E não nos deixes cair em tentação
Günter K. F. Wehrmann
I — Tradução
¨E não nos deixes cair em tentação... (Mt 6. 13a e Lc 11.4c) Esta tradução é costumeira (cf. Almeida; Taizé; Novo Testamento na Linguagem de Hoje e Catecismo Menor). No entanto, o Novo Testamento em Linguagem Atualizada traduz: Não-nos ponha em tentação. A última está mais próxima da costumeira tradução alemã ¨Und führe uns nicht in Versuchung (E não nos conduzas em tentação). Conforme os textos gregos, as últimas duas traduções realmente são mais fidedignas, enquanto que as outras se inclinam a um manuscrito de Marcião. Mas, de qualquer forma, este problema ainda nos deve ocupar posteriormente na exegese.
II — Considerações exegéticas
1. Contexto
Observemos apenas o lugar da Sexta Petição no todo do Pai Nosso, que é uma unidade orgânica. Por ser oração, não pode ser analisado ou pesquisado adequadamente. Único meto legítimo de penetrar no Pai Nosso e através da oração e meditação. Portanto, já podermos antecipar que a prédica sobre o Pai Nosso somente pode partir da oração e meditação e levar para elas. Mesmo se pregarmos apenas sobre uina prece, teremos de ver o Pai Nosso no seu todo.
Nesta oração do Senhor podemos perceber três blocos:
As Quarta à Sétima Petições, que formam o segundo bloco, concretizam o Reino de Deus e sua vinda para dentro de nossa vida diatia.
A Quarta Petição está interligada com a Quinta e a Sexta cada vez por um 'e', enquanto que a Sexta Petição está interligada com a Sétima por um mas, razão pela qual alguns comentaristas encaram estas duas últimas como uma prece só, o que a nós, agora, não preocupa, por nos termos proposto ver a prece no seu contexto. No entanto, é muito provável que Mt realmente intencionou sete preces, por ser sete o número da plenitude; e, de fato, o Pai Nosso contém o Evangelho em toda sua plenitude.
2. ad tentação
a) Ao ouvirmos esta palavra associamos o seguinte: Alguém ou algo nos tenta, põe à prova, nos coloca numa decisão a favor ou contra. Neste sentido tentação para nós, normalmente tem caráter negativo.
b) No Antigo Testamento tentação aparece em diferentes sentidos. O povo escolhido tenta Deus por causa da sua rebelião, provocando a ira divina (cf. SI 78.40s; história do bezerro de ouro Êx 32; Nm 14.22 e outras). Tal tentação sempre é originada pela transgressão do Primeiro Mandamento.
Por outro lado o piedoso experimenta a tentação no sentido de que sente um poder que vai contra o poder da fé. A serpente (símbolo do traiçoeiro)em Gn 3 semeia dúvida a respeito daquilo que Deus ordenou. Pior ainda é em Gn 22.1: Deus põe Abraão à prova (tenta-o). Deus prova o seu povo (cf. Êx 15.25; 16.4; 20.30). Tais referências nos deixam ver que é o próprio Deus que tenta. É difícil de compreender! No entanto, já podemos afirmar que Deus visa, com tal tentação, a provação e o crescimento na fé dos seus.
Mais tarde (cf. Jó 2.1-7) observamos algo diferente. Deus parece estar provocando Satanás. Satanás tem de pedir licença e permissão de Deus, para poder tentar Jó. Deus o permite mas põe um limite: mas poupa-!he a vida (v.6). Nesta história se evidencia que Satanás tenta o homem até onde Deus o permitir. Concluímos que, em última análise, Deus é o autor soberano em tudo, até na tentação. Deus revela seu amor em juízo e graça.
No Novo Testamento tentação é o perigo constante de cair em pecado. Satanás pode usar tudo para nos tentar (1 Co 7.5; l Ts 3.5; Gl 6.1). Todas as pessoas e coisas se podem tornar bênção ou tentação para nós. Ter que sofrer como cristão é tentação mas, ao mesmo tempo, é sinal do verdadeiro discipulado e, por conseguinte, motivo de alegria (1 Pe 1.6; 4.12s).
Certamente am veemente antítese à tentativa de querer responsabilizar Deus por falha e pecado humanos, Tiago afirma que Deus não tenta a ninguém (Tg 1.13). Muito antes, Deus assiste na e salva da tentação (2 Pe 2.9; 1 Co 10.13).
Ainda importa lembrar que a palavra tentação, em nossa prece, engloba as tentações cotidianas (Lc 8.13) e a tentação do fim dos tempos (Ap 3.10; 2.10; Mc 13.22). (Obs.: Esta pesquisa bíblica, em grande parte, se baseia no estudo de W.Schneider.)
Concluindo podemos dizer com Schabert: Tentação é tudo aquilo que tem o poder de se colocar entre Deus e nós e, assim, romper o nosso relacionamento de fé com ele. Tudo, ou seja, conforme Lutero (Catecismo Menor), o diabo, o mundo e a nossa carne, nos pode tentar, quebrando o relacionamento com Deus e o próximo.
Antes de concretizarmos isto na meditação, observemos ainda M palavra nos, baseando-nos parcialmente em Schabert.
3. ad nos
O plural impede uma interpretação puramente individualista e nos obriga.a ver que eu, como indivíduo, estou inserido no todo, ou seja, na Comunidade, na Igreja e no mundo. É preciso ver os irmãos que 8olrem sob tentações e interceder por eles. Neste sentido a palavra nos quer englobar todos os que são tentados: na luta pela sobrevivência, pelo meios de comunicação, na juventude, velhice ou no matrimônio, no sistema totalitário. Tudo isto esta prece inclui. Importa ainda lembrar que tal intercessão quer levar à ação. Assim cometa Quarta Petição requer de nós o repartir do pão com aqueles que não têm, e a Quinta Petição o perdoar aos nossos devedores, a nossa Sexta Petição nos motiva a fazer tudo que está ao nosso alcance para eliminar e vencer aquilo que se torna tentação para o(s) próximo(s); e requer o carregar os fardos uns dos outros (Gl 6.2).
4. Como vencer na tentação?
Vimos que a Bíblia testemunha duas coisas, conforme a nossa compreensão, opostas, a saber, que Deus põe à prova e tenta o homem. Aliás, também Lutero, referindo-se às diversas formas de tentação e às calamidades que elas causam, afirma no Catecismo Maior: Contudo, isto é obra da ira de Deus, o qual deixa o mundo cair em tentação, porque ninguém o invoca implorando. Por outro lado, a Bíblia afirma claramente que Deus não tenta ninguém, como Lutero também diz no Catecismo Menor. Nós mesmos somos responsáveis por nossos atos e não podemos culpar Deus.
Esta ambiguidade é um enigma para nossa razão. Deus tenta e Deus não tenta niguém. Não podemos harmonizar tal colocação dialética. Fé apenas existe lá onde pára a tentativa do homem do colocar Deus sob o controle da razão humana. Somente podemos orar a Sexta Petição diante de um Deus que é totalmente incompreensível para nossa razão e, apesar disso, o nosso Pai. Ele é aquele que deixa correr todo poder ao tentador contra os seus sem impedi-lo e é aquele que sacrificou o mais caro, seu Filho, a fim de destronar o tentador.
Já no Antigo Testamento Deus prometeu socorrer aquele que o invoca (SI 50.15) e abençoou Jacó, que se agarrou nele (Gn 32). Quanto mais agora podemos confiar em Deus por causa de Cristo que liberta e salva do perigo de cair ou de perder-se na tentação. Assim, vencendo a tentação, a mesma se torna uma bênção em termos de libertação e crescimento na fé (cf. Hm 5.3ss).
No entanto, a tentação não deixa de ser terrível, porque não temos garantia de náo cairmos. Antes de nós caíram até pessoas crentes, p.ex. Ananias e Safira (At 5) ou Judas. A Sexta Petição não quer dizer que Deus nos quer poupar de tentação. Não, mas. isto sim, que Deus nos quer assistir, guardar, salvar e libertar da tentação e nos dar forças para suportá-la e vencê-la. Nós podemos orar assim em nome de Cristo. Ele foi tentado e, por isso, nos compreende. Ele venceu, por isso, ele nos pode ajudar, já hoje e no fim dos tempos.
III — Meditação
1. Análise situacional
À luz dos resultados exegéticos acima expostos refletimos sobre a realidade em que vivemos perguntando: Como e onde se instala a tentação em nossos dias?
a) A situação social neste mundo é alarmante. Pois, conforme Sider (pp. 11 s), 1 bilhão de pessoas está passando fome, respectivamente vive em estado de permanente subnutrição. Dados mais específicos a respeito da situação no Brasil veja no Plano de Ação RE IV 1979 (pp. 12s). Quase todos os que estão passando fome vivem no assim chamado Terceiro ou Quarto Mundo. É sabido que, por falta de proteínas, surge a Deficiência Cerebral Mínima (DCM) que impede que pessoas possam estudar e, assim, crescer intelectuaimente e sócio-economicarnente. O depoimento de Iracema da Silva, moradora duma favela brasileira, reflete o desespero que assola tais pessoas (cf. R.J.Sider p.9): As vezes penso: Ó, se eu estivesse morta, então não precisaria ver meus filhos sofrerem tanto! Às vezes até já pensei em me suicidar. Tantas vezes vejo-os chorando de fome! E eu estou aí — sem urn tostão; não lhes posso comprar um pedaço de pão. Eu digo: Meu Deus, não aguento mais; tenho de por fim à minha vida; pois não queria ter que assistir este sofrimento!
Tal depoimento terrível ilustra a situação de 1 bilhão de pessoas do Terceiro e Quarto Mundo, aos quais o nosso país pertence. As causas desta miséria são múltiplas e não temos condições de analisá-las aqui. Urna coisa, porém, podemos afirmar: Todo o sistema de distribuição ds- renda em nível nacional e internacional gera e cimenta tal miséria. E de uma ou de outra forma participamos deste sistema e somos responsáveis ou, no mínimo, co-responsáveis por ele. Reconheçamos e assumamos a nossa culpa (cf. Quinta Petição)!
b) Mas também a riqueza se torna tentação para o homem. Podemos lembrar 2 Tm 6.9-10: O amor ao dinheiro é raiz de todos os males. A corrida pelo dinheiro para aumentar os bens materiais escravi za as pessoas a tal ponto que elas não têm mais tempo para si mesmas nem para o cônjuge, nem para os filhos — de Deus nem se fala! Os pais correm e correm, trabalhando e, quando resta um tempinho. têm de satisfazer com as exigências sociais, aparentando harmonia matrimaonial e familiar para colher algumas honrarias duvidosas, para não dizer podres. Os filhos, embora tenham todos os bens materiais que sn ponua imaginar, são marginalizados; quando adolescentes, se rebelam contra tal vida vazia e sem sentido e procuram desembarcar desta roda viva, procurando amor, felicidade, comunhão no sexo por meio de amor livre, na embriaguez por meio do álcool ou de drogas; quando viciados, são explorados pelo mercado caríssimo dos traficantes; para poderem satisfazer-se são obrigados a cometer crimes e, normalmente, acabam se autodestruindo. Então, a tentação alcançou o seu último objetlvo.
c) Podemos lembrar a miséria de tantos matrimônios desajustados ou separados, onde não parece haver chance de reconciliação Sabemos que as causas da miséria matrimoniai são múltiplas. Podemos afirmar, porém, que há motivos pessoais, espirituais, sociais, econômicos, e até políticos.
d) Podemos lembrar a miséria no campo sexual. Antigamente o sexo era tabu; hoje ele foi libertado, dizem. No entanto, ele foi privado do sentido que o Criador lhe deu. Hoje, a propaganda, através dos moios de comunicação em massa, conseguiu incutir nas pessoas que a relação sexual antes ou fora do matrimônio é o mais normal do mundo, é até necessária para não ocasionar danos psicológicos. E de toda a máquina de propaganda pornográfica nem é preciso falar.
Sim, a nossa sociedade de produção e consumo alcança cada pessoa, seja de que classe ou idade for. A sociedade diz: Você vale pelo que produz — e já começa a competição cruel que favorece o mais inteligente, o mais forte, o mais moço e bonito, o mais são e, ao mesmo tempo, marginaliza o mais fraco (física e intelectualmente), o mais velho, de rugas, e o doente. A artimanha do mal ainda faz a sociedade justificar tal injustiça e perversão com argumentos aparentemente muito razoáveis e científicos. Sim, o mal está se escondendo atrás de tantas coisas boas como a inteligência, razão, força e poder, dinheiro, bens materiais, sucesso, mocidade e beleza, assim que a gente nem o percebe.
Reconheçamos e confessemos a nossa cegueira!
e) O tentador não pára na porta da Igreja.
Poderíamos pensar que os cristãos, uma vez convertidos e tendo entregue a sua vida a Cristo, estariam livres das tantas tentações que assolam o mundo. Mas vejamos a seguinte ilustração: Certo homem sonhou que. ao passar de noite pela vila, observou que inúmeros diabos estavam sentados em cima do telhado de determinada casa, enquanto que em cima do telhado de outra casa estava sentado apenas um diabo. O homem pensou consigo: Bem, lá onde há apenas um diabo deve residir gente cristã, enquanto que lá onde há inúmeros diabos deve residir gente não cristã! Quando compartilhou o sonho e seu raciocinio com o pastor, este lhe afirmou: Bem pelo contrário, meu irmão. Onde você viu apenas um diabo, só pode residir gente não cristã. Pois lá o tentador já ganhou o seu jogo e deixou apenas um guarda, pois o trabalho já está feito. Mas onde você viu inúmeros diabos certamente vive gente cristã. Pois lá o tentador faz o máximo possível para que o cristão se afaste novamente de Cristo e caia em tentação. Lá o tentador está passando trabalho incessante e duro para enganar, desviar e fazer cair o cristão.
Sim, é verdade, quanto mais o cristão procura viver com Cristo, tanto mais ele é conscientizado de sua própria fraqueza e culpa e tanto mais eie sente os ataques camuflados ou abertos com os quais o mal procura atingi-lo. Lembro a parábola do fariseu e publicano (Lc 18.11). Lembro a soberba espiritual que se instala entre nós cristãos quando enumeramos quantos capítulos da Bíblia lemos, quanto tempo dedicamos à oração, quantas visitas ou cultos fizemos, quantos cruzeiros ofertamos à Igreja, quantos grupos (estudo bíblico, JE, OASE, de homens, de reflexão) temos ern nossa Comunidade, etc.; ou quando compartilhamos experiências com determinado método, proposta ou plano de ação. Que eu não seja mal compreendido! Tudo isto é muito bom e necessário. Mas sejamos sinceros! Quão fácil enumeramos tais coisas com a intenção camuflada de nos autojustificarmos por meio de sucessos e obras: ou de sermos aceitos, reconhecidos, imitados e aplaudidos pelos irmãos! Quanta competição cruel se instala entre nós cristãos, sim. também entre nós pastores; quanta inveja, quanta luta pelo poaer e pelos melhores lugares na Igreja! Quanta absolutização de normas, métodos e formas em detrimento de outros acontece em nosso meio!
Parece que nós teólogos temos a maior dificuldade ern sermos humildes e tolerantes como Cristo o quer. Por quê? Por causa do nosso eu, do qual Lutero diz: Este velho Adão sabe nadar, portanto deve ser afogado diariamente.
Lembro ainda o nosso estilo de vida. Quando se trata do ordenado (subsistência) de nós, pastores, tornamo-nos muito sensíveis, engajados e impacientes. Disto o Concílio Geral da IECLB em Carazinho, 1980, deu provas. Verdade é que nós pastores pertencemos à classe media no Brasil, enquanto que 70 a 80% do povo estão abaixo e nós, quanto a seus rendimentos. Será que não nos orientamos demais para cima na escala dos rendimentos? Então o nosso próprio ser, o nosso estilo de vida pode tornar-se escândalo e tentação para a grande massa do povo brasileiro (leia-se mais sobre isso no livro de R. J. Sider). O que vale para nós pastores vale também para qualquer cristão de nossas Comunidades e para a nossa Igreja toda. Nós mesmos corremos perigo de sermos usados de tentação para o povo. Então nós, como Igreja, não mais temos poder de ser, poder de irradiação missionária (cf. Vicedom).
2. As artimanhas da tentação já se tornaram percebíveis no acima exposto. O tentador pode usar realmente tudo para quebrar o nosso relacionamento com Deus e o próximo e, desta forma, nos alienar. Ele age de maneira sutil, razoável, até de maneira piedosa, conforme for conveniente em cada situação. Ele até argumenta com versículos bíblicos (cf. Mt 4.1-11) para nos confundir e desviar. Por isso o Novo Testamento chama de DIABOLOS que é aquele que semeia dúvida (cf Gn 3.1), que cria confusão, desentendimento e separação. Lutero ilustra-o em Der grosse Katechismus (p. 128): Pois ele tem uma cabeça de cobra; quando a cabeça da cobra encontrar uma fresta ou um furinho em que consiga penetrar, então o corpo todo da cobra segue inevitavelmente.
Ele é traiçoeiro como um lobo difarçado com vestimenta de ovelha (cf. Mt 7.15). Mas ele também ataca aberta e violentamente como mostra a ilustração de 1 Pe 5.8: Ele anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar. Tais ilustrações e figuras querem ajudar-nos a compreender que ninguém aqui nesta vida passageira escapa da tentação. Que ninguém se iluda! Paulo alerta os cristãos (cf. 1 Co 10.12): Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia.
3. Como vencer na tentação?
O próprio Cristo ordenou aos discípulos (cf. Mc 14.38): Vigiai e orai. para que não entreis na tentação.
a) Vigiar é a atitude de ser crítico e estar alerta diante de tudo aquilo que o mundo oferece de bom, bem estar, felicidade, paz, justiça e amor. Para ser crítico é preciso que se tenha critérios claros e definidos. Tais critérios e valores recebemos na medida em que permitimos que o próprio Evangelho de Cristo penetre em nós diariamente e aprendamos a enxergar a nossa realidade à luz desse Evangelho. Isto não significa que a tentação fique longe de nós. Pelo contrário, M. Lutero diz no Catecismo Maior o seguinte: No Livro dos Antepassados lemos que um irmão jovem ansiava por ver-se livre dos seus pensamentos ímaus). E o padre ancião disse-lhe: Amado irmão, não podes impedir que os pássaros voem sobre a tua cabeça, mas podes evitar que façam ninhos entre os teus cabelos! E como disse Santo Agostinho: Não podemos evitar as incitações e tentações, mas orando e invocando o auxilio de Deus é possível conseguir que não vençam!
b) Também no Catecismo Maior Lutero diz: Remédio contra tal tentação encontra-se na oração e na invocação do amparo de Deus, e aponta para a nossa Sexta Petição e SI 50.15. Quem se acostumar a invocar Deus e a suplicar: 'E não nos deixes cair em tentação' poderá vencê-la. Schabert afirma: Nós podemos orar, porque não há tentação, na qual o Filho de Deus não esteja ao nosso lado, na qual não tivesse lutado e conseguido a vitória por nós. Também esta prece (como as outras) é um receber daquilo que já existe para nós.
Orar em nome de Cristo e por causa de Cristo quer ser treinado diariamente. Para tal os Salmos, hinos da Igreja e orações dos antepassados nos querem ajudar. Transcrevemos aqui a oração de um estudante da índia (cf. Helbich, p. 184): Jesus, meu Senhor, que venceste as incitações do mundo e as tentações do diabo, concede-me o teu poder para enfrentar corajosamente todas as cobiças carnais e todas as tentações do espírito! Inesperadamente elas me sobrevêm, contra a minha vontade. De tempo em tempo, elas se levantam contra mim e, em momentos desprevenidos, elas me coagem para sob o seu poder. Elas aparentam santo amor e o pervertem em cobiça sensual. Estou entregue a elas, e me sinto vencido e esmagado e, lentamente, elas debilitam a minha força de resistir.
Orar neste sentido é capitulação diante do poder do mal e diante de si mesmo e de suas próprias forças, mas é entrega total àquele que venceu o poder do mal e vence hoje por nós. Não importa que a oração seja bem formulada ou comprida. Às vezes nem há força para tal. Basta exclamar ou pensar em silêncio: Senhor Jesus Cristo, tem piedade, socorre-nos! Pois a promessa de 1 Co 10.13 é nossa!
c) A oração sempre quer levar à ação, como já vimos ao observar a palavra nos de nossa prece. Não há tentação que não nos afetasse de uma ou de outra forma. Por causa de Cristo somos um nele. Quando um membro sofre, todos sofrem juntos (ilustração: o elo fraco da corrente enfraquece toda a corrente). Agora podemos relembrar tudo aquilo que mencionamos sob item III.1. É preciso detectar claramente a instalação da tentação em todos os níveis. É claro que eu não tenho capacidade nem força para lutar em mil e uma frentes. Devo ver onde Deus quer que eu lute e seja obediente. Mas devo perceber que Deus coloca outros a lutarem em outra frente. Em vez de absolutizar a minha maneira em detrimento das outras, Cristo me liberta para apoiar concretamente os outros. Lembro, por exemplo, do movimento Justiça e Não-Violência ou da solidariedade concreta com os pobres até o autodespojamento. Estes são sinais, dos quais também a Igreja vive e dos quais muito necessita.
No entanto, para todos os cristãos (também nós pastores) vale o questionamento referente ao estilo e nível de vida. Nós nos orientamos socio-economicamente para cima ou para baixo? Cristo nos desafia para o último.
4. Soli deo gloria escreveu Johann Sebastian Bach sobre cada uma de suas obras musicais. Escreveu-o para si e para os que posteriormente tocariam as músicas. Pois a tentação sempre é que creditemos qualquer êxito, sucesso ou vitória em nossa conta em vez de darmos a glória, honra e o louvor a quem realmente cabem (cf. Ap 4.11; 5.11-13). Hoje já podemos experimentar sinais deste louvor eterno. No llm, depois de Cristo tiver eliminado definitivamente o último inimigo, a morte com todas as suas manifestações (1 Co 15.26), Deus será tudo em todos (1 Co 15.28) e não mais haverá tentação, mas alegria e júbilo (Sl 126), justiça (2 Pe 3.13), comunhão e paz (Ap 21. 3-5) em plenitude, sem sombra de tentação ou violação.
IV — Considerações e sugestões para a prédica
1. A estrutura da prédica poderia seguir os passos da meditação (cf. item III), iniciando com o depoimento de Iracema da Silva (item III, 1a) e culminando no soli deo gloria (item III, 4).
2. Considerando que a prédica parte da oração e meditação e para elas quer levar, seria muito bom, se na primeira parte, após a descrição de uma tentação, fosse feita, cada vez, uma breve oração.
V — Subsídios litúrgicos
1. Textos para intróito: a) 1 Co 10.13; b) Mc 14.38; c) SI 26.1-9 (a ser lido pela Comunidade em 2 grupos). Portanto, louvemos ao trino Deus: Glória seja ao Pai...
2. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai, à luz da tua Palavra reconhecemos que não temos vigiado para que não caíssemos em tentação. Em vez de confiar em teu Filho amado, que venceu todas as tentações em nosso favor, temos confiado em nossas próprias forças para vencer — e fracassamos. Por causa de Jesus Cristo nós te rogamos: Perdoa-nos a nossa ingenuidade, cegueira e falta de fé em ti. Perdoa-nos toda a insensibilidade com as tentações que assolam os pobres, jovens, idosos e solitários. Faze hoje um novo inicio conosco, aceitando, libertando e transformando-nos, a cada um pessoalmente e a nós como Comunidade de Cristo. Tem piedade de nós Senhor!
3. Absolvição: Assim diz Cristo para aqueles que se voltam a ele: (leia Mt 11.28.29). Por conseguinte: Glória a Deus nas maiores alturas...
4. Oração de coleta: Querido Deus e Pai, agradecemos-te por nos teres aceito como teus filhos e nos teres tornado irmãos por causa de Jesus Cristo. Oá-nos agora o teu Espirito Santo para que possamos ouvir a tua Palavra e faze com que esta nos liberte, renove e transforme. Ensina-nos a louvar-te em palavras e ações, por causa de Jesus Cristo que reina contigo e o Espirito Santo, de eternidade em eternidade! Amém.
5. Leitura bíblica: a) Mt 4. 1-11; b) 1 Co 10.6-13.
6. Assuntos para intercessão na oração final:
— a tentação que assola os pobres e subnutridos;
— a tentação que assola os jovens, matrimônios, idosos e doentes;
— a tentação que assola os povos do Terceiro e Quarto Mundo;
— a tentação que assola os ricos e os povos industrializados;
— a tentação que assola os povos em guerra;
— a tentação que assola a nós cristãos (soberba espiritual, autojustifi-cação por meio de sucessos, obras, insucessos e frustrações);
— a tentação que assola as Comunidades e Igrejas ricas;
— intercessão pelos dirigentes de Comunidades, Distritos, Regiões e Igreja toda;
— intercessão pelos que lutam por justiça e paz;
— intercessão pelos presos políticos;
— intercessão pelos governantes;
— que Deus nos ajude a darmos glória a ele somente e nos faça ver sinais do seu Reino.
VI — Bibliografia
Além dos múltiplos conhecidos comentários sobre Mt, Lc, Sermão do Monte e Pai Nosso, recomendo especialmente a seguinte literatura:
HELBICH, H.M. Das Vaterunser. In: Katechismus 74. 2.ed., München, 1974 (= Geborgen in allen Ängsten. Gedanken zum Vaterunser. Berlin, (s.d,)).
LUTERO, M. O Pai Nosso. In: Catecismo Maior. São Paulo, 1965.
LUTERO, M. O Pai Nosso. In: Catecismo Menor. São Leopoldo, 1976.
LUTHER, M. Der grosse Katechismus. In: Calwer Luther-Ausgabe. Vol. 1 München/Hamburg, 1964.
SCHABERT, A. Die Bergpredigt. München, 1966.
SCHNEIDER, W. Artigo Versuchung. In: Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Vol. II/2, Wuppertal, 1971.
SIDER, R. J. Der Weg durchs Nadelöhr. Wuppertal, 1978.
VICEDOM, G.F. Gebet für die Welt. München, 1965.
Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia