Educação, obrigação de todos. A luta pela escola pública no plano do discurso teológico-político de Lutero

Entrevista com Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa Porto

17/09/2012

Educação, obrigação de todos
Sebastião Haroldo Freitas Corrêa Porto
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A Reforma e a educação sempre andaram de mãos dadas. Martim Lutero cobrou das autoridades investimentos nesta área e, ao mesmo tempo, incentivou os pais a que enviassem seus filhos à escola.

Há algum tempo saiu uma publicação que aponta um aspecto importante do movimento reformatório e os seus impulsos para implantação da escola pública. O livro “ Educação, obrigação de todos. A luta pela escola pública no plano do discurso teológico-político de Lutero” de Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa Porto procura mostrar a fundamentação deste processo.

O autor é formado em Ciências Sociais e Pedagogia pela USP, com pós-graduação em Filosofia e mestrado em Filosofia da Educação. Atua como professor da Fundação Santo André há 27 anos.

Veja entrevista com o autor.

Portal - Que caminho você percorreu para chegar a se ocupar de forma tão intensa e aprofundada com a questão da educação em Lutero?

Sebastião Haroldo - Minha preocupação inicial era com a escola pública, mais precisamente com a origem da escola. Encontrei um autor norte-americano, Paul Monroe, que defende a tese de que a escola pública tem na Reforma Luterana um dos seus principais alicerces.

Quais as descobertas mais significativas?

Sem dúvida alguma a maior descoberta foi encontrar na liderança de Martinho Lutero um homem sensível, erudito e de grande compromisso político, que enxergou que sem a difusão da escola pública, a reforma social e religiosa não seria possível. O exímio domínio de Lutero da arte retórica também foi outra descoberta significativa.

Quais são os herdeiros do projeto luterano de educação? Onde estão hoje?

O segundo impulso para a efetivação da escola pública no Ocidente vem da Revolução Francesa, quando da instalação da escola republicana. Trata-se também de uma grande transformação política que encontrou na disseminação da escola a maneira de efetivar suas conquistas. É curioso pensar como a escola pública serviu a esses dois dos mais importantes movimento social da civilização ocidental. No entanto, não saberia dizer onde estão hoje os herdeiros do projeto luterano. Vejo que o pensamento liberal já não defende a escola pública como imprescindível para seu projeto de governo. A social democracia e o pensamento mais à esquerda também não têm compromisso ou projetos para a escola pública. Assim, os herdeiros do projeto luterano de educação ainda estão por vir.

As escolas confessionais não poderiam ser uma negação do discurso luterano? Ou são sem sentido as classificações (confessional, comunitária, pública, cooperativada, etc.)?

Não entendo que essa classificação seja sem sentido, mas também não vejo essas categorias de escola como empecilhos para um trabalho significativo na educação e uma nova difusão da escola democrática. A escola confessional me assusta um pouco em razão de seu caráter doutrinário, mas não podemos esquecer a dívida da sociedade ocidental com essa escola, pois muitos dos maiores pensadores e artistas passaram e são produtos da escola confessional. Não saberia apontar quantos dos nossos maiores homens não passaram pelas escolas luterana, jesuíta ou calvinista. Vale lembrar que muitos desses eram provenientes de famílias simples.

Alguma consideração adicional?

Quero agradecer, mais uma vez, pela oportunidade de falar das contribuições da reforma luterana na implementação da escola pública e quero colocar-me à disposição para quando precisarem de minha modesta contribuição.



Porto, Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa. Educação, obrigação de todos. A luta pela escola pública no plano do discurso teológico-político de Lutero. Porto de Ideias, São Paulo, 2011.

“A contribuição do discurso luterano na efetivação da escola pública de caráter sistemático, que nasce no seio da Renascença Humanista para permanecer até os dias de hoje, não pode continuar ignorada. A defesa veemente da escola pública e a preocupação com o controle doutrinário da educação escolar são posições avançadíssimas para sua época. Posições que a burca iluminista dificultou que chegasse até nós, simplesmente porque as suas luzes se fizeram cativas da doutrina liberal, configurando um eclipse da razão. Isto é, o racionalismo iluminista se deixou ofuscar pela ideologia burguesa e sua autoridade se perdeu num inconfesso autoritarismo.

O eixo motivador desse percurso foi localizar e apontar pistas, estabelecer novas relações, “enxergar coisas” que, de alguma forma, indiquem um nexo explicativo para a gênese da escola pública no seio do discurso e da reforma social luterana.

Nesta obra, o autor apresenta uma provocante leitura dos discursos de Martinho Lutero dirigidos à sociedade alemã, exigindo o compromisso de todos – dos príncipes aos camponeses – com a implantação e disseminação da escola pública, como peça fundamental da reforma social que tiraria a Alemanha da miséria e ignorância em que se encontrava.

Educação, obrigação de todos procura pelo leitor sem medo, que se sinta livre das amarras dos pré-conceitos religiosos ou acadêmicos, pronto para se surpreender com a riqueza retórica, a beleza literária e a modernidade precoce presentes nos discursos luteranos.”

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“O elemento religioso e o elemento laico da política se acomodam muito bem no discurso luterano. A antinomia parece ser evitada sem muito esforço. Isto lhe confere uma coerência agradável, que não pode deixar de ser apreciada quando examinada como teoria política ou mesmo como gênero literário no plano da cultura renascentista, pois se o preconceito com aquilo que é qualificado como religioso se impuser, de forma impeditiva, não restará autor ou obra renascentista que possa ser estudada. No entanto, se nos livrarmos do tardio preconceito iluminista, trazido pela adesão inconfessa à ideologia burguesa, haveremos de reconhecer a coragem intelectual e a fertilidade política do pensamento luterano. Pensamento este que soube escolher seus interlocutores, mas jamais se negou a tratar das questões trazidas por sua época, independentemente de ser lhe apresentada por um interlocutor notável ou humilde. O homem Lutero admitiu seu medo, mas o pensador não se escondeu, enfrentando com posicionamentos claros e dignidade as críticas e os desafios teóricos impostos à sua doutrina. O que faz de Lutero, verdadeiramente, um livre-pensador.”

Veja  mais: Escola pública em Lutero

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