A autoridade da Bíblia em Lutero

Foi a Bíblia que promoveu a Reforma da igreja no século 16. Lutero era professor de Bíblia e descobriu nela o quanto a igreja se havia afastado do evangelho. Com a Bíblia na mão – e na cabeça! – enfrentou papa e imperador, exigindo correção de curso em igreja e Estado. Admitia como único critério da verdade a Bíblia. Jogou o sola scriptura (somente a Escritura) contra a igreja de seu tempo, denunciando os abusos que se haviam instalado. Aliás, todas as reformar, ontem e hoje, são inspiradas pela Bíblia, tendo nela sua mais enérgica promotora. Assim também na Reforma de Lutero e, mais tarde, de Calvino.

É importante anotar que Lutero, mesmo assim, não pode ser chamado um “fundamentalista bíblico”. Ele não é adepto da inspiração verbal. Distingue entre letra e Espírito, entre Escritura e evangelho. Nem todas as passagens bíblicas possuem a mesma autoridade. É conhecida sua crítica à Carta de Tiago, considerada por ele “epístola de palha”. Constatou nela muita lei e pouco evangelho. Para Lutero, a Bíblia possui pontos altos e baixos, partes de maior e outras de menor densidade evangélica. Por isso erra quem a lê de modo “linear”, sem critério avaliativo, sem percepção para o essencial. A Bíblia tem um centro que é Jesus Cristo. É a partir dele que quer ser entendida. Leitura fundamentalista da Bíblia não constrói igreja. Acaba produzindo seitas.

Por isso Lutero colocou ao lado do sola scriptura o solus Christus (somente Cristo). Isto significa que a Bíblia é palavra de Deus somente à medida que “promove Cristo”. Tornou-se famoso esse critério. Da mesma forma Lutero poderia ter dito que o que está no miolo da Escritura é o evangelho da justificação por graça e fé. Pois Cristo é a nossa justificação. O sola scriptura é interpretado pelo solus Christus, e este, por sua vez, pelo sola gratia (somente por graça) e o sola fide (somente por fé). Lutero tem uma compreensão profundamente “evangélica” da Bíblia. Não são a capa preta, as faixas douradas, as línguas antigas ou qualquer outra coisa externa que conferem autoridade à Escritura. É Jesus Cristo e o evangelho que ele dá notícia.

Consequentemente, não basta a simples citação bíblica como demonstração da verdade. É preciso argumentar, ver a Bíblia em seu todo, não fraciona-la em pedaços. Igreja luterana necessita de “teologia”, ou seja, de uma confissão que formule a essência da fé. Não se satisfaz com a mera listagem de versículos. E, todavia, é somente na Bíblia que vamos conhecer o evangelho. Ela não precisa de adendos quando se trata de saber o que é necessário para a salvação e o ser igreja. Lutero não era cego com relação às passagens difíceis na Bíblia. Ainda assim, ele pergunta: “(...) onde está escrito de maneira mais clara que Deus criou céu e terra, que Cristo nasceu de Maria, que sofreu, morreu e ressuscitou e tudo o que nós cremos, senão na Bíblia?” A Bíblia não necessita de um magistério eclesiástico para ser entendida. Quando estudada com dedicação, interpreta-se a si mesma. Vale a pena fazer o teste.

Pastor Dr. Gottfried Brakemeier, em “Por que ser cristão?”, Editora Sinodal

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