Celebração


ID: 2651

Efésios 5.8-14

Auxílio Homilético

03/04/2011

Prédica: Efésios 5.8-14
 Leituras: Samuel 16.1-13 e João 9.1-41
 Autor: Ervino Schmidt
 Data Litúrgica: 4º Domingo na Quaresma
 Data da Pregação: 03/04/2011
 Proclamar Libertação - Volume: XXXV

1. Introdução

Há épocas e situações diversas. Há particularidades. Não é possível simplesmente harmonizar escritos. Mas é possível destacar intenções básicas comuns. É o que a igreja pretendeu ao agrupar trechos bíblicos específi cos para os diversos domingos do Ano Eclesiástico. Temos três textos indicados para o 4º Domingo na Quaresma.

Iniciemos com 1 Samuel 16. O profeta Samuel é encarregado de escolher o líder para o povo. Na verdade, ele é apenas o mediador. Quem escolhe é Deus. E ele o faz de acordo com seu olhar peculiar. Ele não se fixa em aparências. Sinais externos de grandeza não o enganam. Não olha para os aspectos físicos ou de poder, nem para quaisquer outros indicadores que tanto contam na sociedade. Aqui, por exemplo, Deus não escolhe o mais velho dos filhos de Jessé, nem a nenhum outro dos sete irmãos, o que era de se esperar. Ele, ao invés disso, fixa-se no menor, no mais jovem, que nem sequer fora chamado para a reunião. Esse, tão pequeno e frágil, certamente não seria escolhido, assim pensavam. Mas exatamente ele, o frágil Davi, é ungido rei de Israel.

João 9.1-41 – Temos aqui um longo relato. É o episódio da cura de um cego de nascença. Fala da passagem das trevas para a luz, da cegueira para a visão. É um relato cheio de detalhes. No início está a pergunta dos apóstolos que dá a entender como eram consideradas as enfermidades no tempo de Jesus. Conforme a concepção da época, ou o pecado do doente ou de seus pais deveria ser o motivo de sua cegueira. Jesus, porém, responde: “Nem ele nem seus pais pecaram”. Importa engrandecer no cego o nome de Deus. No final, temos as fortes palavras de Jesus: ”Eu vim para este mundo para um julgamento, a fim de que aqueles que não viam vejam e aqueles que viam se tornem cegos”. Nesse relato aparece também sua afi rmação: “Enquanto eu estiver no mundo, eu sou a luz do mundo”. Enfim, é Deus mesmo quem nos abre os olhos e nos faz ver sua suprema realidade.

Efésios 5.8-14 – O texto para a pregação. Chama atenção, logo de saída, a contraposição “trevas-luz”. Trevas eram símbolo do pecado, do desconhecimento de Deus, das ações impuras. Os cristãos, porém, são convidados a viver como fi lhos da luz, como pessoas que despertaram com Cristo do sono da morte. Agora são chamados para ser luz no mundo. Devem viver como fi lhos da luz, da qual “bondade, justiça e verdade” são os frutos. Mas, assim como nos outros dois trechos bíblicos mencionados, também aqui a iniciativa é de Deus. “Cristo ilumina.” Somente em sua luz, incorporados nele pelo batismo, os cristãos fazem o que é agradável ao Senhor.

2. Exegese

Temos aqui um grande documento teológico-pastoral. O desígnio de Deus, escondido durante séculos, revelado em Jesus Cristo, desemboca na igreja. O. Cullmann já dizia: “A doutrina central da epístola aos Efésios é eclesiológica, quer dizer, que ela tem por assunto a igreja e as relações de Cristo com ela” (A Formação do Novo Testamento, p. 75). Várias fi guras comparativas são usadas na carta para destacar essas relações. A igreja é para Cristo o que o corpo é para a cabeça, o que a esposa é para o marido (cf. 1.23 e 5.21ss). O interesse está no crescimento desse corpo e na edifi cação da casa de Deus. “Integrados pelo batismo nesse conjunto no qual estão reunidos Israel e as nações pagãs, os cristãos se transformam no homem novo. Por meio do louvor, do conhecimento e da obediência, eles constituem o núcleo da reunifi cação do mundo que Cristo reconciliou em sua morte” (TEB, Introdução à Epístola aos
Efésios). Temos no coração da história uma nova criação de Deus. Através do instrumento igreja o seu desígnio tem continuidade. A redenção realizada em Cristo deve repercutir em todo o universo. Para isso, é necessário estar integrado no corpo de Cristo pelo batismo. A relação igreja-batismo é essencial. Aliás, muitos pesquisadores veem no capítulo 5 partes de uma instrução batismal. E o último versículo de nossa perícope é tido como fragmento de uma antiga liturgia batismal. Ele, por sua vez, é uma citação de Isaías 60.1: “Põe-te de pé e torna-te luz, pois está chegando a tua luz: a glória do Senhor se levantou sobre ti”. Aqui a palavra passa a ser uma conclamação para a presença transformadora das comunidades cristãs no mundo.

Olhemos mais de perto a nossa perícope. Chama atenção o emprego dos contrastes. “Outrora-agora”, “trevas-luz”. “Outrora éreis trevas, porém, agora, sois luz no Senhor” (5.8a). Já no capítulo anterior aparecem as contraposições “dissolução-santidade cristã” e “o velho e o novo”. Os cristãos não andam como os gentios que vivem “na vaidade dos seus próprios pensamentos”, que são obscurecidos de entendimento e entregam-se à dissolução. Eles são conclamados, isto sim, a revestir-se do novo homem “criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (4.24). O dualismo “trevas-luz” não é muito frequente no Novo Testamento. Aparece principalmente em Efésios e na Epístola aos Colossenses. Mesmo assim, não se trata aqui de um dualismo de distintas esferas, de dois mundos em guerra, do bem e do mal. Não se defende uma concepção de mundo a partir de dois princípios opostos e irredutíveis entre si. Não é por aí que se argumenta. Ao contrário, abandona-se esse tipo de raciocínio especulativo em favor de uma compreensão existencial.

O acento recai sobre ser luz e andar na luz. E mais: Os cristãos não são luz a partir do desenvolvimento de alguma potencialidade inerente a eles próprios. Essa seria uma concepção gnóstica. O ser humano liberta-se a si mesmo através de algum exercício de autocompreensão. Basta ter o conhecimento necessário. Dessa forma chega-se a ser iluminado. Os cristãos “são luz no Senhor”. Não temos luz própria! Podemos dizer: luz vem de luz. Vem de fora. É o extra nos, tão caro à teologia da Reforma. É graça!

Isso posto, estamos em condições de entender melhor a exortação: “Andai como fi lhos da luz” (v. 8b). Aquela velha difi culdade de relacionar corretamente indicativo e imperativo está solucionada em nossa perícope já na afi rmação de abertura. E todas as demais recomendações que seguem devem ser vistas nessa mesma perspectiva da graça. “Andar como filhos da luz” implica sempre provar “o que é agradável ao Senhor” (v. 10). É a necessária orientação na caminhada. Perguntar pela vontade divina faz parte do ser luz-refl exo daquele que é a Luz. E outra vez uma imagem: “os frutos da luz”. Que feliz expressão! A boa árvore traz bons frutos (Mt 7.17). Simplesmente os traz. É de sua natureza. Do mesmo modo, a luz ilumina, dissipa as trevas e traz à luz as obras infrutíferas, as que não alimentam para a vida.

Os cristãos anunciam e, ao mesmo tempo, denunciam o que não coopera para o sustento da vida humana e social. Mas essa denúncia ocorre naturalmente. O próprio testemunho cristão expõe o que não promove “bondade, justiça e verdade”. É, por assim dizer, consequência automática. Não há necessidade de “guerra santa”. “Mas todas as coisas, quando reprovadas pela luz, se tornam manifestas” (v. 13).

E, por fim, “desperta, ó tu que dormes” (v. 14a). O símbolo da luz leva o autor a acrescentar essa palavra, conhecida dele e da comunidade, que mais uma vez relaciona a luz com Cristo. É uma referência, como dissemos acima, à celebração do batismo.

3. Reflexão

Na série Proclamar Libertação, encontramos duas boas interpretações sobre Efésios 5.8-14. A primeira (em PL III) é de autoria de Huberto Kirchheim. Ele parte da realidade das comunidades. Observa passividade e indiferença. Percebe a estrutura da comunidade de atendimento, “da comunidade de consumo”. Preocupado, constata que a vida é muito restrita ao culto dominical e fica “sem expressão maior para dentro da realidade de vida no contexto social, político e econômico do país. A maioria das comunidades se assemelha a guetos dentro do mundo”. A igreja precisa ser manifestação vivencial! E é nesse sentido que entende “andar como fi lhos da luz”. O cristianismo caracteriza-se por sua “dinamicidade, pela sua expressão concreta de vida”. A segunda interpretação (em PL 24) foi escrita por Werner Fuchs. O autor acentua o “caminho de baixo”, o caminho da cruz. Volta-se contra uma distorção da mensagem de Efésios por grupos carismáticos radicais e de evangélicos agressivos que propagam uma teologia da “batalha espiritual”. Também o simbolismo trevas-luz está, conforme ele, sendo entendido no esquema de “guerra”: trevas infernais contra luz celestial. Tal leitura “beligerante” é, assim Fuchs, equivocada.

Igualmente o “andar na luz” não pode ser uma ordem legalista. Ser luz é graça! Ambas as interpretações destacam a gratuidade da salvação. Isso é muito procedente. O autor da Carta aos Efésios realmente descreve a vida cristã, a vida da igreja com base no agir amoroso de Deus, que a tudo antecede. Os cristãos foram acordados, despertados para uma nova vida. Foram colocados na luz. Somente integrados em Cristo podem eles próprios ser luz, luz do mundo. O próprio imperativo “desperta” só é possível porque o antecedeu o chamado para acordar. Os membros da comunidade são admoestados a andar “como filhos da luz”, porque já “são luz no Senhor”.

Esse raciocínio todo aponta para o batismo. Já dissemos acima que o trecho da epístola previsto para a prédica no 4º Domingo na Quaresma tem a ver com instrução batismal e que o v. 14 parece ser um fragmento litúrgico. No Batismo, a luz do Ressurreto é lançada sobre nossa vida. “Pelo Batismo nós somos ligados tão intimamente a Cristo, que a sua morte se torna a nossa morte e a sua ressurreição a nossa ressurreição” (H. Kirchheim).

Poderíamos dizer que tudo mais é decorrência. O agir dos cristãos no mundo é consequência do estar em Cristo. Assim, o mesmo não será legalista, não será pesada observância de um sem-número de leis, nem adoção de um determinado estilo de vida (way of life). Nosso agir acontece na régia liberdade dos filhos e das filhas de Deus. Mas é exatamente assim que a presença cristã fará toda diferença! Simplesmente com nossa vivência, com nossa maneira de ser vamos contribuir para que se instalem “bondade, justiça e verdade”, ou seja, os frutos da luz. Simplesmente deixando a bondade luzir é que o mal se tornará manifesto. Como cristãos seremos automaticamente críticos, mas jamais arrogantes. Não assumiremos a atitude de quem sabe tudo melhor e para tudo tem solução pronta.

A atitude da bondade é o diálogo. É dessa a maneira que não somos “cúmplices nas obras infrutíferas das trevas ”. É essa a maneira de reprová-las. É nesse espírito que cristãos buscam viver o evangelho no pequeno círculo pessoal, em sua comunidade e na sociedade. Como exemplo de um envolvimento político-social mais amplo, poderíamos citar as Campanhas da Fraternidade Ecumênicas. Na virada do milênio e no contexto do Grande Jubileu, as igrejas, reunidas no CONIC, realizaram a primeira campanha ecumênica sob o tema “Dignidade Humana e Paz”, com o lema “Novo Milênio sem Exclusões”. Foi gratifi cante ver como em todos os lugares surgiram grupos ecumênicos para discutir o tema e planejar mobilizações. Realmente, encontramos muita gente disposta a iniciar o novo milênio mais unida e mais solidária com os que sofrem.|

A Segunda Campanha da Fraternidade Ecumênica aconteceu em 2005. E o tema foi: “Solidariedade e Paz” – “Felizes os que promovem a paz”. O objetivo foi contribuir para a superação da violência em nosso país. Reconheceu-se a necessidade de superar o espírito, a lógica e a prática da violência, tanto direta como estrutural, e de se opor a qualquer forma de exclusão e intolerância. Reconheceu-se a necessidade de promover uma cultura de paz. A terceira Campanha da Fraternidade Ecumênica, a deste ano de 2010, teve por tema “Economia e vida” e como lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6.24c). Mesmo que à primeira vista não pareça, continua presente aqui a preocupação com paz e vida digna das campanhas anteriores.

Não há paz quando o interesse econômico sacrifi ca pessoas e cria desigualdades inaceitáveis. Viver a fé signifi ca enxergar essa realidade. Não podemos fechar os olhos diante dela. Importa sermos “luz do mundo” nessa situação e dar testemunho de “bondade, justiça e verdade”. Devemos ser irmãs e irmãos!

Quem se conforma com um sistema econômico que marginaliza e gera desespero para tantas pessoas de fato não está sendo irmão. Nossa fraternidade tem que incluir tudo o que atinge a família humana. Exatamente nessa consciência foi formulado o objetivo da campanha: “Unir as pessoas de boa vontade na promoção de uma economia a serviço da vida, sem exclusões, contribuindo na construção de uma cultura de fraternidade e paz”.

Ser luz do mundo signifi ca para nós envolvimento não somente nos assuntos do nosso pequeno círculo, de nossa comunidade local, mas também nas questões que afetam a vida do nosso povo.

4. Dicas para a pregação

4.1 – Sugiro iniciar, convidando os ouvintes para uma breve recordação do Batismo. É nele que se dá a passagem das trevas para a luz. Agora “vós sois luz no Senhor”. Que consequências isso traz?

4.2 – Leitura do texto.

4.3 – Meditar, no sentido pleno da palavra, sobre a relação “Jesus, a luz da vida” e “vós sois a luz do mundo”. Não temos luz própria!

4.4 – “Andai como filhos da luz.” Vivência cristã no dia-a-dia, na sociedade. Imagino que se poderia trabalhar, a título de exemplo, a responsabilidade cristã no tocante à temática da CF 2010-Ecumênica. Mas sempre destacando o caráter livre, leve e dialogal do nosso agir. Que nossa contribuição aconteça em humildade e não de cima para baixo.

4.5 – Somos uma comunidade, uma igreja, com suas limitações e falhas, mas cada membro individualmente e todos em conjunto, por mais pálida que seja nossa luz-refl exo, faremos a diferença no mundo. Isso porque estamos “na luz do Senhor”. Acontecem tantos “frutos da luz” na igreja e através dela. Não há razão para desânimo, mas para agradecimento.

5. Subsídios litúrgicos

Saudação:

Luz de Deus, Inunda a terra, visita nossos corações e permanece conosco.
Um salmo dos nossos dias:
A ressurreição de Jesus
Nos anuncia a esperança
De tempos novos.
Tudo poderá ser diferente.
Pedras são removidas,
Lágrimas enxugadas,
Medos vencidos.
A luz que nos ilumina
É mais forte do que
A escuridão da noite.
O ódio não prevalece
Contra o amor,
Os humildes triunfam,
Bondade, justiça e verdade
Se instalam.
Os céus se abrem,
A luz divina resplandece.
“Desperta, ó tu que dormes,
Levanta-te de entre os mortos,
E Cristo te iluminará.”

Bibliografia

FRIEDRICH, Johannes. Meditação sobre Ef 5.8b-14. In: BONHAEUSER, H. Neue Calwer Predigthilfen, ano II, v. B. Stuttgart, p. 107-115.
FUCHS, Werner. Meditação sobre Ef 5.9-14. In: SCHNEIDER, N. e WITT, O. (Coord). Proclamar Libertação, v. 4. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 105-110.
KIRCHHEIM, Huberto. Meditação sobre Ef 5.9-14. In: Van KAICK, Baldur (Coord). Proclamar Libertação, v. III. São Leopoldo: Sinodal, 1978. p. 153-160.
OTTO, Gert. Denken um zu Glauben. Hamburg: Furche-Verlag, 1970. p. 92-96.
 


Autor(a): Ervino Schmidt
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 4º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 8 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2010 / Volume: 35
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 20112

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