Nos primeiros séculos, a celebração da Ceia do Senhor era uma refeição comunitária, e, portanto, podemos concluir que as crianças participavam dela. Por outro lado, sabemos que algumas refeições formais da região do Mediterrâneo eram celebradas somente entre os homens, e que as mulheres e as crianças comiam as sobras, à parte. De acordo com os evangelhos, Jesus resistiu a esta prática, aceitando mulheres e crianças (Lc 7.44; Mt 14.21). Em João 6, está o relato da celebração de uma grande refeição comunitária realizada a partir de uma pequena porção de alimentos trazidos por uma criança (Jo 6.9). Em Mc 5.43, Jesus ordena que dêem de comer a uma menina. Muitas destas refeições celebradas por Jesus são tomadas como símbolos e representações precursoras da Eucaristia.
Na Bíblia, não encontramos nenhum argumento contrário à participação das crianças. Encontramos, isto sim, muitos exemplos e indicações de Jesus para sentirmos, compreendermos e nos comportarmos como uma criança diante de Deus: Mt 18.1-5; Mc 9.33-37; Lc 9.46-48. Jesus ensina sobre o amor de Deus a partir da criança. Ele exige a presença das crianças ao seu redor, quando diz: .Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis. Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. (Mc 10.13ss.).
Para Jesus, as crianças são colocadas como exemplo de vida, como modelos. Para nós, hoje, isto significa afirmar que a infância tem suas próprias características e que, em qualquer tempo de nossa vida, somos seres completos, imagem e semelhança de nosso Deus. Somos totais, porém, dependentes da relação com o outro para que possamos aprender a viver. Esta interdependência acontece no espaço familiar, comunitário, intelectual, profissional, etc. Ao mesmo tempo, somos pessoas com características próprias em cada um dos tempos de vida: embrião, feto, bebê, criança que se movimenta e fala, adolescente, jovem, adulto, idoso.
A partir dos relatos de Jesus, não há indícios onde se exige que as crianças testemunhem o que compreendem sobre o que está acontecendo. Pelo contrário, ele as coloca como exemplo de comportamento e do modo de ser para entrar no reino de Deus. Na Igreja antiga, as crianças participavam na Ceia do Senhor depois de batizadas. Esta prática se manteve até o século XIII, quando, no 4º Concílio de Latrão, em 1215, estabeleceu-se uma instrução mínima para participar da Ceia do Senhor. Para esta instrução, pressupôs-se uma idade mínima, uma maturidade e capacidade racional para a aprendizagem. A Igreja Ortodoxa, no entanto, até os dias de hoje, continua incluindo as crianças batizadas na Ceia do Senhor.
De algum modo, podemos dizer que a nossa tradição racionalizou a experiência da Ceia, pois colocou o entendimento como condição para comungar. Apesar de não encontrarmos testemunhos claros a respeito de Lutero celebrar ou não a Ceia com crianças, ele também considerava a participação das crianças: .Ao falar do culto da comunidade, Lutero disse que se dirigiam à mesa da comunhão .homem, mulher, jovem, velho, senhor, escravo, esposa, empregada, pais, crianças, como Deus ali a todos nos reúne.. (Revista Tear, nº 5, p. 7)
Ao afirmar que a Ceia é comer em conjunto e, para isto, não necessitamos de nenhuma condição, podemos dizer que a experiência precede o entendimento/ensino/explicação racional. Deste modo, não temos argumentos para excluir as crianças. Aliás, arriscaríamos perguntar: Será que, enquanto adultos, sabemos explicar o que acontece, por que fazemos isto e o que experimentamos? Com certeza não encontramos uma única resposta para cada uma destas questões.
Através das múltiplas pesquisas científicas nas diferentes áreas/disciplinas, podemos afirmar que estamos vivos porque somos seres que aprendem continuamente, ou seja, porque aprendemos a cada instante, vivemos. Deste modo, em qualquer tempo, temos capacidade e condições de aprender, apreender e compreender aquilo que experimentamos. Ao longo da existência, essas experiências permanecem como diferentes compreensões que podem ou não ser substituídas ou acrescentadas por outras, entre elas, a explicação racional.
Quando um bebê mostra a língua e a mãe reage, ou quando mostra a língua imitando a mãe, o bebê demonstra que é semelhante a nós. Conseqüentemente, percebe e conclui que, de todos os objetos existentes na casa, .os adultos são como eu e eu como eles.. Não é algo que seja ensinado aos bebês. Eles deduzem, e essa percepção torna-se fundamental para o desenvolvimento moral, social, religioso.
Uma criança de um ano de idade já percebe o que os adultos pensam. Por exemplo: quando vê um adulto olhando para algo e sorrindo, percebe que queremos que faça isto. Com um ano e meio, percebe que somos diferentes e que podemos ter gostos diferentes dos deles.
Além dos adultos, a convivência com os irmãos/irmãs e com crianças e jovens é decisiva, pois passam a aprender mais rapidamente e a perceber outras manifestações de sentimentos.
Desde o útero materno, aprendemos porque sentimos, experimentamos, ou seja, através do que dizem ou fazem a nossa mãe, o nosso pai, os nossos irmãos... entendemos e damos sentido ao que está ao nosso redor. As crianças aprendem porque convivem com outras pessoas e, neste conviver, descobrem como é o mundo e as suas múltiplas relações. Participando nas diferentes situações da vida diária, as crianças aprendem aquilo que faz parte da cultura e da religiosidade de um povo. Está comprovado que as crianças aprendem mais até os 3 anos de sua vida do que em qualquer outra época. Para nós, isto significa que devemos viabilizar a participação e a permanência das crianças nos espaços litúrgicos e celebrativos, principalmente na Ceia do Senhor.
Como podemos fazer isto? A Ceia é um momento muito simbólico, gestual, rico em elementos. É um momento festivo, onde juntos partilhamos a comida. É nesta participação e neste experimentar de sentimentos que a criança irá educar-se na fé. É através do reconhecimento de que aqueles que estão ao seu lado a acolhem e celebram com ela de modo amoroso que a criança experimenta o amor de Deus por ela. E, por causa desta experiência, a criança se sentirá segura para amar e confiar.
A partilha ao redor da Ceia entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos é, por excelência, um espaço privilegiado de aprendizagem. Se durante a infância aprendemos tanto, isto significa que tudo o que experimentamos nesta época fará sentido e permanecerá conosco durante toda a nossa vida. Podemos dizer que quem não tomou a Ceia do Senhor durante 13 ou 14 anos não sentirá falta ou necessidade desta celebração durante a sua vida.
Neste momento, o que precisamos é reinventar novos jeitos de caminhar, organizando uma liturgia inclusiva onde a celebração do Culto seja realizada incluindo também as crianças.