Paralelamente à Rio+20, a sociedade civil organizada está mobilizando um grande evento chamado Cúpula dos Povos, que irá reunir milhares de redes na tentativa de construção de uma voz comum que denuncie os motivos da crise ambiental e humanitária global e ofereça soluções de desenvolvimento sustentável ao planeta e ás sociedades. Igrejas, organismos e agências confessionais e ecumênicas estão unindo esforços com outras esferas para promover uma coalizão inter-religiosa inédita chamada “Religiões por Direitos”.
Um pouco de história
Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou, em Estocolmo, Suécia, uma conferência para tratar do tema do desenvolvimento humano. Aquele foi o primeiro encontro deste porte a lidar com questões que, atualmente, estão na pauta de muitos debates acerca do futuro do planeta e da humanidade. Estocolmo 1972 é considerara a pedra fundamental de um processo de reflexão e incidência em torno do tema do desenvolvimento sustentável. O evento gerou uma declaração oficial da ONU e a criação um programa de ações chamado de Programa Ambiental das Nações Unidas (PANU).
Vinte anos depois, na cidade do Rio de Janeiro, aconteceu o segundo evento marcante desta caminhada: a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), que também foi chamada de Encontro da Terra ou ECO 92. Um dos aspectos mais marcantes do evento foi a inauguração de processos paralelos organizados pela sociedade civil, que tinham como objetivo causar impacto e influência nos debates e deliberações dos líderes mundiais envolvidos na conferência oficial. Cerca de 2400 representantes de ONGs participaram da conferência e o fórum paralelo reuniu mais de 17 mil pessoas diariamente.
Quarenta anos depois de Estocolmo, e vinte anos depois do Encontro da Terra, acontece, novamente no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS). A proposta brasileira para sediar o evento foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 2009, levando em conta e o papel estratégico do Brasil na atual conjuntura global e o suposto legado simbólico do evento de 1992. A Rio+20, portanto, também é Estocolmo+40.
A Rio+20
Em tese, a Rio+20 deveria ajudar a definir a agenda em torno do tema do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Mas o que se vê, ao longo das semanas que levam às datas do evento, são sinais claros de mais uma rodada de negociações com pouquíssimos avanços por parte dos representantes dos governos de países membros da ONU.
A Cúpula dos Povos, por sua vez, cresce em visibilidade e motivação à medida que sua dinâmica se torna conhecida. Ao contrário de eventos similares, como o Fórum Social Mundial, em que seminários, oficinas e painéis acontecem de forma autônoma, a proposta metodológica da Cúpula oferece mecanismos que encorajam convergências entre temas afins e a construção participativa de uma voz comum que proponha alternativas concretas aos modelos de desenvolvimento vigentes. Isto significa que cada organização que trabalha em torno de um tema precisa buscar alianças e trabalhar em parceria com outras esferas afins. Além disso, as conclusões das atividades irão confluir para as grandes plenárias de convergência da Cúpula dos Povos, que estão divididas em cinco temas:
1. Direitos por justiça social e ambiental
2. Defesa dos bens comuns contra a mercantilização
3. Soberania alimentar
4. Energia e indústrias extrativas
5. Trabalho: por outra economia e novos paradigmas de sociedade
Religiões por Direitos
Tradicionalmente, o movimento ecumênico sempre esteve envolvido em iniciativas desta natureza. Seja em nível local ou global, muitas organizações tem em sua agenda de prioridades a participação em espaços de incidência pública, como esta proposta pela Cúpula dos Povos.
Motivadas pela Rio+20 e a Cúpula dos Povos, as organizações do Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil), passaram a articular a formação de uma coalizão com vistas a uma participação coordenada e coesa na conferência da ONU e na Cúpula dos Povos. A proposta ganhou adesão de mais organizações locais e internacionais durante a realização do Fórum Social Temático, em janeiro deste ano, em Porto Alegre. A coalizão passou, então, a ser um projeto bilateral (igrejas e organizações ecumênicas do Brasil + internacionais) com o objetivo de construir uma posição em torno do tema da justiça social e ambiental, contra a mercantilização da natureza e da vida e para o bem de recursos comuns, englobando iniciativas autônomas, facilitando as conexões e comunicação entre as diferentes iniciativas de construção e coordenação de processos de consenso comum.
Coube a Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, organização membro de ACT Aliança com sede no Rio de Janeiro, assumir a coordenação prática da participação ecumênica na Cúpula dos Povos. Rapidamente, tornou-se claro que a coalizão poderia (e deveria) ser mais inclusiva, incorporando a herança multilateral da ECO 92 e tornando-se inter-religiosa e em busca de consolidar-se como ponto de referência para todas as expressões religiosas que buscam expressar sua contribuição por um mundo melhor na Rio+20 e na Cúpula dos Povos. Com esta nova envergadura, a coalizão ecumênica passava a chamar-se “Religiões por Direitos”, pois o pano de fundo comum entre as expressões e organizações religiosas envolvidas nesta articulação é o esforço para promover os Direitos (humanos, civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais).
Religiões por Direitos é fruto de uma articulação em três níveis. O primeiro a articular-se foi o Fórum Ecumênico Brasil (FE ACT Brasil), que é o fórum nacional de ACT Aliança, organismo que reúne mais de 100 organismos e agências cristãs de ajuda humanitária, apoio a projetos de desenvolvimentos e iniciativas de incidência pública. O FE ACT Brasil inclui diversas expressões do cenário ecumênico no Brasil, como, por exemplo, o PAD (Processo de Articulação e Diálogo entre agências ecumênicas).
O segundo nível dessa grande articulação é a cooperação internacional ecumênica, formada por organizações e igrejas que compõem o Conselho Mundial de Igrejas, ACT Aliança, a Ecumenical Advocacy Alliance, a Aliança Anglicana, APRODEV, Christian Aid, EED, ICCO/Kerk in Actie e CIDSE.
Finalmente, há o grupo inter-religioso do Rio, com o legado das iniciativas inter-religiosas da ECO 92 e suas conexões nacionais, continentais e internacionais. É também neste nível que está a participação do Comitê para a Diversidade Religiosa, promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal.
A Cúpula dos Povos reunirá, diariamente, cerca de 60 mil pessoas no Aterro do Flamengo. Neste território, está prevista a montagem de sete tendas destinadas ao espaço “Religiões por Direitos”. Uma tenda principal, com capacidade para abrigar mais de 500 pessoas, sediará os momentos de espiritualidade no início de cada dia e eventos de maior envergadura (painéis e paletsras). Ao redor deste espaço principal, estarão montadas seis tendas temáticas (de cerca de 150 lugares cada) que irão acolher debates, painéis, oficinas e exposições organizados a partir do ponto de vista das religiões e organismos religiosos sobre temas como soberania alimentar, juventude, mudanças climáticas, justiça econômica e novos paradigmas de desenvolvimento. Um destas seis tendas será dedicada exclusivamente aos povos tradicionais de terreiros e servirá de elo entre Religiões por Direitos e o Território Afro da Cúpula dos Povos, que estará montado logo ao lado.
“Religiões por Direitos” tem assento no Grupo de Articulação (GA) da Cúpula dos Povos e vem colaborando com a metodologia e estrutura operacional da Cúpula como um todo. Esta esfera, assim como todo o processo de construção desta articulação são sinais de um novo modelo de cooperação e incidência ecumênica e inter-religiosa que vem motivando a crença de que novos ventos impulsionam as velas do velho barco ecumênico.
* Marcelo Schneider trabalha para o Conselho Mundial de Igrejas e é responsável pela secretaria executiva do espaço Religiões por Direitos.