Ano Litúrgico

A nossa vida tem estreita relação com o tempo. Vivemos no ritmo das horas, do dia, da semana, dos meses e do ano. O tempo é uma necessidade humana; ele regula e ordena a nossa vida. Não vemos o tempo, nem o tocamos, mas temos instrumentos que nos ajudam a medir o tempo. O ser humano inventou o relógio para marcar a passagem do dia, assim como o calendário, para marcar os meses e o ano. Antes mesmo de surgir o relógio e o calendário, o tempo era regulado pelo sol, controlando o dia, e pela lua e estrelas, controlando a noite. As fases da lua, por sua vez, serviam para definir as semanas, assim como o ano podia ser medido mediante as estações. Quer dizer, além dos instrumentos que o ser humano inventou para medir o tempo, a própria natureza forneceu o ritmo ordenado do dia, da noite, das semanas e do ano.

Há muitos outros elementos relacionados ao tempo dos quais se pode lembrar. A Bíblia, por exemplo, nos fala sobre o tempo das nossas vidas. O livro de Eclesiastes o define como “tempo de nascer e de morrer...; tempo de chorar e de rir...; tempo de buscar e de perder...; tempo de amar e de aborrecer...” (Ec 3). Complementando Eclesiastes, há o tempo de trabalhar e o de descansar e festejar. A observância do ritmo do tempo se encontra presente na própria obra da criação de Deus, conforme o descreve Gênesis, capítulo 1. Ali se fala em dia, noite, tarde, manhã, primeiro a sétimo dia, trabalho e descanso.

O tempo, como um elemento tão precioso da vida humana, também é um instrumento importante para a vida da igreja e está relacionado aos principais acontecimentos da história da salvação. Deus veio a nós, tornou-se gente, se revelou na nossa história, dentro do nosso tempo. Para falar conosco, no dia a dia das nossas vidas, Deus utiliza o nosso tempo, as nossas horas, os nossos meses e o nosso ano. Assim, Deus se encontra conosco e continua a história da salvação, através do serviço da sua igreja.

Uma das muitas formas que a igreja encontrou para desenvolver e estruturar o seu serviço foi a criação de um calendário litúrgico. Assim como existe um calendário civil, na igreja há um calendário eclesiástico o qual marca as datas especiais e as festas mais importantes para a celebração da fé e da história de Deus conosco.

Além de ano litúrgico, também são conhecidas as expressões Ano da igreja, Ano eclesiástico ou Tempo litúrgico. A terminologia Ano da igreja visa a marcar a diferença entre ano civil e religioso; Ano eclesiástico tem em sua base o termo latim “ecclesia”, que quer dizer “igreja”. E Tempo litúrgico surge da palavra grega “leitourgia”, termo utilizado para designar culto, o serviço de Deus realizado pela igreja. Portanto, ano eclesiástico, ano da igreja e ano ou tempo litúrgico são termos que designam o tempo da igreja no mundo, assinalado pelas festas e eventos significativos da história da salvação.

Ciclos

O ano litúrgico está divido em três grandes períodos ou ciclos (Natal, Páscoa e Tempo comum). Através deles, a igreja cristã celebra os grandes e mais importantes feitos de Deus. Centrando nos principais acontecimentos salvíficos, o ano litúrgico possibilita uma passagem pela história de Deus com o seu povo. Cada evento, cada festa representa um aspecto da história da salvação. Celebrar através do ano litúrgico significa não só revisitar os feitos de Deus no passado, mas é também reatualizar (anamnese) a história do Deus-conosco no presente de nossas vidas. Percorrer o ano litúrgico é para a comunidade cristã celebrar o que Deus fez por nós, o que Deus faz por nós e o que Deus fará por nós. 

A centralidade do ano litúrgico
Deus falou e fala para o seu povo de muitas formas, mas em Jesus, ele falou de um modo muito especial. Pois, em Jesus, Deus se tornou humano, assumiu a nossa condição, sentiu as nossas dores e conheceu nossas esperanças. Em Jesus, Deus mostrou o seu grande amor por nós. Como diz João 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” O grande amor de Deus por seu povo é revelado na morte e ressurreição de Jesus. Pois ele entregou o próprio Filho pela nossa salvação, para que tenhamos a vida eterna.

Portanto, o ponto principal da história da salvação é a entrega de Jesus na cruz, a sua morte e ressurreição. Este é o acontecimento mais importante que a comunidade cristã celebra, domingo a domingo, ano após ano. Por isso, o ano litúrgico tem na Páscoa a sua festa mais importante. Podemos dizer que ano litúrgico nasce com a finalidade de celebrar a grande obra redentora de Cristo, mas esta obra é tão rica que não cabe numa única celebração de domingo. Então, cada festa do ano litúrgico visa a destacar um aspecto diferente da vida de Cristo. O ano litúrgico, desta forma, tem a finalidade de revelar, “reatualizando”, toda a história da obra e redenção de Cristo, desde a vinda de Jesus a este mundo até a sua morte, ressurreição, ascensão e o envio do Espírito Santo à sua comunidade.

A observância do Ano litúrgico ou eclesiástico leva a comunidade cristã a perceber que o seu culto possui grande variedade. Culto cristão, mesmo que acontece dentro de um ritual básico (com elementos ordinários), não é uma repetição das mesmas coisas a cada semana. O Ano litúrgico mostra que o culto possui um centro, um núcleo teológico importante que podemos chamar de “evento de Cristo” (cruz, morte e ressurreição de Jesus), mas, esse núcleo se desdobra em variados temas relevantes. O evangelho é demasiadamente amplo e profundo para ser todo ele desdobrado num único culto, numa única festa ou num único ciclo festivo. Cada vez que uma comunidade se reúne para o culto, ela nutre a sua fé com o mesmo evangelho, o mesmo Cristo ou o mesmo Deus. Mesmo assim, cada culto é diferente. Até mesmo as pessoas, mesmo sendo as mesmas, vivem momentos diferentes e recebem a mensagem do mesmo evangelho cada vez de um novo jeito. O Ano litúrgico é um instrumento que facilita o desdobramento do evangelho, de forma que a mensagem da salvação sempre tenha um novo enfoque. Deus é o mesmo ontem, hoje e o será para sempre, mas a sua mensagem chega a nós sempre de maneira atual e renovada.(Cat. Dra. Erli Mansk)

Quando Deus parece estar mais distante, mais perto de nós Ele se encontra.
Martim Lutero
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