequíssimos e espalhados pelo vale ou tenham voltado a ser pó, do qual foram formados.

IV — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor Deus, nosso Pai, por Jesus Cristo. Obrigado por podermos chamar-te de Pai e por podermos aproximar-nos de ti em oração. Temos muita necessidade de dizer-te o que nos oprimo c nos preocupa. Oprime-nos e preocupa-nos o fato de que, como cristãos, como aqueles que tu escolheste, tanto falhamos. Queremos, por isso, pedir-te perdão por todas as nossas omissões, nossos erros e nossas falhas que diariamente cometemos. Queremos pedir-te perdão por nossa falta de fé e confiança no teu poder e na tua ação e graça. Ouve-nos, Senhor, e perdoa-nos, quando agora com toda a humildade e sinceridade clamamos: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor, estamos aqui reunidos em teu nome para ouvir a tua palavra e receber de ti orientação para a nossa vida. Elimina, por isso, agora, tudo em nós que pode perturbar o nosso ouvir atento. Abre os nossos corações e ouvidos para a tua palavra. Fala, Senhor, nós queremos ouvir. Amém.

3. Oração final: Esta, dependendo da ênfase que será dada na pregação (cf. sugestão para a meditação), ocupar-se-á mais com questões sociais que afligem o povo brasileiro e/ou com questões relacionadas com a nossa fé na ressurreição dos mortos. Ambas, no entanto, terão uma coisa em comum: o pedido por fé, coragem e disposição de agir no dia-a-dia.

V — Bibliografia

- BREIT, H. in: Calwer Predigthilfen, V. 4, p. 135ss. Calwer Verlag, Stuttgart.
- FREILING, E. Meditação in: Homiletische Monatshefte. Ano 47. Ehrenfried Klotz Verlag, Göttingen.
- GOTTWALD, B. in: Proclamar Libertação. Vol. VIII, Editora Sinodal, São Leopoldo.
- KIRST, N. in: Proclamar Libertação. Vol. II, Editora Sinodal, São Leopoldo.
- RAUSCH, W. Meditação in: Homiletische Monatshefte. Ano 41. Ehrenfried Klotz Verlag, Göttingen.
- SCHALLER, T. Meditação in: Homiletische Monatshefte. Ano 53. Ehrenfried Klotz Verlag, Göttingen.
- VOIGT, G. Die himmlische Berufung. Vandenhoeck &Ruprecht, Göttingen, 1980.


Autor(a): Edmundo Grübber
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 37 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1989 / Volume: 15
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13284

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