BINÓCULO na mão, mirando o horizonte, um frísio pode preparar-se para uma visita duas semanas antes que ela chegue. Isso é ditado popular na Frísia do Norte-Alemanha, uma região de intermináveis pradarias costeiras em que o vento corre solto e move milhares de imensos moinhos de energia eólica.
As maiores elevações na costa do Mar do Norte são engenharia humana. Infindáveis diques impedem o mar de invadir ainda mais terra como no passado, arrasando campos, gado, gente e cidades. Erguidos desde o século 13 e em constante elevação, os diques são testemunhas da determinação de um povo em preservar o que é seu, com comovente amor à terra.
Nessa paisagem estranha para quem vem do montanhoso Vale do Itajaí, um grupo de brasileiros passou duas semanas de intensas experiências eclesiais. A visita entre 7 e 23 de maio integrou a parceria do Sínodo Vale do Itajaí com o Kirchenkreis Nord-Friesland, e tinha como tema a sustentabilidade.
O grupo era integrado pelos pastores Breno Carlos Willrich (sinodal), Jorge Kuhn Hirt (Benedito Novo) e Clovis Horst Lindner (Galo Verde); a auxiliar administrativa Ivanete Bruns, de Brusque, a secretária paroquial Silvana Kindel e a profissional de Informática Karina Marquardt Willrich, ambas de Blumenau.
Vento e mar – A paisagem do litoral norte da Alemanha marcou a delegação brasileira por sua extraordinária lição. Mais do que mover moinhos, o vento lança as águas do Mar do Norte com fúria regular contra o continente, arrancando tudo.
As visitas às ilhas de Nordstrandischmoor, Hallig Hooge e Pellworm revelaram o significado extremo do conceito sustentabilidade. No passado, todas elas eram parte do continente. O mar levou tudo, até vilas inteiras, menos a persistência em ficar e a disposição de recomeçar. “Ouviram os sinos tocando? Vocês acabaram de passar por cima de uma vila que o mar levou”, gracejou o presidente da comunidade luterana de Pellworm, quando atracamos na ilha.
A igreja de Hallig Hooge – erguida sobre uma das muitas Warften (elevações artificiais para manter as construções fora d’água) – é um quebra-cabeças de diversos outros templos destruídos pelo mar há séculos. Enquanto os homens caçavam baleias, as mulheres reergueram o templo e as casas, mantendo a esperança e o lar.
A ilha de Pellworm tem 34 Km2 e 1200 habitantes. Fica mais de um metro abaixo do nível do mar, é cercada por um dique e não recebe um único quilowatt de energia do continente. O cabo submarino serve apenas para exportar o excedente. Tudo é produzido na própria ilha, com energia solar, eólica e biogás.
Além de pastagem para o gado, as áreas inundáveis de todas as ilhas são um estratégico entreposto de abastecimento e descanso para milhões de gansos selvagens a caminho da reprodução na Sibéria. Para a natureza, um espetáculo; para os agricultores, uma verdadeira praga; para os caçadores, um alvo fácil e proibido.
Sobre os diques cobertos de verde pastam milhares de ovelhas. Sua principal tarefa é impedir que o mar os destrua. Numa ruminante sanha carpideira, suas bocas são roçadeiras e suas patas milhares de pequenos socadores, firmando a terra.
Os exemplos de determinação na luta por sustentabilidade não se esgotam. São lições perenes do que fazer para recuperar o que a humanidade destruiu da Criação de Deus. É preciso erguer diques de preservação ambiental contra os tsunamis de destruição, lançados contra a natureza pelos ventos da ganância descontrolada da humanidade ao longo de séculos de exploração predatória.
Galo Verde – Sustentabilidade não é apenas mais um tema. É confessionalidade que compromete o próprio credo. Toda a igreja da Alemanha está envolvida até o âmago. O Kirchenkreis Nord-Friesland elaborou um programa maçudo, de mais de 350 páginas, com cada detalhe do ambicioso projeto que quer levar a igreja à emissão zero de CO2 em 2050.
É ambicioso e complicado. Ainda mais numa igreja que tem 80% de seus templos – alguns com mais de 900 anos – e 60% de suas casas pastorais tombados pelo patrimônio histórico e cultural da Alemanha. Prover aquecimento e isolamento térmico sustentável em prédios assim não é exatamente uma tarefa fácil, nem barata.
O fato de o Galo Verde ser desconhecido naquelas terras de ventos enfurecidos, não significa que suas boas causas não sejam contempladas. Ele chegou ali pela mão do grupo de brasileiros, cuja passagem levou ao Norte ninguém menos que Reinhard Benhoefer, o maior especialista em Galo Verde na Alemanha, que atua na igreja de Hannover.
Aquelas 350 páginas são evidente testemunho de que a causa ambiental é um tema eclesiástico forte também aqui. Os impulsos vindos do Galo Verde e desse projeto frísio darão pano para manga no Vale do Itajaí.
“A principal lição que fica é a necessidade que temos no Brasil de planejar com maior cuidado e de manter o foco principal, sem nos perdermos em detalhes e iniciativas menores, embora também importantes”, resumiu o pastor sinodal Breno Willrich. “Temos a tendência de nos empolgar com pequenas iniciativas que acabam desfocando o todo”, completou.
De fato, séculos de paciente luta contra o vento e o mar ensinam determinação e planejamento sólido. O conjunto salvou a obra. Se aquela gente tivesse apenas erguido diques, ou somente amontoado Warften para salvar casas e igrejas, teria perdido a luta contra vento e mar. Era necessário pensar também nas ovelhas, no vento girando milhares de hélices e no sol aquecendo milhões de placas.
Agora, é possível reduzir também o impacto do progresso conquistado por meio dessa secular luta, a partir da convicção de que a Criação é de Deus, mas a responsabilidade é nossa. A igreja, na Alemanha e no Brasil, tem o grande desafio de dar o exemplo em lugar de apenas bons discursos.
Não há dúvida que esta visita foi bem preparada e aproveitada. Não somente por conta do binóculo dos frísios, mas por conta de sua secular determinação em não ficar assistindo de braços cruzados ao desenrolar da história. Estamos contagiados por isso e Deus há de nos ajudar a transformar essa força em ventos que impulsionem as hélices da determinação.