O Conselho Mundial de Igrejas está conclamando as igrejas para a Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz, que vai acontecer em Kingston, Jamaica este ano. Este evento encerra a Década para a Superação da Violência. À medida que a data do início da Convocatória se aproxima, vozes do movimento ecumênico vindas de todo mundo expressam sua visão acerca do tema da paz justa. Uma destas vozes é a do pastor luterano brasileiro Altermir Labes, que tem um longo histórico de envolvimento em iniciativas de paz no Brasil. Ele foi entrevistado por Marcelo Schneider durante a XIV Assembleia do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), que aconteceu nos dias 11 e 12 de março, no Rio de Janeiro.
Labes é Pastor Sinodal do Sínodo Nordeste Gaúcho, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e mora em Estância Velha, Rio Grande do Sul. Desde maio de 1985, quando passou a atuar no Serviço Paz e Justiça (SERPAJ), Labes tem se engajado em processos de construção de paz e afirmação de não violência no Brasil. Ao longo destes anos, teve a oportunidade de trabalhar na coordenação nacional da organização, em Brasília, atuando na coordenação de projetos de desenvolvimento apoiados por agências européias. Por ocasião da Assembleia do CONIC, foi eleito tesoureiro do Conselho para o período de 2011 a 2015.
Quais são os principais temas destes esforços de construção de paz, de não violência, na realidade em que você vive?
A nossa igreja toda se ocupa, neste ano, com o tema “Paz na Criação de Deus”. Esta discussão, para nosso Sínodo Nordeste Gaúcho, é uma continuidade do que trabalhamos, há dois anos, que era “Juntos Fazemos a Diferença”. Todo este tema estava centrado em nosso compromisso com o mundo e com o cuidado com a Criação de Deus. Portanto, este tema para 2010 vem colaborar muito nesta discussão em nossas comunidades, inclusive naquelas que já têm uma caminhada neste sentido.
Um dos temas mais importantes em nossa discussão local é o da reciclagem do lixo que produzimos. Conclamamos nossas paróquias a se engajarem neste tema. O resultado foi 47 toneladas de material reciclável arrecadadas. Pode não ter sido muito, mas, hoje, mais de 15 paróquias nossas continuam arrecadando sistematicamente material, vendendo-o para usinas de reciclagem e, com este recurso, subsidiando projetos sociais ou ajudando em outras ações. Então, acredito que a grande contribuição que a igreja tem para dar é a conscientização, a chamada à consciência sobre o tema, provocando discussões em torno destes temas.
Por que a questão da violência e a busca da paz fazem ou deveriam fazer parte da vida das igrejas?
Primeiramente, por conta do nosso compromisso com o Evangelho. Não existe compromisso nosso, cristão, sem o empenho na luta pela paz, justiça e superação da violência. Em segundo lugar, acho que este é um compromisso que se assume como pessoa, não só como cristão ou cristã, mas como parte da humanidade. Paz sem justiça não existe. Não se pode buscar a paz sem perseguir a justiça. Na IECLB, temos uma trajetória grande com vários exemplos de identificação e luta por paz e justiça, pela busca dos Direitos Humanos.
A religião é um “ferrolho” de paz no mundo ou ela também pode ser um ambiente violento?
Creio que há violência dentro nas religiões também. Isso fica claro quando olhamos para os conflitos no Oriente Médio hoje em dia, por exemplo. Eu estive durante um mês em Israel, há alguns anos atrás, e pude acompanhar de perto a discussão diária em torno da questão Israel/Palestina. Lá, pude ver que a discussão sobre fé desperta também sentimentos de conflito. Num contexto assim, se uma igreja não busca uma discussão sobre isso, se não é portadora deste tema do tema da busca pela paz na sociedade, ela nega o Evangelho.
Cristãs e cristãos têm um papel a desempenhar no diálogo inter-religioso no que tange a questão da superação da violência?
Sim. Nós temos um grande papel, pois quando falamos em paz, não podemos falar que paz é somente ausência de guerra. Paz é muito mais. É a superação da falta de comida... é a paz nas relações entre as pessoas. E para nós, igrejas engajadas no movimento ecumênico, o tema da paz é muito maior, pois a discussão em torno da paz leva ao debate sobre tolerância.
Atualmente, o Brasil está experimentando um crescimento econômico expressivo. A riqueza econômica é um fator de gerador de violência? O crescimento econômico do Brasil pode nos levar a acreditar na diminuição da violência?
O compromisso que temos, como igrejas, de cobrar a justa distribuição de riquezas é uma das ferramentas que podem garantir uma diminuição da violência. Acredito que o salto de qualificação que está se dando é óbvio. A realidade está mudando diante dos nossos olhos, principalmente nas áreas do direito à moradia, no acesso aos direitos e à educação. Neste contexto, a busca pelo enriquecimento pode gerar violência, mas aí também, na cobrança de uma distribuição justa da riqueza gerada pelo país as igrejas deveriam ter um papel de protagonista.
A violência, hoje, atinge todos os segmentos da sociedade. De uma forma mais brutal, no entanto, atinge os segmentos de baixa renda. Mas ninguém este imune à violência. E não é só aquela praticada com armas de foto, mas também a violência verbal, por exemplo. As religiões, no Brasil, têm um papel fundamental no resgate de valores essenciais na sociedade que foram se perdendo ao longo do caminho.