A Bíblia e a Ecumene

Nenhuma denominação cristã pode reivindicar direitos de propriedade da Bíblia. Ela é de todas as igrejas, não permitindo atributos confessionais. Não existe uma Bíblia protestante, outra católica ou pentecostal. A Bíblia é uma só, destinada a “todas as nações” (Mateus 28.18). Por isso mesmo não existe livro mais ecumênico do que a Bíblia. Dirige sua mensagem à humanidade com o objetivo de promover a fé, o amor e a esperança na terra.

Não admira, pois, que a Bíblia desempenhe papel fundamental no esforço pela unidade dos cristãos, chamado ecumenismo. Revelou-se como qualificada promotora da unidade. Isto uma vez por razões puramente formais: a Bíblia representa o referencial comum da cristandade, sua base constitucional, sua indiscutível norma de fé. É óbvio haver outros referenciais. Mencionamos o Credo Apostólico ou então lugares sagrados na assim chamada Terra Santa. As expressões particulares da fé cristã possuem raízes comuns que a unem. E, no entanto, nenhuma se compara à Bíblia, que é, sem dúvida alguma, a vertente mais importante. Ecumenismo não pode renunciar ao estudo bíblico.

O recurso comum às fontes adquire relevância justamente pelo fato de a Bíblia ser um livro pré-denominacional. Embora encontremos no Novo Testamento (NT) quatro evangelhos e cartas de diversos autores, as primeiras comunidades ainda não carregavam os distintivos eclesiais de hoje. Convém conscientizar-se de que a igreja cristã não surgiu em Roma, nem em Constantinopla, Wittenberg, Londres ou Genebra, e, sim, em Jerusalém. Talvez seja possível constatar particular proximidade da igreja luterana à teologia de Paulo, da igreja ortodoxa à de João e da católica romana à teologia de Lucas. Mas este cálculo não fecha. Nenhuma igreja cristã de hoje é idêntica à igreja das origens. Tal constatação é altamente salutar. Ela relativiza pretensões monopolistas por parte das igrejas e exige delas uma avaliação autocrítica. Possibilita exatamente assim nova comunhão.

Aliás, o que chama atenção é que o próprio NT oferece variedade de propostas. As comunidades na Palestina não tinham a mesma estrutura daquelas fundadas por Paulo na Ásia Menor e na Grécia. E o apóstolo João tem um conceito de igreja algo diferente de Mateus. Espelha-se nisso a variedade dos contextos sociais e culturais, bem como ênfases teológicas distintas. A primeira cristandade não suprimiu diversidade. Viu nela riqueza, enquanto compatível com o evangelho. Resulta daí que ecumenismo não pode pretender a uniformidade. Não é esta a sua meta. Não se trata de criar uma super-estrutura eclesiástica. A “saúde” do corpo de Cristo necessita da diversidade de seus membros (1 Coríntios 12.12s).

Por essa razão, a proposta bíblica para a ecumene é a comunhão que admite diversidade sem deixa-la solta ou estanque. Comunhão é assim mesmo: une o diferente e o capacita para a convivência. A Bíblia dá o exemplo. É, a um só tempo, um livro plural e uno. Segura a diversidade pelo polo magnético que é Jesus Cristo. Está aí o paradigma para a unidade da igreja. É chamada a viver “comunhão em diversidade reconciliada”.

Pastor Dr. Gottfried Brakemeier, em “Por que ser cristão?”, Editora Sinodal

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