Não dirás falso testemunho contra o teu próximo
Waldir Berger
Vitorio Krauser
I - Significado original
O Oitavo Mandamento comumente recebe uma interpretação muito mais abrangente do que é o seu significado original. No seu lugar vivencial, este mandamento se refere ao falso testemunho que se pronuncia ou é erguido diante de um tribunal de justiça público, acusando um infeliz inocente... (Catecismo Maior, p. 83). As consequências a que podem levar um falso testemunho judicial a Bíblia apresenta no centro de sua mensagem: a condenação do próprio Filho de Deus (Mc 14.5588).
A interpretação original do mandamento poderá nos parecer muito restrita, por referir-se a casos esporádicos de justiça. No entanto, a ampliação deste sentido ao convívio humano longe dos tribunais, como o fazem os teólogos atuais, é perfeitamente justificável, já que a intenção é a de proteger a pessoa da desgraça da acusação injusta.
II - O Oitavo Mandamento na convivência humana
O dia a dia da convivência humana se apresenta como um ininterrupto processo, cujo conteúdo está determinado por acusações mútuas, julgamentos, justificação própria, busca pela legalidade das atitudes próprias.
O Oitavo Mandamento fala a nós como participes nesta situação processual da vida. Devemos estar conscientes do papel que nos cabe nesta situação, porque o uso da palavra para a verdade ou para mentira traz em si ou vida ou destruição.
Pelo nosso falar ou também pelo nosso calar podemos estar destruindo o nosso próximo. Existem crimes para os quais não se precisa sujar as mãos de sangue nem se expor; bastam boatos. Estes farão silenciosamente o trabalho. Sabemos que receptividade tem uma fofoca. Pouco menos mal é o fato de que a fofoca é dar ouvidos a ela. A repercussão de uma mentira será maior se tiver o cheiro da verdade. Por outro lado, o calar pode ter o mesmo efeito que a palavra dita, uma vez que poderá, em silêncio, condenar um acusado.
Também a própria verdade pode ser usada com a intenção de prejudicar o próximo. Temos que levar sempre em conta a situação em que se faz uso da verdade, pois, em si, ela não é algo absoluto, podendo, quando dita de maneira irrefletida, tornar-se um instrumento prejudicial. O critério para se lidar com a verdade é o amor. No Novo Testamento a verdade não é mais um princípio filosófico, mas sim, a encarnação de Jesus Cristo (Jo 1. 14,17).
O próprio Jesus se entende como a verdade (Jo 14.6). Desse mesmo Jesus, porém, é dito que veio para que o que era seu e os seus não o receberam (Jo 1.11) e que o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Mt 8.20). Assim, a verdade sempre foi algo um tanto alheio à convivência humana. Ela é característica de minorias desprezadas e não ocupa lugar nos grandes meios de comunicação. Esta repressão da verdade levou Jesus à cruz. Como vitorioso, o ressurreto traz em seu corpo as marcas da luta pela verdade (Jo 20.27). Qual é o perigo que representa o uso da verdade? Não é possível lidar com a verdade sem correr risco? É perfeitamente possível, desde que se faça dela uma verdade geral que não atinge ninguém, não ajuda nem prejudica.
No Oitavo Mandamento a verdade tem um endereço especifico e concreto. Isso é expresso na palavra próximo. Deus, através do Oitavo Mandamento, vai contra as verdades gerais e eternas. Ele quer que aqui e agora seja dito o que aqui e agora não pode ficar no silêncio.
O centro do Oitavo Mandamento não quer só atingir o mentiroso ou o fofoqueiro; estes já recebem rejeição e julgamento na sociedade. A maior atualidade deste mandamento está na sua caracterização dos diversos problemas de nossa época, em que pessoas são difamadas, destruídas e aniquiladas no seu ser:
1) O uso da verdade pelos meios de comunicação de massa: quando arrasam pessoas, justificam sistemas econômicos e políticos injustos, criam conflitos entre indivíduos, classes, instituições, povos e nações.
2) Nas exigências burocráticas: atestados, pareceres, cartas de apresentação e recomendação, avaliações, conceitos, que sempre são expedidos por pessoas influentes no meio social e podem servir de instrumentos ou para promover ou para difamar pessoas.
Isto mostra a grande responsabilidade daqueles que são portadores da palavra que dá testemunho a respeito de pessoas.
A pessoa é facilmente atingida neste campo, porque depende da opinião de outros; não consegue ser seu próprio juiz e não tem em si a verdade.
Se, a partir da própria insegurança, a pessoa olha para dentro de sua vida, abre-se para ela a compreensão profunda da conhecida doutrina da justificação pela fé. Esta é uma resposta à dependência humana, porque manda procurar aquilo que dá uma segurança final não no que outros expressam, mas em Jesus, que se tornou a testemunha na cruz, trazendo a absolvição definitiva. Como absolvido na cruz, o cristão não se vê livre de tarefas ou compromissos, mas exatamente aí, em vez de testemunha falsa, se torna testemunha da verdade.
III – Meditação
A ideia central do Oitavo Mandameto é proteger a pessoa contra acusações injustas. Desta forma, o mandamento defende a verdade. O critério básico para esta verdade, que deve orientar a vida da sociedade, é o amor. E o amor visa promover todo homem e o homem todo. A realidade do mundo, porém, espelha um quadro distorcido daquele proposto pelo mandamento. O que se vê é uma promoção não equitativa das pessoas. O mundo estruturado em pecado, através de seus sistemas econômico e político, se opõe à promoção em igualdade para todos. Por exemplo: o sistema de economia capitalista não pode fazer uso da verdade, como também um sistema totalitário precisa esconder a verdade para encobrir seus desastres diante de uma população.
Na sociedade capitalista a pessoa humana é valorizada a partir do que ela possui ou produz. Da corrida pela produção e enriquecimento faz parte a concorrência que gera o individualismo. Este individualismo, em termos de Comunidade, significa rompimento da comunhão, dificuldade no trabalho em grupos, conflitos entre vizinhos, fomentando uma promoção egoísta baseada no engano, na fraude, no suborno, que são atitudes contrárias ao Oitavo Mandamento.
IV - Sugestões para prédica
1. A prédica poderia iniciar destacando a intenção positiva do Oitavo Mandamento, ou seja a de proteger a honra da pessoa contra o falso testemunho. Deus quer o bem das pessoas, mas este quadro bonito desejado por Deus é quebrado.
2. Num segundo passo, a prédica poderia analisar a realidade do mundo, do pais, da Comunidade, com exemplos locais concretos, destacando como uso da mentira, do falso testemunho contribui para a promoção de algumas pessoas, difamando outras.
3. Como conclusão, a prédica poderia lembrar que no convívio ninguém está isento do uso da palavra. Tanto o calar como o falar podem destruir. O critério para fazer uso da palavra e da verdade é o amor. Esta verdade é concreta e encarnada na pessoa de Jesus Cristo.
V - Subsídios litúrgicos
1. Voto inicial: Disse Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim (Jo 14.6).
2. Absolvição: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conheceis a verdade e a verdade vos libertará (Jo 8.31S).
3. Leituras bíblicas: AT: 1 Reis 21.1-16; NT: 1 João 3.19-24.
4. Subsídios para a oração final
— Agradecimentos pelas pessoas que sabem respeitar a honra do próximo, pelas que sabem usar a verdade com amor.
— Intercessão por todos que devem fazer uso público da palavra, envolvendo pessoas; por todos os que devem dar pareceres, conceitos sobre pessoas; pelo que sofrem por causa da verdade; pelo que são acusados injustamente: pelo que prestam testemunho falso.
VI – Bibliografia
LOCHMAN. J.M. Wegweisung der Freiheit. Gütersloh, 1979, pp. 128-141.
LOHFF, W. Wie unser Leben gelingen kann. Hamburg, 1970, pp. 65-77.
LÜTHI, W. Die Zehn Gebote Gottes. Base!, 1950, pp. 201-214.
LUTERO, M. Catecismo Maior. São Paulo, 1965, pp. 83-92.
MÜLLER-SCHWEFE, H.-R. Die Zehn Gebote. Hamburg, 1973, pp. 107-121.
Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia