Celebração


ID: 2651

2 Coríntios 4.3-6 - Epifania do Senhor - 6 de janeiro de 2022

Auxílio Homilético

06/01/2022

Prédica: 2 Coríntios 4.3-6
Leituras: Isaías 49.1-7 e João 1.43-51
Autoria: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: Epifania do Senhor
Data da Pregação: 06/01/2022
Proclamar Libertação - Volume: XLVI

Epifania: tempo de tirar o véu

1. Introdução

Hoje se inicia o tempo da Epifania – a festa da revelação. O menino Jesus, recém-nascido, é visitado por sábios, guiados pela estrela, vindos do Oriente. A luz é um elemento forte, presente nessa celebração: a estrela, que resplandeceu sobre a estrebaria de Belém, anunciou a vinda do Messias e guiou os estudiosos.

Gosto de pensar que os sábios, estudiosos das estrelas, vindos do Oriente, são os cientistas de sua época. Assim a encarnação do menino Jesus, ao ser visitado por cientistas estrangeiros, dá amostras de que o Messias (e, consequentemente, as pessoas que o seguem) vai estar em constante diálogo com o saber, com o estudo, com a ciência – contra a religiosidade rasa – e vai abarcar pessoas de todas as raças, sem preconceito. O primeiro passo para uma teologia cristã que sabe dialogar com a ciência começa a ser desenvolvido com esse episódio bíblico.

O apóstolo Paulo, na perícope que serve de base para a pregação, aponta para o fato de que o evangelho está encoberto para uma parcela das pessoas da comunidade de Corinto. A expressão “encoberto”, conforme se pode ver no estudo que segue, significa, no texto, “coberto com um véu”.

Ora, Epifania significa revelação. E revelação vem do latim revelatio, que significa “ato de mostrar, descobrir, destapar”. Essa expressão, por sua vez, provém de revelare: “re” (indica oposição, o contrário) + velare (indica cobrir, tapar – com um velum = véu). Logo, a palavra Epifania carrega consigo uma revelação, ou seja, o ato de tirar o véu.

Singelamente, desejo que o presente estudo seja uma forma de “tirar o véu” e exibir o evangelho da graça e do amor, revelado em Cristo.

2. Exegese

a) A carta: Corinto era uma cidade cosmopolita. Tinha em torno de 600 mil habitantes, dos quais boa parte era de escravos. Havia dois portos importantes na cidade. Por isso ela era comercialmente movimentada e reunia pessoas oriundas das mais diversas origens: grega, fenícia, egípcia, asiática, judia e romana. Nesse contexto multicolorido e de grande desnível social, Paulo encontrou também uma cidade dominada pelo anseio pelo poder, formada por diversas religiões, culturas e filosofias.

A Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios é a mais pessoal das cartas que o apóstolo enviou para diversas comunidades e pessoas. No entanto, não é acertado interpretá-la do ponto de vista autobiográfico, porque a importância da carta está na significativa reflexão que Paulo traz sobre a responsabilidade do ministério apostólico.

Nessa carta aos coríntios, Paulo defende sua liderança e autoridade apostólica; trata das questões que estão trazendo fragmentação e divisão na comunidade; diferencia o evangelho diante das múltiplas filosofias presentes naquela cidade portuária e aponta para os sérios problemas éticos que estavam acontecendo entre as pessoas locais.

Ao ler a carta com atenção, é possível perceber mudanças de tom e de fluxo na argumentação, o que sugere tratar-se de um compilado de fragmentos de diversas cartas que foram colocados posteriormente numa sequência que não observa a cronologia de sua redação.

b) O contexto: O texto de 2 Coríntios 4.3-6 está emoldurado pelo contexto que havia na comunidade de Corinto. Inicialmente, na carta, Paulo mostra que seu ministério junto à comunidade local é fidedigno e aponta os motivos de algumas pessoas terem rejeitado o evangelho por ele anunciado. Ele denuncia que há um movimento na comunidade que procurava transformar o evangelho em mera filosofia de vida. Com isso, ele (re)coloca a cruz de Cristo como ponto de equilíbrio e referência para a vida comunitária cristã.

c) O texto: Desse contexto surge a frase condicional que abre o texto: Se o evangelho ainda está encoberto. Compreende-se o termo “encoberto” a partir do final do capítulo anterior (2Co 3.12-18), onde é trazido à memória o texto de Êxodo 34.29-35, no qual Moisés cobre o rosto com um véu quando a pele do seu rosto resplandecia depois de receber as segundas tábuas da lei. Paulo, nesse texto, escreve que até hoje o véu está posto sobre o coração humano e que a conversão diária e a vivência do batismo fazem parte do processo no qual Deus retira esse véu.

O evangelho está coberto com um véu para uma parcela das pessoas da comunidade de Corinto. Há uma força exterior ao evangelho que coloca um pano em cima dele para esconder sua essência. A essência do evangelho só pode ser compreendida a partir da cruz de Cristo. Nessa perspectiva, Paulo aponta para o que está acontecendo na comunidade. O evangelho não está escondido debaixo do véu por falta de clareza ou por ação de Deus, que ocultou o seu significado. Está escondido por obra e para aquelas pessoas que se perdem. Por um lado, os que se perdem escondem o evangelho debaixo de um pano e, por isso, não conseguem compreendê-lo. Causa e efeito misturam-se e não se sabe o que vem primeiro.

Na sequência ele trata de demonstrar para quais pessoas o evangelho está encoberto pelo véu. Ele credita essa “incredulidade” à ação do deus deste século, que cegou o entendimento de algumas pessoas. O deus deste século, para algumas hermenêuticas mais simplistas, é visto como o diabo, satanás, o demônio, em português popular, “o coisa ruim”. Prefiro pensar de forma mais ampla em relação a essa terminologia. O deus do século no contexto bíblico pode ter roupagem bem diferente nos dias atuais. O mais importante, no entanto, é que o apóstolo Paulo quer dizer que a ação do poder do mal, o diabolos (aquele que separa, que divide, que se atravessa – e que está bem presente na comunidade de Corinto) está agindo para separar as pessoas dentro da comunidade e afastando o evangelho da sua verdadeira mensagem expressa na cruz de Cristo. Esse evangelho é a revelação da glória de Cristo, que é a imagem perfeita de Deus. O rosto que Deus quis revelar para nós, ele o revelou em Cristo.

A ação do deus deste século, cegando o entendimento, torna-se, para Paulo, na incapacidade de ver a “resplandecente luz do evangelho da glória de Cristo, imagem de Deus”.

O jogo de palavras para descrever o evangelho revela e quer significar excelência, beleza ou esplendor. A luz carrega consigo o significado do conhecimento, da pureza. É aplicado ao evangelho, porque denota remoção dos pecados e da miséria das pessoas, à medida que a luz do sol espalha as sombras da noite. Enquanto isso, o deus deste século tem como objetivo impedir que a luz do evangelho brilhe sobre as pessoas (e nas relações sociais).

Com isso, o apóstolo Paulo faz uma defesa do evangelho e, na mesma medida, defende seu ministério (v. 5), quando fala que ele não anuncia (prega) a si mesmo, mas a Cristo Jesus como Senhor. À medida que o evangelho é anunciado, revela-se a verdadeira função ministerial (apostólica) do próprio Paulo, o servo, por amor de Jesus.

Para arrematar, ele traz à memória a palavra poderosa, criadora e criativa de Deus, que, na primeira criação, ordenou que a luz brilhasse instantaneamente daquela escuridão que cobria toda a face do abismo (Gn 1.3). Ele traça um paralelo, que o mesmo resplendor também brilha nos corações daquelas pessoas que são iluminadas pelo evangelho.

Ali se percebe ainda uma linha de continuação da argumentação sobre Moisés, e do brilho de seu rosto, descrito com tanta insistência no final do capítulo anterior. Moisés, ao se aproximar de Deus, no monte, a fim de receber as tábuas dos mandamentos, tinha uma comunicação com a glória de Deus, que irradiava de seu rosto quando ele desceu do monte. O evangelho é esse resplendor que faz surgir comunidade por meio da ação da glória de Deus, em Cristo Jesus, que ilumina o conhecimento.

3. Meditação

O cristianismo no Brasil é marcado pela contradição. Nem sempre é confiável (quase sempre inconfiável) no que se refere à fidelidade ao evangelho. A chegada foi por meio do padroado – a igreja e o Estado juntos (irmanados pela maldade), matando e subjugando em nome do poder e da riqueza (...e de Deus!). A invasão europeia, da forma como foi apoiada e que trouxe oficialmente a igreja para cá, manchou “de saída” o cristianismo neste solo. Com uma consciente dose de exagero, poder-se-ia dizer que Pedro Álvares Cabral, ao “descobrir” o Brasil, “encobriu” o evangelho.

Mais de trezentos anos depois, a partir da proclamação da independência do Brasil, vieram os alemães, trazendo consigo o luteranismo. Esse povo  luterano precisou viver sua espiritualidade na clandestinidade durante muitos anos, até a proclamação da república. O povo luterano, por um lado, de forma involuntária e, por outro, defendendo a necessidade de sua própria sobrevivência, inicialmente colocou-se a serviço do opressor. Espantou povos indígenas e invadiu suas terras. A história luterana é marcada pela piedade e relação próxima com o Evangelho de Cristo. No entanto, muitas vezes alimentou uma espiritualidade saudosista da Alemanha e viveu muito tempo a serviço da preservação da germanidade. Isso, ao lado da dificuldade linguística, atrapalhou a sua inserção social e política no Brasil e, consequentemente, dificultou com que o Evangelho de Cristo, interpretado à luz da teologia luterana, fizesse muito eco na sociedade brasileira.

Quase cem anos depois, já no início do século XX, veio o pentecostalismo ao Brasil. A ideia desse movimento era de reavivamento espiritual e ganhar almas para Jesus, porque a volta de Cristo e o Reino de Deus estariam próximos de acontecer. O movimento trouxe uma interpretação fundamentalista da Bíblia. É um movimento religioso que se adaptou muito bem às periferias das cidades, em pequenas igrejas distribuídas a fim de capilarizar sua inserção. A partir dali, especialmente na segunda metade do século XX, esse movimento se ramificou em numerosos movimentos e igrejas. O neopentecostalismo, com suas megaigrejas, é um dos desdobramentos resultantes. Com o advento das megaigrejas, o neopentecostalismo trouxe a teologia da prosperidade. O Reino de Deus passou a ter importância diminuída e a inserção na política, com as bancadas evangélicas, levou esse cristianismo ao poder.

Com facilidade, o apóstolo Paulo, ao olhar para essa rápida revoada em 500 anos de história da igreja no Brasil, diria que em muitos tempos, ocasiões e eventos, o evangelho estava encoberto. Estava encoberto pelo padroado, pelas diversas formas de violência que foram cometidas a partir de uma visão teológica da dominação ou pelas diversas vezes em que a cristandade se calou diante das injustiças para manter o status quo.

Em um país no qual se ouvem pessoas cristãs defendendo o uso de armas que matam a vida criada por Deus, o evangelho está encoberto. Onde se ouvem discursos de ódio, em nome de Jesus, contra minorias, o evangelho está encoberto. Onde se veem pessoas cristãs fazendo sinal de arminha com a mão dentro dos templos ou em marchas para Jesus, o evangelho está encoberto. Onde a igreja está no poder e busca o poder absoluto, o evangelho está encoberto. Onde há fome, o evangelho está encoberto. Onde há tanta diferença social, que é fruto histórico intencional, o evangelho está encoberto. Onde se nega a ciência que cura um vírus e se recorre à espiritualidade fantasiosa e à mágica, o evangelho está encoberto.

Para dentro dessa realidade é preciso dizer, em nome de Jesus, que o deus deste mundo cegou o entendimento. Interessante observar que o apóstolo Paulo não diz que “tirou o entendimento”, mas diz que cegou o entendimento (v. 4). O deus deste mundo não deixa as pessoas burras, mas as torna astutamente criminosas e más ao cegar o entendimento de que a vida é o valor supremo.

Mas o evangelho que é revelado em Cristo é a palavra de vida nova, da esperança renovada e do amor partilhado. E a mensagem animadora que o próprio apóstolo Paulo nos deixa é que a luz do evangelho livre e sem véu resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo (v. 6).

Desejo que a luz do evangelho em nosso coração ilumine o conhecimento, para que possamos proclamar que Jesus é o Senhor da vida plena, que traz liberdade e a verdadeira noção da profundidade do amor de Deus pela humanidade. Deixemos o evangelho livre!

4. Imagens para a prédica

Penso que, para a elaboração da pregação/mensagem, temos um consistente material disponível neste estudo. O tema central deve ser “Epifania: tempo  de tirar o véu”. Na introdução deste estudo, tentei tecer a relação entre a Epifania – revelação – e “tirar o véu” do evangelho, que, conforme o apóstolo Paulo, está “encoberto” para muitas pessoas.

Na parte exegética, traço algumas linhas gerais sobre a relação do evangelho encoberto e o poder de Deus para remover o véu, possibilitando que a luz brilhe plenamente na comunidade de Corinto. Da mesma forma, a parte da “meditação” é uma fonte de inspiração para a elaboração da mensagem.

Na parte dos subsídios litúrgicos, traço uma ideia bem prática para a pregação. Pode-se fazer a mensagem deste culto de forma bem interativa. A partir dos retalhos de pano, que encobrem a Bíblia e vão sendo largados pelo corredor da igreja, tem um bom material para uma dinâmica participativa de toda a comunidade. Use a criatividade.

5. Subsídios litúrgicos

Penso que cabe, neste culto, uma linda procissão de entrada da Bíblia antes da leitura do evangelho. Escolher uma música bonita e apropriada para o momento. Enquanto a música toca, uma pessoa, vestida de túnica, entra ao ritmo de uma melodia, carregando com as mãos levantadas a Bíblia aberta. Para o momento da procissão, cobrir a Bíblia aberta com retalhos de pano multicoloridos, que vão sendo tirados de cima e largados no chão ao longo do corredor da nave da igreja até chegar ao altar. Nos retalhos de pano coloridos, pode-se escrever palavras que descrevem situações que deixam o evangelho “encoberto” na comunidade de fé. Penso em palavras como: intolerância, preconceito, violência, disputas, mágoas, falsos ensinamentos, fé sem cruz, divisões, cisões, intrigas, briga pelo poder, fofocas, religiosidade rasa, falta de comprometimento, pobreza, miséria... (enfim, a equipe de liturgia pode fazer uma tempestade de ideias para nominar sentimentos, ações e situações locais que “encobrem” o evangelho). Durante a pregação, pedir para as pessoas da comunidade que peguem os retalhos do chão e leiam as palavras. Refletir sobre as palavras e da forma como elas deixam o evangelho “encoberto”. 

Bibliografia

BORTOLINI, José. A Segunda Carta aos Coríntios – o agente de Pastoral e o Poder. São Paulo: Paulus, 1997.
Website: .


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Autor(a): Eloir Enio Weber
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Epifania

Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 3 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2021 / Volume: 46
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 68568

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