A Bíblia é um livro extraordinário. É Sagrada Escritura para duas religiões, a judaica e a cristã. Isto se refere, é verdade, apenas à primeira parte da Bíblica, escrita originalmente em hebraico, conhecida na cristandade como Antigo Testamento (AT). Ele é chamado “Tenak” na comunidade judaica. Mas o texto é basicamente o mesmo. Não assim o Novo Testamento (NT), que é um livro por excelência cristão, redigido em grego e acrescentado à Bíblia pela igreja cristã. Ele faz a diferença entre as duas religiões. Mesmo assim, vale lembrar que há um forte elo de união entre ambas. A fé cristã nasceu no seio do povo de Israel, do qual tanto Jesus como os primeiros cristãos eram membros. Na igreja cristã, a que o crucificado e ressuscitado deu origem, as antigas promessas não foram anuladas. Em Jesus, a comunidade cristã enxerga o cumprimento das profecias e, simultaneamente, a renovação e ampliação das mesmas. Por isso, o AT é parte inseparável da Sagrada Escritura cristã. O Deus que fala no AT é também o “Pai Nosso” a quem dirigimos nossas preces.
É claro que a perspectiva crista altera a compreensão da parte hebraica da Bíblia. O Novo Testamento passa a ser a chave interpretativa do Antigo. Mas o inverso também é verdade: sem a leitura do AT, a compreensão do NT fica prejudicada. Não se pode entender Jesus, a não ser no pano de fundo da história de seu povo. Sem esta estaria cortada a raiz da fé cristã. Cumpre-se em Jesus e por meio da igreja algo do prenúncio feito a Abraão, a saber, que nele seriam benditas todas as famílias da terra (Gênesis 12.3). Seja anotado também que a Bíblia cristã, mediante o lado-a-lado de AT e NT, une duas culturas, a hebraica e a helenística. A fé cristã não tem natureza “mono-cultural”. Já em seus inícios mostrou ser capaz de expressar-se em culturas distintas, algo de extrema importância para a história da igreja posterior. Também sob esse aspecto a Bíblia é um livro singular: foi escrita em duas línguas diferentes.
Entrementes ela se encontra traduzida em milhares de idiomas. Quase não há língua falada neste planeja para a qual não fossem traduzidas pelo menos algumas partes. Estão sendo impressos e vendidos anualmente milhões de exemplares. É verdade que a Bíblia perdeu influência em meio ao secularismo e à crescente religiosidade não-cristã do mundo globalizado. Todavia, a força da Bíblia continua surpreendente. Ela é seguramente o livro de maior efeito histórico em todos os tempos. Moldou culturas, inspirou os povos com a sua sabedoria, formou o espírito de gerações. A Bíblia é sinônimo não só de uma proposta de fé, mas também de um projeto social.
Isso se aplica com especial pertinência à igreja cristã. A Bíblia formula e assegura a identidade cristã. Ela a preserva no fluxo dos tempos e na variação dos lugares. Contém a tradição normativa da igreja, a própria palavra de Deus. Exerce a função de “cânon”, de regra. Não há igreja ou grupo cristão sem Bíblia. Já por esta razão vale a pena conhece-la. O que é cristianismo? As respostas podem ser muitas, dependendo dos enfoques. Mas a palavra final cabe à Bíblia.
Pastor Dr. Gottfried Brakemeier, em “Por que ser cristão?”, Editora Sinodal
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