Ao cair da tarde do dia 27 de janeiro de 2014 aconteceu na Praça Saldanha Marinho, centro de Santa Maria, o ato ecumênico em memória aos atingidos pela tragédia da boate Kiss. Com a presença de representantes de várias denominações cristãs da cidade cerca de 2000 pessoas lotaram a praça para um momento especial de homenagem e oração. O ato foi precedido por pela leitura dos nomes do 242 mortos em função do incendio na boate. Antes da leitura de cada nome se ouviu o toque de tambores. Em seguida aconteceu o toque de sinos de igrejas da cidade e uma longa salva de palmas por parte das pessoas que estavam presentes na praça. A celebração foi cheia de emoção e durante a mesma aconteceu a leitura da seguinte mensagem, assinada pelos representantes das igrejas que durante este um ano que seguiu a tragédia estiveram presentes em todos os atos ecumênicos realizados :
”Acabamos de ouvir o toque dos tambores e dos sinos que evocam à nossa mente e aos nossos corações uma tragédia que se abateu sobre nossa cidade há um ano atrás. Hoje estamos reunidos aqui com igrejas e confissões religiosas para que a memória dos filhos e filhas de Santa Maria, sacrificados naquela madrugada, não seja apagada.
O inesquecível 27 de janeiro de 2013, não tem como ser apagado em nossas memórias e nem da memória de Santa Maria, do Brasil e do mundo inteiro
A tragédia ceifou a vida prematura de 242 jovens na sua tenra idade, cheios de vida, sonhos, utopias, planos de um futuro promissor, para o qual haviam se preparado, com tanta dedicação, esmero e eficiência, com o apoio de seus pais, familiares, professores e amigos.
Como irmãos e irmãs de fé, nos identificamos com a dor individual de cada familia, mas também com a dor coletiva vivida por uma cidade inteira que parecia atônita, desorientada e triste.
No meio de tanta dor, aprendemos destes jovens que não existe caminho de superação da dor e da saudade sem que nos tornemos conscientes de que a partilha e a comunhão é um dom de Deus para nos tornarmos mais humanos e mais solidários uns com os outros.
Ao longo do ano rezamos juntos, celebramos mensalmente, cada vez em outra Igreja, fortalecendo-nos mutuamente na Fé, na Esperança e na certeza de que os jovens já se encontram na Casa do Pai, onde há muitas moradas. E lá vivem a vida plena que também está reservada a todos nós.
Os sobreviventes daquela fatídica madrugada têm vivido também dores que não se pode mensurar, e a estes também temos elevado as nossas preces a Deus para que alcancem a plena superação e se fortaleçam na esperança e na luta pela justiça.
Mesmo em meio à dor de tanta gente, a fé no Cristo Ressuscitado é o que nos dá forças para estar ao lado das famílias, ouvindo seus corações e fortalecendo a sua luta.
Jesus, o Filho de Deus, que em nosso lugar sofreu tantas dores, nos oferece sempre a certeza de que não estamos sozinhos. Ele, que conhece plenamente a humanidade, é a garantia de que não somos abandonados e que o amor de Deus será sempre derramado em nossos corações. Nada, nem a vida, nem a morte nem nenhum poder espiritual ou temporal pode nos afastar do amor de Deus e isso nos é assegurado através de Jesus. (Rm 8.39)
Foi esta força que nos manteve unidos para atender pastoralmente as familias e ao mesmo tempo animá-las na busca da verdade e da justiça. Uma busca que continua e que será alcançada se nos mantivermos firmes na esperança e contando com aquele que é a manifestação da perfeita justiça de Deus, que intercede por nóse que nos defende diante do mal.(1 João 2,1-2)
Agora, resta-nos elevar nossas orações pelos jovens para que eles nos inspiremna busca da verdade e no clamor por Justiça. Que a Justiça Humana, em todos os níveis, seja iluminada pela Justiça Divina, para fazer julgamentos justos, honestos e verdadeiros. Queremos inspirar-nos na sábia palavra de Jesus: “e a Verdade vos Libertará”.
Nossos filhos deixaram um primeiro GRANDE legado que nos remete a entender que devemos permanecer UNIDOS, juntos, lutando para que nossa sociedade abandone de vez projetos que banalizam a vida. Precisamos assumir com todas as nossa forças o exercicio de uma cidadania proativa que evite que novas tragédias se abatam sobre outros.
Queridos pais e mães, não temos dúvidas que vocês foram iluminados pela dor, pela busca da verdade, pela saudade, pela esperança e pela palavra de Deus. Não se deixem porém dominar pelo ódio. Busquem a verdade com corações serenos e providos pelos intensos sentimentos do amor. Se não for desse jeito a verdade não terá o gosto da verdade.
Nossa fé comum no Deus da Vida nos anima a dizer-lhes: Jesus Cristo é capaz de entender cada pedacinho dessa doída saudade e, como Pai Amoroso, está presente para enxugar as suas lágrimas quando elas se derramam. Acreditem nisso.
Em nossa sociedade ainda há muito que se fazer para valorizar a vida. Não podemos encarnar uma lógica do lucro fácil, da absolutização do individualismo, do amor às coisas e do uso das pessoas. A vida digna precisa ser o centro e não o apêndice.
Quando a dor for demais não se privem de fazer perguntas, não abafem a vontade de gritar, falem e não se calem, e depois disso se as lágrimas desceram por suas faces, não as impeçam e nem delas sintam vergonha. Permaneçam perto de Deus. Ele é o porto mais seguro para todos nós. Com Deus em nossos corações estamos absolutamente amparados
Recebam o nosso abraço de carinho, de consolo e nosso compromisso de estarmos sempre prontos a apoiá-los sacramentalmente como ovelhas do rebanho de Cristo. A cerimônia dos tambores nos lembra convocação para a luta pela justiça e pela verdade. Os sinos nos evocam a necesidade de estarmos em comunhão com Deus e buscarmos a iluminação espiritual para seguirmos adiante. Luta sem espiritualidade é apenas luta. Luta com espiritualidade é certeza de vitória!
Aos nossos filhos pedimos perdão porque a nossa sociedade não os respeitou. Mas que eles estejam certos de que não deixaremos de lutar para que isso jamais aconteça de novo.
Que o amor de Deus nos una; que a coragem de Deus nos sustente. Que a alegria de Deus nos inspire e que a paz de Deus nos envolva!”
Santa Maria RS, 27 de Janeiro de 2014 (Praça Saldanha Marinho)
Dom Francisco de Assis da Silva, Arcebispo – Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
Pastor Elmar Regauer – Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Padre Gilberto B. Da Cunha - Igreja Católica Apostólica Romana
Irmã Lourdes Dill, FDC - Igreja Católica Apostólica Romana
Pastor Reinoldo G. Neumann - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
Pastor Mateus Schmidt – Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Pastor Jaderson Maretolli – Templo Restauração
Adherbal Ferreira – Igreja Católica Apostólica Romana e AVTSM.
Teólogo Flávio Weiss – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil