1. Fundamentação
O que diz a Constituição da IECLB sobre ecumenismo:
A natureza ecumênica da IECLB se expressa pelo vínculo de fé com as igrejas no mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.
Constituição da IECLB, art. 5º
Texto completo da Constituição
O que diz o Regimento Interno da IECLB sobre ecumenismo:
A Comunidade, em comunhão com as demais Comunidades congregadas na IECLB, buscará o convívio ecumênico com outras comunidades e Igrejas que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
Regimento Interno da IECLB, art. 5º, § 3º
Texto completo do Regimento
O que dizem manifestos e posicionamentos da Direção da IECLB sobre ecumenismo:
A IECLB, segundo o artigo 5.º da sua constituição, é de “natureza ecumênica”. Essa ecumenicidade se refere explícita e exclusivamente a igrejas “que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador”, em correspondência com os termos que definem a base do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), dos quais a IECLB é membro.
Bases bíblicas e teológicas para o diálogo inter-religioso
Ao longo do Antigo Testamento se constata a exclusividade do Deus de Israel (cf. Êx 20.4, a proibição de se ter imagens de Deus; Dn 2 e 7, o anúncio da destruição dos impérios do mundo; Is 60.4; 62.10-12, a salvação de todos os povos em torno de Jerusalém).
No entanto, Israel em toda a sua história sempre conviveu com outros povos e seus deuses e, muitas vezes, de forma pacífica (cf. Gn 14.18-24, Melquisedeque abençoou Abrão; 2Rs 5.19, o comandante do exército da Síria é curado; Jn 1.5 relata com naturalidade como cada marinheiro clama a seu deus).
A partir de uma história pontuada por conflitos, Israel acolhe estrangeiros e os protege ( Ex 23.9; Dt 24.19-21). Em sua teologia se repete que Deus é o criador do universo, de todos os povos (Gn 1.27-28) e que tudo continua pertencendo a Deus (Sl 24.1). Nas grandes visões proféticas, os outros povos estão incluídos (Mq 4.1-5; Is 56.6-7; 60.1-3).
Pode-se constatar uma tensão entre exclusividade e universalidade. Esse fato é um constante desafio no sentido de nos deixarmos envolver com outros povos e suas religiões, sem temermos a perda da nossa própria identidade.
Também no Novo Testamento vamos encontrar essa relação de tensão. A exclusividade se expressa em muitos textos, dos quais citamos alguns: Jo 14.6 - Jesus é o caminho; At 4.12 - o testemunho de Pedro da salvação unicamente em Jesus.
Ao mesmo tempo, encontramos passagens que rompem as barreiras do exclusivismo. São magos do Oriente que vêm ver o menino Jesus (Mt 2.1-2); Jesus cura a filha de uma cananeia (Mt 15.21-28); Jesus elogia a atitude de um samaritano (Lc 10.29-37); Jesus cura o filho de um centurião romano (Mt 8.5-13); Jesus afirma que Deus ouve a oração de um publicano (Lc 18.9-14).
O Novo Testamento não deixa dúvida quanto à salvação em e através de Jesus Cristo. No entanto, caberá ao próprio Cristo, e não aos cristãos, julgar todos os povos (Mt 7.1-5). Olhando a prática de Jesus e dos apóstolos num contexto pluricultural e multirreligioso, é imperioso concluir que somos desafiados a buscar o diálogo e a cooperação com outras religiões.
Muitos cristãos têm tido dificuldades em aceitar a realidade de outras tradições religiosas ou em relacionar-se de forma criativa com elas. Como cristãos, entretanto, acreditamos que o Espírito de Deus opera de formas que não estão ao alcance do nosso entendimento (cf. Jo 3.8). A atividade do Espírito está além das nossas definições, descrições e limitações. Deveríamos tentar discernir a presença do Espírito onde houver “amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22-23). O Espírito de Deus está gemendo com o nosso espírito. O Espírito opera no sentido de realizar a redenção de toda a ordem criada (Rm 8.18-27). (Conselho Mundial de Igrejas, Orientações para o diálogo e as relações com pessoas de outras religiões, 1979, p. 8).
Nossa tradição confessional está centrada na pessoa e obra do Cristo que nos propiciou a justificação mediante graça e fé. Portanto, a salvação passa pela paixão e ressurreição de Cristo, Filho de Deus Pai, em quem cremos pelo poder do Espírito Santo. Como pessoas cristãs de tradição luterana, não podemos prescindir dessa afirmação central. Assim, confessamos o Crucificado e o Deus-Trindade, o que marca uma diferença decisiva em relação também às religiões “monoteístas” do judaísmo e do islamismo.
Contudo, não podemos emitir juízo sobre quem tem fé e quem não tem, pois é o Espírito Santo que opera a fé “onde e quando lhe apraz” (Confissão de Augsburgo, artigo 5). É verdade que, para tal, usa os meios da pregação da palavra e os sacramentos. Para nós, como crentes, são referências imprescindíveis. Mas isso não significa que o Espírito não possa atuar de forma inesperada, fora dos limites visíveis da Igreja. Lutero contava com a presença de um conhecimento natural de Deus fora da revelação bíblica (Obras Selecionadas, Vol. 8, pp. 188, 261s, 439; Rm 1.19-20), contudo sem abrir mão da salvação somente por Cristo, o Verbo pré-existente com Deus, através do qual tudo foi criado (Jo 1.1-3; Cl 1.16-17).
Diante desse desafio, é possível enxergar a ênfase luterana no “somente por graça” (sola gratia), com referência à graça de Deus, como algo que, quando bem entendida, vai muito além da nossa percepção doutrinária e das limitações teológicas com as quais a oneramos, como afirma o teólogo luterano da Índia, Paul Rajashekar (apud Junghans 2001, p. 132). Esse depoimento é de especial importância, pois é feito por alguém que vive num país multirreligioso, onde os cristãos somam apenas 2,7% da população. O diálogo inter-religioso, naquele contexto, impõe-se não como opção, mas como necessidade.
Também no Brasil a situação contemporânea não deixa outra opção, pois uma postura exclusivista, que se nega ao diálogo, dá apoio, pelo menos de forma indireta, à intolerância e até à violência entre religiões, embora não necessariamente as promovam. O diálogo inter-religioso propõe-se ao partilhar de sabedoria, ao testemunho de experiências positivas e à promoção de convivência pacífica a partir da fé, inclusive com pessoas pertencentes a outras igrejas e religiões ou que não confessam religião alguma. Com os seus corpos discentes e docentes, mistos em termos de religião, a Rede Sinodal de Educação afirma no seu 5º Plano de Trabalho (2005): “Tendo essa identidade confessional (luterana) definida e atuante, a proposta educacional integra o caráter comunitário, transdisciplinar, ecumênico e participativo no diálogo inter-religioso, ampliando a partilha e a inclusão” (p. 9s). É um belo testemunho da contribuição luterana à paz e ao bem comum e que está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996).
A base principal do diálogo é a nossa confiança em Deus, o que é outra maneira de dizer “fé”. Precisamente ao comentar o mandamento “não terás outros deuses” (Êx 22.3), no seu Catecismo Maior, Lutero afirma que “Deus designa aquilo de que se deve esperar todo o bem e em que devemos refugiar-nos em toda apertura. Portanto, ter um Deus outra coisa não é senão confiar e crer nele de coração. (...) Fé e Deus não se podem divorciar. Aquilo, pois, a que prendes o coração e te confias, isso, digo, é propriamente o teu Deus”. (Livro de Concórdia, p. 394s.)..
Nossa confiança é baseada na boa nova da justificação por graça e fé, sendo que a “salvação pertence a Deus” (CMI 2005, p. 9).
Da nossa parte, proclamaremos, sempre, a palavra do Evangelho, cuja principal palavra é a do amor, em continuidade à palavra de orientação do Antigo Testamento: “E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás”. (Lc 10.25-28)
Glossário:
Ecumenismo vem da palavra grega oikoumene, significando “a (terra) habitada”. O sentido principal é geográfico-político (cf. Lc 2.1; At 11.28), às vezes com conotações culturais (cf. At 19.27). No âmbito teológico, destaca-se que a terra pertence a Deus (Sl 24.1), que mandou seu Filho ao mundo (Hb 1.6); que a missão se estende por ele (Mt 24.14; Rm 10.18) e que será sujeito ao julgamento (At 17.31). Ao chamar Nicéia (325) de “concílio ecumênico”, o Concílio de Constantinopla (381) introduziu o termo no uso eclesiástico, designando doutrinas e costumes de validade universal na Igreja. O sentido moderno da palavra foi introduzido pelo filósofo alemão Leibniz, no final do séc. XVII, e designa o empenho pela unidade das igrejas cristãs. É assim que é usado hoje pelas igrejas ligadas ao Conselho Mundial de Igrejas-CMI e ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs-CONIC.
Macroecumenismo é um termo que entrou em uso a partir da chamada “Assembleia do Povo de Deus”, realizada em Quito/Equador em 1992 como articulação própria ao comemorar os 500 anos da conquista do continente americano. Contou, entre outros, com o apoio de entidades ecumênicas, como a Federação Universal dos Movimentos Estudantis Cristãos (FUMEC) e a Comissão Latino-Americana de Educação (CELADEC). O termo foi divulgado no Brasil, entre outros, pelo monge beneditino Marcelo de Barros Souza e pelo 8º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em Santa Maria/RS (1992). Pretende ultrapassar os limites da fé cristã para incluir outras religiões, como indígenas e afro-americanas.
Diálogo inter-religioso quer resgatar o intuito do “macroecumenismo”, mas prefere reservar o termo “ecumenismo” para o diálogo entre as igrejas cristãs (católico-romana, anglicana, protestantes, pentecostais etc.), conforme o uso moderno da palavra acima exposto. Trata-se, portanto, do diálogo em diferentes níveis – na convivência, na cooperação prática, na experiência espiritual, no diálogo sobre a doutrina, entre outras formas – entre diferentes religiões, como o cristianismo, religiões indígenas, religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda), espiritismo, islã, budismo etc.
Teologias das religiões são tentativas, dentro do cristianismo ou de outra religião (ali talvez sob outro nome), que tentam compreender as possibilidades e formas como Deus atua em outras religiões, e o caráter salvífico deste agir de Deus. Há três posturas básicas, cada uma com muitas variações: 1. “A minha religião é a única religião verdadeira”, o que significa uma postura exclusivista. 2. “Há elementos da verdade em outras religiões, mas a minha está mais próxima da verdade, ela é a mais verdadeira”, o que significa uma postura inclusivista. 3. “Todas as religiões são igualmente verdadeiras”, o que significa uma postura niveladora.
Sincretismo significa a mistura de religiões ou elementos destas, pela incorporação de tais elementos numa religião (por exemplo, a data de Natal no dia 25 de dezembro foi adotada no cristianismo a partir da festa do Deus-Sol, pré-cristã) ou pela criação de uma nova religião a partir de elementos de diferentes religiões (por exemplo, a umbanda reúne elementos africanos, indígenas, espíritas e cristãos). O termo em geral é usado de forma polêmica nas igrejas, querendo defender a pureza da própria religião contra influências de fora. Contudo, numa visão mais sóbria, não há dúvida de que cada religião incorpora ao menos elementos de outras religiões, que recebem um novo significado a partir deste processo.
Posicionamento sobre atos e diálogos inter-religiosos – 2009
Texto completo do Posicionamento
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) expressa em sua Constituição ter um “vínculo de fé” com todas as igrejas que confessam a Jesus Cristo como Senhor e Salvador e tem mantido relações estreitas com as igrejas que compartilham seu compromisso ecumênico. Nesse contexto, ela tem em alta conta a trajetória comum e fraterna com outras igrejas em nosso país e no mundo, também com a Igreja Católica Romana. Consequentemente, a IECLB não nega a classificação de igreja a nenhuma das igrejas centradas na fé em Cristo, e tampouco passará a fazê-lo em relação àquelas igrejas que, em sua autodefinição, não a reconhecem como igreja em sentido pleno.
Assim, em segundo lugar, no compromisso ecumênico, o desalento deve vir acompanhado, ainda que com dificuldade, do pleno respeito à definição eclesiológica de cada igreja. A IECLB registra ainda que as respostas do novo documento se voltam, a rigor, ao público interno da Igreja Católica Romana, um indicador inequívoco de que há em seu interior um processo de reflexão teológica em torno da natureza da Igreja e das relações ecumênicas entre as confissões cristãs. Não pode surpreender, porém, que posições internas de cada igreja tenham também repercussão nas demais igrejas, e estas, por sua vez, podem e devem externar suas próprias preocupações com o futuro do ecumenismo.
Por fim, embora o documento classifique que na Igreja Católica ocorrem “desvios geradores de dúvidas”, o diálogo acerca da natureza da Igreja se faz indispensável hoje não apenas no interior de cada igreja, como também entre as igrejas. É por isto que o movimento ecumênico tem chamado, com razão, as igrejas a uma reflexão conjunta e fraterna acerca do seu próprio “ser-igreja”. Esse chamado se torna, pois, ainda mais necessário e urgente.
Manifesto da IECLB acerca do Documento do Vaticano – 2007
Texto completo do Manifesto
(...) com o crescente pluralismo religioso em nosso país, a cooperação ecumênica e o diálogo inter-religioso, embora indispensáveis, têm se tornado cada vez mais complexos e controvertidos. De um lado, como IECLB, temos um claro compromisso ecumênico que deriva de nossa própria confessionalidade luterana. De forma alguma podemos abdicar desse compromisso pelas dificuldades que lhe são inerentes. Naturalmente, ele deve ser regido pelo Evangelho como contido na Escritura e interpretado em nossas confissões, e ser desenvolvido a partir de nossa identidade luterana e sempre em abertura e respeito para com o diferente. De outro lado, quem se engaja nesse diálogo (e todos/as deveriam fazê-lo), em particular quando obreiro ou obreira da IECLB, deverá esmerar-se, ademais, na necessária sensibilidade pastoral, consciente de que suas palavras, seus gestos e suas ações serão vistos como representativos de sua Igreja. Essas questões deverão ser tidas em conta quando aceitamos convites ou deles declinamos. Analogamente, isso também deve ser levado em conta quando convidamos representantes de outras igrejas, denominações, organismos ecumênicos e interdenominacionais para eventos no interior da IECLB, o que ocorre com não pouca frequência. Também aí podemos ser enriquecidos pela experiência ecumênica, mas igualmente confundidos por influências conflitantes com nossa confessionalidade.
A IECLB carece de orientações e diretrizes mais detalhadas para a cooperação ecumênica e o diálogo inter-religioso. Isso abrange desde sua fundamentação bíblico-teológica e confessional até questões práticas de como proceder em situações específicas. Polêmicas internas desgastantes e desorientação entre os membros podem resultar quando cada qual acaba estabelecendo seus próprios parâmetros para a atuação no âmbito ecumênico. Naturalmente, essas orientações e diretrizes da Igreja não poderão ser determinações rígidas nem ser estabelecidas por uma espécie de “decreto”, mas deverão ser fruto de um processo de reflexão, diálogo e deliberação no interior da Igreja.
Posicionamento sobre Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso – 2005
Texto completo do Posicionamento
Conforme a Confissão de Augsburgo (artigo VII) – texto confessional básico da Reforma Luterana –, a Igreja de Jesus Cristo está presente lá onde o evangelho é pregado de maneira pura e os sacramentos administrados de forma correta. Nesse sentido, afirmamos que a IECLB é parte da Igreja de Jesus Cristo no Brasil e no mundo. Reconhecemos como igrejas-irmãs todas aquelas que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador, estando portanto incluída entre elas também a Igreja Católica Romana. Ao mesmo tempo, constatamos que enquanto instituição humana todas as igrejas carregam as marcas do pecado humano. A própria divisão das igrejas é resultado desse pecado, não podendo nenhuma delas considerar-se isenta de culpa.
Manifesto sobre a Declaração Dominus Iesus da Igreja Católica - 2000
texto completo do Manifesto
Somos Igreja disposta ao diálogo ecumênico com todos os que estão comprometidos com a vida. Estamos abertos para compartilhar e celebrar culto a Deus com todos aqueles que confessam Jesus Cristo como seu único Senhor e Salvador (Atos 4.12; cf. também a Constituição da IECLB, Art. 5º, § 2º).
Posicionamento A IECLB às Portas do novo Milênio -1999
texto completo do Posicionamento
Mas onde sopra o Espírito Santo, experimentamos liberdade e humildade para nos dispormos ao diálogo e à busca por novos instrumentos de leitura e releitura da Bíblia e dos documentos confessionais da igreja. Não nos iludimos com a possibilidade de descobrir uma única hermenêutica, capaz de superar todas as nossas diferenças. Mas confiamos que o Espírito Santo nos possa libertar para uma serena postura dialogal. Ela será a condição para conscientizarmo-nos do fato de que há hermenêuticas diferentes e para buscarmos, em meio às diferenças, consensos suficientes para a caminhada conjunta, numa mesma igreja e numa mesma família ecumênica. Dessa maneira, a nossa força missionária será revigorada num mundo pluralista. Sopre fortemente, Espírito Santo!
Manifesto IECLB no Pluralismo Religioso – 2000
texto completo do Manifesto
1. A Igreja de Jesus Cristo, por natureza e incumbência, é Igreja missionária. Está comissionada a propagar o Evangelho por palavra e ação, preparando a vinda do reino de Deus e congregando as pessoas em comunidade. O Evangelho se destina a toda criatura e chama para a aprendizagem da fé, da esperança e do amor. Evangelização, pois, é mandato de todos os cristãos e de cada Igreja em particular.
2. A missão comum das Igrejas, porém, sofre prejuízo quando se perverte em brutal concorrência e se resume em disputa de freguesia e poder. É claro que o lado-a-lado de várias denominações cristãs constitui um problema. Há diferenças a serem trabalhadas e barreiras a serem vencidas. Isto, porém, não justifica a violação do mandamento do amor e do respeito mútuo. O exclusivismo que se promove à única representação legítima da fé e a tentativa de engrossar as próprias fileiras com fiéis conquistados de Igrejas-irmãs impossibilitam a fraternidade ecumênica e corroem a credibilidade da mensagem cristã. Chamamos de proselitismo esta disputa selvagem, sutil e manhosa do mercado religioso.
3. Originalmente, a palavra não tinha esta conotação. Na tradição judaica, contemporânea do Novo Testamento, prosélito designava a pessoa que se havia agregado à comunidade, com todos os direitos e deveres daí decorrentes. Era termo que identificava o novo membro, oriundo do paganismo da época. No decorrer da história, porém, proselitismo passou a receber um significado pejorativo. Tornou-se sinônimo de um método missionário fanático, falacioso, profundamente contrário ao espírito do Evangelho. É um método que lamentavelmente por demais vezes tem determinado a missão da Igreja e a propaganda religiosa em geral.
4. Nesta interpretação da palavra não há como sancionar o proselitismo, e a IECLB sempre o repudiou. Jesus não coagiu as pessoas com ameaças de castigos infernais, não as comprou com promessas sedutoras, não comercializou suas necessidades físicas e espirituais. Proselitismo é designação de uma missão sem amor, autoritária, traiçoeira, exploradora, que se utiliza dos meios de intimidação e faz negócios com a fé. Em Jesus, a evangelização é não violenta, é honesta, argumentativa. Baseia-se na força da palavra que busca o consentimento das pessoas e sua livre adesão à causa do Evangelho. O mesmo observamos na missão da Igreja antiga. Constituía comunidades de gente que voluntariamente e por convicção declarava sua filiação.
5. A prática proselitista ainda persiste em muitos grupos religiosos da atualidade. Nós o registramos com profundo pesar. Rejeitando o proselitismo como método de sua missão, a IECLB tem também o dever de defender-se quando praticado por outros. Não pode permitir que seus membros sejam vitimados por assaltos proselitistas que perfidamente tentam desviá-los para outras filiações. O combate ao proselitismo exige, não por último, a denúncia, visto que não só o ser da IECLB como também a autenticidade do Evangelho estão em jogo.
6. Renúncia ao proselitismo e oposição a ele, porém, não equivalem a renúncia à missão. A partir do Evangelho, a IECLB permanece incumbida do testemunho público e da criação de comunidades. É Igreja de Jesus Cristo, alicerçada na verdade da Palavra de Deus e por isto crítica frente a todas as formas de sedução religiosa. A oposição ao proselitismo não pode servir de pretexto para o imobilismo evangelístico. Importa tão-somente que o método esteja em consonância com o Evangelho. Assim sendo, a IECLB vai unir ao testemunho da palavra a ação do amor; à pregação, o gesto evangélico; ao chamado para a fé, a misericórdia. Sob a perspectiva evangélica, a missão autêntica necessita ser acompanhada da diaconia, e vice-versa. A união de ambas protege, a um só tempo, contra uma missão proselitista e uma diaconia que se esgota em mera promoção social. A salvação pretendida por Deus tem em vista o ser humano em seu todo, incluindo corpo, alma e espírito.
7. A IECLB, portanto, tem o dever de construir e congregar comunidade. Deixando de fazê-lo, vai pecar por omissão. Vivência cristã quer socializar-se numa comunhão concreta, estruturada, definida. A fuga da filiação a uma comunidade equivale à fuga do compromisso concreto. Logo, a IECLB deve ser uma Igreja convidativa, aberta para novos membros, capaz de integrar pessoas em sua comunhão de fé. O convite para filiar-se à IECLB de modo algum permite ser confundido com proselitismo. Decorre do próprio compromisso com o Evangelho, querendo materializar-se em estruturas e instituições. Cumpre à IECLB desenvolver força comunicativa e integradora de pessoas de diversas origens, culturas e segmentos sociais. Isto, na disposição de servir com os dons que lhe são peculiares.
8. É engano supor que a construção de comunidade com métodos não proselitistas esteja ferindo o espírito ecumênico. Ecumenismo é a convivência e cooperação de comunidades diferentes e simultaneamente irmanadas pelo mesmo Espírito. A multiplicidade de confissões requer o mútuo exame crítico das posições. Mas também oportuniza o intercâmbio de experiências e uma aprendizagem na fé que se esforça por aperfeiçoamento na verdade. A IECLB representa uma determinada proposta de Igreja decididamente baseada no Evangelho. Até que ponto é consistente, merece ser continuamente avaliado, não por último em diálogo com suas Igrejas-irmãs. Trabalhamos em favor da unidade visível do corpo de Cristo. Entretanto, esta unidade deve ceder espaço para diversas expressões, desde que não conflitam com o Evangelho. A IECLB se entende como uma delas. Convida as pessoas para participar de sua proposta e testar-lhe a solidez e fidelidade evangélica.
Em resumo, o não ao proselitismo não pode significar o não à missão. Caso contrário, a IECLB trairia a incumbência recebida de seu Senhor.
Posicionamento Missão e Proselitismo – 1994
texto completo do Posicionamento
Em verdade, a uniformidade da fé pode ser assegurada somente por rígido controle institucional e o recurso a meios de coação. Isto, porém, conflita com o próprio Evangelho, que jamais violenta as pessoas. Fé imposta não é fé autêntica. Por essas razões, a Igreja cristã está comprometida com a defesa do princípio da liberdade religiosa. Missão deve repudiar o uso da violência, da pressão, da ameaça, e tão-somente apostar na força da palavra. Sob essa perspectiva, o pluralismo religioso de nossos dias de modo algum é motivo de pavor. Assinala, entre outros, uma liberdade pela qual outras épocas possivelmente nos teriam invejado. O recurso ao braço estatal para disciplinar” o caos religioso, graças a Deus, não nos é possível nem permitido. O desafio exige outra resposta. Exige o que o apóstolo Paulo chama de “demonstração do Espírito e do poder”, respectivamente exige a resposta do Evangelho, ele mesmo.
A IECLB é uma Igreja fortemente engajada na busca da unidade dos cristãos. Entende-se a si mesma como um membro do corpo maior de Jesus Cristo, da “comunhão dos santos”, da Igreja universal. Não reivindica, por essa razão, nenhum monopólio da verdade, nem exclusividade. Sabe-se irmanada com outras igrejas cristãs na busca do Reino de Deus e de sua justiça. O que a compromete é o Evangelho testemunhado na Sagrada Escritura. Comprometem-na também os credos da Igreja Antiga e a confissão da Reforma luterana, em que reconhece legítima articulação da fé apostólica. A IECLB procura ser autenticamente evangélica. Tem um dom a compartilhar e valores a defender. Mas não nega a ação do Espírito Santo em outras Igrejas e denominações cristãs, estando com elas em permanente aprendizagem do discipulado. Ecumenismo é a caminhada conjunta do povo de Deus em que os grupos se respeitam e se avaliam mutuamente com o objetivo de crescerem no conhecimento das maravilhas de Deus e na conjugação do testemunho e do serviço. Deus age também fora dos muros da própria instituição eclesiástica. Ele age inclusive em outras religiões e credos. Seria arrogância querer limitar a ação divina e prescrever-lhe os horizontes. Tal constatação, porém, não permite o relativismo da fé. Há verdades a que, a partir de Jesus, não podemos renunciar e que são constitutivas do Evangelho e da salvação humana. Ecumenismo significa disposição para autêntica parceria, sem nivelação precipitada das diferenças que nos são peculiares. É a coragem para uma aprendizagem que, se for sincera, há de nos enriquecer, superar barreiras e promover a unidade.
(...) Ao lado do testemunho e nele embutido, o diálogo é imprescindível no confronto com outros credos e outras religiões. Devemos falar, argumentar, interpelar, buscando o exemplo no próprio Jesus. Diálogo não é nada fácil. Precisa ser aprendido e pressupõe haver posições de que se examina a solidez. Ademais, o diálogo se caracteriza pelo fato de levar o parceiro a sério. Quer compreender e convencer; jamais impor. Distingue-se radicalmente do fanatismo e do autoritarismo, que não deixam de ser atitudes violentas. Não se trata de um método apenas. Diálogo é expressão de fraternidade a prevalecer entre as criaturas de Deus. Faz jus ao fato de sermos parceiros de jornada cujo relacionamento exige o respeito e a humildade. Logo, está excluído todo e qualquer tipo de proselitismo. A IECLB, com boas razões, o rejeita como sendo incompatível com o Evangelho e a dignidade das pessoas. Missão não pode consistir na pesca do membro fiel de outras denominações. Desistindo do proselitismo, porém, a IECLB simultaneamente se vê coagida a reagir quando praticado por outros. Temos o direito à autodefesa bem como o dever de denunciar práticas, anti-evangélicas. Preconizando o diálogo, nós o esperamos também de nossos parceiros.
Ao diálogo e ao testemunho deve associar-se finalmente o serviço. Sob o ponto de vista cristão, o amor faz parte da ortodoxia da fé. Não há missão verdadeira sem a diaconia. É ela que normalmente abre os espaços para o anúncio e o diálogo, comprovando-lhes a autenticidade. Como membros da IECLB convivemos com outras denominações e confissões. Convivemos com pessoas que têm necessidade, perguntas, angústias. Nossa maneira de conviver é fundamental para a credibilidade de nosso discurso. Missão não se faz apenas pela boca. Requer mãos e pés engajados, sensibilidade para o sofrimento, a demonstração de misericórdia. Jesus veio para servir. Misturou-se com as pessoas necessitadas de seu tempo e comprometeu seus discípulos a fazerem o mesmo. “Religião” pode ser abusada, pervertida em negócio, servir à opressão. O amor a isto vai opor-se e preconizar a maravilhosa liberdade dos filhos e das filhas de Deus, sendo que não permitem ser ignoradas as necessidades humanas de qualquer espécie, sejam elas de ordem material, espiritual, social ou outras. No diálogo e no testemunho evangélico o amor costuma ser o mais forte dos argumentos. O pluralismo de nossos dias de modo algum anulou esta verdade elementar.
No relacionamento com outras denominações cristãs e outras religiões, portanto, o testemunho, o diálogo e o serviço devem andar de mãos dadas. Não permitem ser separados. São complementares. Um não pode existir sem o outro, desde que procuremos cumprir com fidelidade nosso mandato de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. É claro que a ênfase pode recair ora neste ora naquele aspecto. Da mesma forma é óbvio haver confissões que nos são mais próximas e outras mais distantes. Temos que diferenciar, e não jogar tudo na mesma panela.
A cooperação é mais fácil com as denominações cristãs e, entre elas, com aquelas Igrejas que se instalaram há mais tempo no País. Jesus Cristo é nosso fundamento comum. À Igreja deste nosso Senhor nos juntamos como mais uma expressão de fé cristã em busca da intensificação da comunhão, embora permaneçam diferenças a discutir. Construímos nossa unidade sobre o imperativo comum da aprendizagem do discipulado permanente. Mas também com relação a outras religiões, não-cristãs, o testemunho, o diálogo e o serviço se nos colocam como princípios de ação em termos acima descritos. Também delas temos algo a aprender, e permanece, da mesma forma, o dever de comunicar o amor de Deus que salva o mundo de ódio, cegueira e angústia, ou seja, de todos os males que mantêm a humanidade em cativeiro. O ecumenismo inicia com os irmãos e as irmãs da fé cristã. Mas não permite permanecer limitado a eles. Quer abranger também outros, mais distantes de nosso modo de crer. Isto, na consciência de que toda a humanidade é chamada a ser povo de Deus na Terra.
A IECLB não pode deixar de divulgar sua confissão. Se o fizesse, enterraria o talento que recebeu, tornando-se culpada diante de seu Senhor. Importa, porém, que no relacionamento com pessoas de outros credos prevaleça uma atitude sóbria, igualmente distante de timidez, apatia ou soberbia. Há falhas e deficiências em nós a lamentar e a corrigir. Entretanto, é preciso reconhecer que nem toda religião é boa e que nem tudo que se oferece como verdade de fato o é. Cabe-nos distinguir os espíritos, como o apóstolo Paulo o exigiu da comunidade de Corinto. Isto significa que devemos proceder ao exame crítico do que é evangélico e do que não o é. Não podemos deixar de ser Igreja missionária. No entanto, desde os primeiros tempos, missão autêntica sempre tem sido missão ecumênica. Buscava companheiros de luta. Era uma missão não contra os irmãos e as irmãs, mas com elas na busca do Reino de Deus. Parece-nos urgente rediscutir missão sob esta perspectiva. Ela certamente não vai acabar com a competição religiosa no País. O fenômeno religioso, como já exposto, é profundamente ambíguo, exige o exame criterioso, e a grande comissão de Jesus continua sendo o mandato da Igreja, comprometendo-nos com a divulgação do Evangelho e a construção de comunidades. Entretanto, a missão cristã levada a efeito em espírito ecumênico - sob testemunho, diálogo e serviço - há de desagravar a concorrência e substituí-la por uma fraternidade que, nas diferenças, exercita o respeito mútuo e o compromisso conjunto com a verdade e a vida. É este o relacionamento que a IECLB deseja.
Posicionamento A Confissão Luterana na concorrência religiosa – 1993
Texto completo do Posicionamento
2. Desdobramentos práticos de ecumenismo:
As orientações que seguem querem afirmar a abertura das pessoas cristãs evangélico-luteranas para o diálogo inter-religioso, animar a cooperação por paz e justiça e a participação em atos públicos inter-religiosos, inclusive com momentos de oração, desde que não se esconda ou se desrespeite a identidade pertinente a cada um, havendo, nessas ocasiões, um compromisso de colaboração para o bem comum. (...)
1. Encoraja-se a criação de grupos de diálogo inter-religioso, com o objetivo de conhecer-se mutuamente e quebrar barreiras de preconceito e medo, criando um clima de respeito e confiança mútuos e de solidariedade.
2. Incentiva-se a aceitação de convites para participar em celebrações inter-religiosas públicas, observando-se:
a) que seja garantida a liberdade de expressão de cada participante dentro da sua tradição religiosa;
b) que seja respeitada a identidade religiosa de cada participante, evitando-se afirmações que venham a desprezá-la;
c) que o evento com participação inter-religiosa não se torne um espaço de demonstração de superioridade ou autopromoção;
d) que seja expressão de um objetivo comum (a paz, a justiça, a reconciliação, a integridade da criação, o bem da cidade, etc.) e que este esteja claro no momento do convite;
e) que não sugira a criação de uma religião sincretista;
f) que não seja um mero subterfúgio religioso.
3. Tal celebração não deveria ser um evento isolado, mas ser fruto de um processo de preparação e de diálogo continuado, onde se trabalham medos, desconfianças e preconceitos, bem como se facilita o conhecimento mútuo.
4. É aconselhável que celebrações inter-religiosas sejam realizadas em espaços públicos, não pertencentes a uma religião específica, para evitar constrangimentos e para não privilegiar uma das religiões presentes. Isto não impede atos de hospitalidade inter-religiosa.
5. Recomenda-se que, nas celebrações inter-religiosas, os obreiros e as obreiras da IECLB usem traje civil com distintivo da IECLB ou colarinho clerical. Se o ato ocorrer numa igreja cristã, também podem ser usados o talar ou a alba com estola.
Posicionamento sobre atos e diálogos inter-religiosos – 2009
Texto completo das do Posicionamento
Assim, confessando a soberania de Deus, revelada a nós em Jesus Cristo, não reconhecemos sobre nós nenhuma outra autoridade do que a desse Deus de amor. Portanto, não podemos fazer nenhuma distinção de valor entre as pessoas, criadas todas elas à imagem de Deus, e pelas quais Jesus Cristo se doou. Afirmamos a necessidade de respeitar integralmente a diversidade cultural, étnica e religiosa. Comprometemo-nos, particularmente, em:
(...) - conjugar nosso envolvimento ecumênico com nossa tarefa de missão, no sentido de proclamar com destemor as razões evangélicas da esperança que há em nós em face dos desafios que se nos apresentam em nossa realidade, concomitante com o pleno respeito à diversidade de opções religiosas.
Mensagem sobre os 180 anos de suas primeiras comunidades – 2004
Texto completo da Mensagem