Confissão e esperança

 Sempre preparados para dar “razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15)


 A teologia da graça nos anima e fortalece na esperança e no compromisso transformador diante da ideologia do crescimento e acumulação ilimitados. Ela também previne contra uma teologia que enaltece o consumo como um fim em si mesmo ou glorifica a prosperidade desvinculada dos valores da justiça. O que temos e somos não constitui mérito nosso, mas representa dádiva e graça de Deus. Somos tão somente parte da criação divina. A criação nos é confiada a nosso cuidado, jamais para sua exploração.

 Realçamos a teologia do amor que se doa, em oposição a uma ideologia que promove a exclusão e alimenta uma cultura da auto-satisfação.

 Cremos no Deus da vida que ouve o clamor do povo sofrido e os gemidos de sua criação. Cremos no Deus da vida que espera misericórdia e não impõe sacrifícios.

 A idolatria de nossos dias fica excluída como opção autêntica já nas palavras de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6.24) O reino de Deus e a sua justiça não combinam com a acumulação de riqueza por parte de alguns em detrimento do atendimento das necessidades existenciais da coletividade.

 Confessamos que a fé no Deus da vida, ao relativizar a centralidade da economia, nos liberta para ações de graça e serviço, de trabalho e descanso, de festa e solidariedade.

 Ao mesmo tempo, confessamos nossos limites e nossa precariedade quando se trata de viver e experimentar a partilha e a promoção da justiça e de vida digna para todos. Estamos conscientes das contradições, fracassos e tentações presentes nas comunidades e na Igreja. Sentimo-nos também envolvidos pelo sistema político-econômico vigente, a ponto de sermos co-participantes de um jogo com regras e fins dos quais até discordamos. A crise de valores traz em seu bojo outras graves conseqüências, como o tráfico e o consumo de drogas e o crescimento da corrupção no âmbito público e privado, em escala nunca imaginada. Nessa ambigüidade vivemos. Carecemos todos de libertação, renovação e mudança de rumo. Necessitamos de arrependimento e nova vida.

 No entanto, em fidelidade à Palavra de Deus e à fé despertada e animada pelo Espírito Santo, somos instados a proclamar a razão de nossa esperança numa época de enormes desafios bem como de imensas necessidades e tentações.

 Cremos em Deus que cria, mantém, salva e consola.
 Por isso, rejeitamos doutrinas pseudo-religiosas mascaradas de projetos e sistemas político-econômicos que promovem a morte e exigem para si mesmos veneração e adoração.

 Cremos em Jesus Cristo, a partir de quem recebemos vida nova. Somos perdoados e libertos de todas as amarras para servir, de forma livre e agradecida, a todas as criaturas, porque Deus em seu amor envolve a tudo e a todos, e a ninguém exclui.

 Por isso, rejeitamos doutrinas que pregam a separação das esferas espiritual e material, depreciando o mundo e a sociedade e enaltecendo apenas valores espirituais. Igualmente rejeitamos todas as formas de preconceito racial e discriminação étnica.

 Cremos no Espírito Santo, que pela Palavra e pelos sacramentos cria e mantém a Igreja. Esta é formada não por pessoas isentas de culpa, mas por pecadores justificados pela graça de Deus, pessoas que são chamadas a constituir comunidade, prestar culto a Deus e a testemunhar sua fé num mundo marcado pelo pecado. Esta fé move a Igreja e todos seus membros a viver em amor e a doar-se no serviço ao próximo, em especial aos mais pequeninos e fracos, aos desamparados e desconsolados, aos injustiçados e que padecem qualquer tipo de necessidade. Enquanto instituição humana, a própria Igreja e seus membros deixam questionar-se, pela Palavra, em suas falhas, a fim de que seu serviço seja mais consoante com a vontade de Deus.

 Por isso, rejeitamos doutrinas que adaptam a Igreja ao mundo a ponto de ela servir aos interesses ideológicos e políticos hegemônicos, perdendo assim toda sua dimensão crítico-profética. Igualmente rejeitamos um individualismo que, mesmo afirmando a dignidade de cada pessoa humana, despreza na prática a importância de sua inserção e vivência fraterna em comunidade. Negamos que a pessoa se baste a si mesma, mas afirmamos a necessidade do servir uns aos outros.


Fonte: Manifesto de Chapada dos Guimarães, Concílio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 2000 – veja versão completa
 

Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo Jesus tinha.
Filipenses 2.5
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