Homossexualidade - 1999

19/05/1999

Acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a Glória de Deus. (Rm 15.7)

Por meio dessa palavra do apóstolo Paulo saúdo a vocês, nesta época entre Páscoa e Pentecostes. Lembramos que o Crucificado vive e pelo Espírito Santo nos faz viver em comunidade. Nela vivemos e servimos, pela sua santa e graciosa vontade, desde Pentecostes até a sua segunda vinda. A partir do Batismo fazemos parte da grande família de Deus, sinal visível da esperança pascal. No sacrifício do seu Filho Deus nos acolheu incondicionalmente. Este ato de amor engloba todas as pessoas. Nada que uma pessoa é ou faz pode excluí-la deste amor. Por isso, como comunidade cristã, não podemos aceitar que pessoas sejam marginalizadas ou excluídas da convivência social e comunitária.

À luz dessa incondicionalidade do amor de Deus, a Presidência e o Conselho da Igreja confrontaram-se com a dificuldade da sociedade e da Igreja em lidar com pessoas de orientação homossexual, popularmente chamadas de gays (masculino) e de lésbicas (feminino). Reconhecemos que tais pessoas, via de regra, são discriminadas e rejeitadas social, cultural e religiosamente. Esta rejeição manifesta-se também na comunidade cristã. Temos que admitir que sempre havia tais pessoas também em nossas comunidades e, conseqüentemente, também entre os colaboradores e colaboradoras da Igreja. Normalmente isso era encoberto e recriminado. Novo é o fato de que se fala sobre homossexualidade abertamente, com mais ou menos respeito, compreensão e conhecimento de causa.

Entre os que debatem o assunto, não há nenhuma dúvida de que Deus ama as pessoas que se sentem atraídas sexualmente para o mesmo sexo tanto quanto as outras atraídas para o sexo oposto. Está claro, também, que tanto umas quanto outras precisam da graça de Deus para serem salvas. Nenhuma pessoa é agradável a Deus por causa da sua orientação sexual. O apóstolo Paulo escreve: ...não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus. (Rm 3,23s). Todos nós, sejamos pessoas heterossexuais ou homossexuais, somos justificados tão somente pela graça de Deus e pela fé que o Espírito Santo em nós opera.

Até aí há consenso no debate. As diferenças surgem na maneira de lidar com a homossexualidade na Igreja. Um grupo vê a homossexualidade como uma orientação que deve ser corrigida. Entendem que há na Bíblia severas condenações da prática homossexual que requerem total observância também nos dias de hoje. Acentuam que na criação Deus criou a humanidade como homem e mulher, e que somente na união dos sexos opostos a humanidade se torna completa. Entendem que as pessoas de tendência homossexual devem resistir a ela e sustentam que com aconselhamento, paciência, persistência e apoio é possível e desejável vencê-la. Outro grupo defende que a orientação homossexual é imutável e não deve ser corrigida. Tentativas de mudança atrapalham ou impedem a auto-aceitação necessária para viver e aumentam o sofrimento das pessoas envolvidas. Analisam as passagens bíblicas sobre o assunto a partir do seu contexto, no qual estavam relacionadas com a questão da idolatria e do poder, tirando-lhes assim o caráter condenatório.

Vocês certamente percebem que estas duas posições são bastante antagônicas, e que não será fácil encontrar um consenso que possa fazer justiça às pessoas envolvidas. Essas posições também perpassam o debate que há na própria IECLB, como manifestam as correspondências recebidas pela Presidência.

Na procura por um posicionamento nesta questão, o Conselho da Igreja realizou, no dia 30/04/99 na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo, um seminário sobre o assunto. Queria iniciar uma reflexão aberta e séria, baseada na Palavra de Deus, mas também orientada por informações objetivas e científicas. Neste seminário tentei enfocar a importância da definição científica e os jeitos diferentes de ler e interpretar o que a Bíblia fala sobre a questão. Propus, ainda, alguns passos, a fim de envolvermos na reflexão também os sínodos e as comunidades. O P. Dr. Gottfried Brakemeier, a partir da sua experiência ecumênica, apresentou como outras igrejas cristãs tratam a questão da homossexualidade.

E o P. Ms. Ricardo Wangen, a partir da sua longa prática de Clínica Pastoral, trouxe informações sobre as dificuldades e sofrimentos das pessoas de orientação homossexual e seus familiares. O seminário confrontou os conselheiros com os seus próprios preconceitos e ajudou-os a entender e definir melhor toda a problemática. Fê-los ver, também, que numa questão tão carregada de conceitos culturais negativos é preciso agir com muita cautela, para não conturbar a vida da Igreja e das comunidades, e evitar que as diversas posições construam barreiras que depois se tornam intransponíveis.

Para o Conselho da Igreja o seminário foi o início da reflexão sobre a questão da homossexualidade. Não se poderia esperar uma resolução rápida num assunto tão polêmico. Mas a Direção da Igreja viu a necessidade de que o estudo deste tema deva ser levado adiante. Com o objetivo de envolver na reflexão também todas as lideranças das instituições, comunidades paróquias e sínodos, o Conselho da Igreja encarregou a Presidência de escrever esta carta pastoral. Faço-o com a valiosa cooperação dos dois colegas da Vice-Presidência, aos quais agradeço de coração. O Conselho da Igreja solicita também que o assunto seja incluído na pauta da próxima reunião da Presidência com os Presidentes e Pastores Sinodais, em 01 a 03 de outubro de 1999, a fim de ver, se e como pode ser tratado nas comunidades. A partir da reflexão neste fórum o assunto seria, então, abordado nos conselhos e nas conferências de obreiros sinodais. As respectivas conclusões deverão ser remetidas à Secretaria Geral, até 31.03.2000. Servirão de base para nova avaliação da questão na primeira reunião do Conselho da Igreja, no próximo ano. Previu-se, ainda, a realização de outro seminário ou consulta nacional sobre o tema, com a participação de representantes das diversas posições, profissionais das áreas envolvidas (teologia, medicina, biologia, psicologia), representantes dos sínodos e das instituições de formação da Igreja e também pessoas de cunho homossexual. A partir deste evento deverão ser elaborados subsídios sobre homossexualismo para o estudo nas comunidades. Todo este processo de reflexão, certamente, relacionar-se-á muito bem com o lema da Igreja para o ano 2000 - Novo Milênio sem exclusões. Ele nos estará desafiando para sonhar e criar, pelo menos em forma de sinais, uma sociedade e, sobretudo , comunidades sem exclusões.

Concluo com a manifestação de um dos conselheiros, feita durante o seminário: O assunto não deve ser abordado por pressão, mas em solidariedade, amor e diálogo fraterno. Neste sentido convoco todos vocês a refletirem sobre a maneira de acolher pessoas de orientação homossexual. Assim também elas poderão experimentar a graça e o amor de Deus em nossas comunidades. Rogo a Deus que faça soprar fortemente, em nós e através de nós, o poder acolhedor e consolador do Espírito Santo e saúdo a vocês e aos seus,

Porto Alegre, 19 de maio de 1999

Huberto Kirchheim

Pastor Presidente
 


Autor(a): Huberto Kirchheim
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Presidência
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12560
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É isto que significa reconhecer Deus de forma apropriada: apreendê-lo não pelo seu poder ou por sua sabedoria, mas pela bondade e pelo amor. Então, a fé e a confiança podem subsistir e, então, a pessoa é verdadeiramente renascida em Deus.
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