A seção Comportamento, na revista IstoÉ, publicou em sua última edição reportagem sobre o perfil da pessoa humana moldada pelo contexto das variações da sociedade. A avaliação decorre da análise feita sobre as constantes mutações humanas em meio às correntezas históricas vivenciadas ao longo da existência humana. São experiências que determinam o comportamento do ser humano na atualidade. Destaca o artigo que a história mais recente revela fases diferenciadas e distintas, uma se sobrepondo ou marginalizando a outra. A era da modernidade resultou no fortalecimento do individualismo e da ideologia do mercado, banindo a tradição e a fé sob a promessa da felicidade individual e do bem-estar geral. Paralelamente, sucedia a escalada da cultura hedonista, promovendo, de modo festivo, a revolução sexual e comportamental, instalando o vale tudo e a libertinagem. O artigo em questão desemboca na constatação da superação da modernidade e do tempo da pós-modernidade. Conclui que a humanidade convive agora com a sociedade dos excessos, pautada pelo exagero. O que vale é o conceito do hiper. O mundo dos negócios vislumbra a hiperempresa, a sociedade mercantil se entusiasma com o hipermercado, o hiperluxo pode ser menina dos olhos, a hipertecnologia é fascinante, na esfera pessoal, o acento está no hipermodelo e na hipervaidade..
Em meio ao labirinto das hiperofertas do mundo hipermoderno, e face à cultura dos exageros, o ser humano está desorientado, estressado, ao invés de ver contemplada a realização de sua felicidade pessoal. Em razão dessa realidade, Jorge Forbes, psicanalista, lança a pergunta: para onde ir? Se a pós-modernidade foi uma festa, a hipermodernidade aplica efeitos da ressaca, concluiu criticamente o filósofo francês Gilles Lipovetsky. A indagação nem é tão nova assim. Ser humano (=Adão), onde estás? É a pergunta que Deus-Criador dirige à pessoa humana no jardim do Éden, segundo a tradição bíblica, o lugar simbólico do paraíso. Homens e mulheres insatisfeitos com a identidade que lhes foi concedida e desejosos de auto-suficiência somente conseguem esconder-se do Deus soberano. Homem onde estás? Para onde ir?
Com certeza, a crítica mais qualificada do ser humano não provém de dentro do próprio ser humano. Jürgen Moltmann, teólogo europeu, aponta criticamente a tendência da absolutização da humanidade da pessoa humana, tentação esta que resulta na promoção dos humanos à qualidade divina. O potencial de homens e mulheres, a sua criatividade, a sua capacidade intelectual, bem como o coeficiente de suas inteligências são grandezas fascinantes. A divinização humana decorre dessas qualidades. A história da humanidade nos contempla com exemplos nefastos dessa realidade. Igualmente são conhecidas as conseqüências trágicas que esse projeto trouxe ao mundo criado. Deus não reparte com os seres humanos o poder e a honra, qualidades exclusivas suas. Divide, isto sim, com toda a humanidade, a misericórdia e o perdão: Romanos 11, 32.
Os olhos da fé nos levam a interpretar a vida, seus valores, sua ética, o comportamento individual e coletivo, e também suas fraquezas e limites usando as lentes do Deus revelado em Jesus Cristo. Deus mesmo é a instância crítica do ser humano. É Ele quem, a exemplo da Torre de Babel, impede que as torres humanas cresçam a tal ponto de invadirem o espaço celestial, lugar exclusivo da habitação de Deus e expressão da sua soberania. Cooperar na missão de Deus é estar consciente dessa crítica! Jesus Cristo é a personificação do novo ser humano, em todos os tempos. Aos olhos do cristianismo, Jesus Cristo, o crucificado, personifica e expressa toda a miséria do ser humano, vítima do orgulho próprio, da cultura dos excessos, vítima da falta de ética, da ausência de valores verdadeiros, cujo desejo é a autodeterminação, legislando neste mundo como se fosse Deus.
Simultaneamente, o homem sob o impacto da cruz, é paciente do amor de Deus. Em razão do evento da Páscoa, o Deus Jesus Cristo semeia este amor no chão da humanidade e de toda a criação. O caminho do futuro é, de fato, um caminho - deixou de ser beco sem saída. Por isso, viver servindo faz sentido! Vida de qualidade não acontece sob os efeitos e a partir dos projetos de autopromoção inspirados na ideologia da hipermodernidade. O conceito antropológico desenvolvido pela fé cristã sublinha que a missão dos seres humanos é prestar serviço, assumir compromissos e repartir a bondade. Filhas e filhos do Deus Jesus Cristo sentem-se chamados e enviados ao mundo. Ao mesmo tempo, porém, olham para fora deste mundo, conscientes de que não temos aqui cidade permanente, buscamos aquela que há de vir. O Evangelho não é oferta fictícia, projeto virtual. É bússola orientadora, de fato!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal ANotícia - 21/08/2004