Palavra de Deus em testemunho humano

Quem fala por meio da Bíblia é o Deus que chega próximo da criatura para demonstrar-lhe seu amor. Isto não significa que Deus deixa de ser juiz. Ele não se torna “compadre”, “cúmplice”, “camarada”. Deus é Deus, o criador, o senhor do universo. Mas ele quer o bem de sua criatura. Para tanto se comunica. Torna-se “palavra”, seja em atos libertadores ou em sinais da natureza e voz de profetas. A palavra de Deus por excelência é Jesus Cristo, o verbo feito carne, passado adiante pelos apóstolos. Por isso a palavra de Deus também se fez livro. Ela se fez Bíblia, usando a escrita como meio de comunicação. Entre os veículos da palavra de Deus, a Bíblia ocupa o lugar de absoluto destaque.

Mas ela é “veículo”, não a própria carga. A palavra de Deus sempre nos atinge de maneira indireta, por mediação de terceiros. A condição humana não permite o “ver face a face” (1 Coríntios 13.12), nem mesmo o ouvir direto. Nós precisamos de sinais para perceber Deus. Tais sinais não faltam em nossas vidas. A Bíblia ajuda-nos a descobri-los. Remete à maravilha da criação, às experiências de salvação, aos compromissos do ser humano. Ela remete a Jesus Cristo, no qual a ação de Deus se tornou particularmente palpável. A Bíblia não é Deus, nem livro mágico ou sobrenatural. É instrumento da palavra de Deus e comunicadora da mesma.

É o que o apóstolo Paulo expressou por meio da imagem do tesouro em vasos de barro (2 Coríntios 4.7). O tesouro é a palavra de Deus, o evangelho, a ação de Deus em favor da criatura perdida. Enquanto isso o vaso, ou seja, o embrulho, é a palavra do apóstolo, sim, toda a sua existência, o testemunho humano a esse respeito. É ilusão querer o tesouro sem a caixa que lhe serve de transporte. A palavra de Deus não tem idioma próprio. Usa sempre linguagem humana. Também o hebraico e o grego não são línguas divinas. Deus assume o humano para se fazer entender, assim como o fez, uma vez por todas, na pessoa de Jesus de Nazaré. Convém destacar que os “vasos de barro” sempre são inferiores em qualidade ao tesouro neles depositado. O mesmo vale para a Bíblia. Ela nem sempre está à altura da palavra de Deus. Existem nela passagens fracas, obscuras. Também ela sofre sob limitações.

Isso porque oferece “testemunho”. Na Bíblia fala gente que “viu” a glória de Deus e que quer abrir também os nossos olhos. Testemunha é pessoa humana, falível, embora indispensável para a apuração da verdade. Exige-se dela não “infalibilidade”, mas “honestidade”. Quanto a isso a Bíblia não deixa dúvidas. Nela falam pessoas que, por via de regra, validaram seu testemunho com o martírio. De muitas desconhecemos o nome. Também isto é significativo. A mensagem era mais importante do que a pessoa mensageira. As testemunhas que falam na Bíblia não buscam sua própria glória, e, sim, a glória de Deus, de quem são servos e servas.

Por isso, os lados humanos não diminuem a autoridade da Bíblia. São um alerta, sim, para não confundir palavra de Deus e palavra humana. Ao mesmo tempo, engrandecem Deus, que é sempre maior do que qualquer discurso humano consegue ser.

Pastor Dr. Gottfried Brakemeier, em “Por que ser cristão?”, Editora Sinodal

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