IECLB e Igreja Católica Apostólica Romana


- Brasil
ID: 2723

Justificação e Igreja - Estudo Bíblico

Declaração conjunta Católica Romana-Evangélica Luterana - Porto Alegre - 1998

15/01/1995

1. Justificação e Igreja

Oração de abertura 

Louvamos-te, Jesus Cristo, verdadeiro Deus,
nascido eternamente do Pai,
e verdadeiro homem,
nascido da Virgem Maria;
tu és nosso Senhor comum,
o único cabeça de tua santa Igreja.
Capacita-nos a reconhecer na fé
que nos salvaste pelo poder de tua graça
do poder do pecado, da morte e da destruição,
e que tua Igreja é a criatura e o instrumento de tua graça.
Pois tu morreste por nós na cruz e estás vivo,
ressuscitado dentre os mortos,
para que tenhamos parte em tua vida em teu reino.
A ti louvamos.
Amém. 

Introdução 

O diálogo ecumênico entre católicos e luteranos revelou que há muita coisa em comum entre ambos e, por conseguinte, criou tanta confiança mútua que atingiu agora até a área central que tem sido objeto de controvérsia entre nós desde a Reforma: nossa compreensão de justificação e de sua importância para nossa percepção da Igreja. A Epístola aos Efésios nos proporciona um bom fundamento e auxílio quanto à relação entre a justificação e a Igreja. Nela lemos: 

Passagem bíblica (Ef 2.8-10) 

Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. 

Explicação 

O apóstolo Paulo vê a Igreja a partir da ampla perspectiva do eterno plano salvífico de Deus desde o início até a consumação futura. Em Cristo Deus implementou esse plano de salvação (cf. Ef 1.3-14) e fez uma paz que abarca todos os povos (cf. Ef 2.11-18). Em vista da imensurável sabedoria e poder dessa vontade salvadora de Deus, o apóstolo quer nos levar a uma atitude de gratidão pasmada. Deus ressuscitou o Cristo que foi crucificado por nós e o exaltou para estar consigo. Através da fé nele, abre-se para nós a esperança de ter parte na vida do Cristo ressurreto. A Igreja, à qual pertencemos, é seu corpo e ele é o cabeça dela (cf. Ef 1,15-23). Esta é a perspectiva a partir da qual precisamos aprender a ver o que acontece a nós e conosco em nosso Batismo: estamos libertos do poder do diabo; estamos libertos de estar mortos através dos delitos pelo poder da graça que nos dá parte na ressurreição de Cristo (Ef 2,1-7). 

Esse acontecimento salvífico afeta cada indivíduo entre nós da maneira mais pessoal; mas, ao mesmo tempo, ele também é universal em seu alcance. Isto quer dizer que é impossível separar o que aconteceu a mim no Batismo do contexto da Igreja como comunidade. A graça de Cristo, que nos salvou da morte e nos concedeu, no sentido mais profundo, vida verdadeira, é comum a todos os cristãos. A fé através da qual a graça me foi outorgada não afeta meramente minha relação pessoal com Cristo; ela é comum a todos/as — é a fé da Igreja toda. Confesso que não foram minhas obras que constituíram o meio pelo qual de algum modo eu mesmo/a consegui sair da desolação de minha vida, mas que é obra tua, Deus, que me salvaste da morte! Com esta confissão deixei o plano em que tudo gira em torno de mim, e tomo parte na experiência de salvação da Igreja. A Igreja como um todo é obra de Deus, criação de sua graça! 

O apóstolo usa de maneira consistente a primeira pessoa do plural ao falar do que aconteceu e está acontecendo na fé e no Batismo a cada um de nós individualmente no nível mais íntimo. A Igreja por certo não se torna uniforme — estereotipada — pelo uso desse nós: pelo contrário, em nenhum lugar do mundo eu como indivíduo sou levado tão infinitamente a sério como na fé cristã (cf. Gl 2,19s.)! Mas esse estar envolvido de modo pessoal consiste simplesmente no fato de que experimento a salvação a partir de fora de mim mesmo/a — em Cristo. Ele é o Senhor de minha vida; minha liberdade está fundamentada nisso. Tornei-me livre do que fiz a mim. Por conseguinte, como pessoa cristã eu não preciso me realizar, pois no Batismo Deus já abriu para mim uma nova realidade que eu jamais poderia alcançar por minhas próprias ações. Como pessoa cristã, portanto, sou convidado/a a fazer a obra de Deus. Desde a eternidade Deus preparou as coisas de tal maneira que eu vivesse e agisse como pessoa cristã — como todas as pessoas cristãs e junto com todas elas, na comunidade da Igreja. 

Importância ecumênica 

Os luteranos falam sobre a justificação do pecador como cerne e critério de tudo que está envolvido no ser cristão. Os católicos falam da Igreja como lugar onde se compartilha a salvação e como instrumento da atividade salvadora de Deus. 

A justificação ou a Igreja de fato não são aquilo em que cremos. Cremos, isto sim, no Pai que tem misericórdia de nós e nos congrega como seu povo na Igreja, em Cristo que nos justifica e cujo corpo a Igreja é, e no Espírito Santo que nos santifica e que vive na Igreja. Assim, nossa fé abarca a justificação e a Igreja como obras do Deus triúno. 

A justificação e a Igreja são inseparáveis por natureza — a justificação entendida não como elemento da fé, mas como expressão do ser cristão, e a Igreja encarada não como algo que é apenas um complemento do ser cristão, mas como o lugar em que se é cristão. Essa percepção bíblica central ajuda-nos a entender por que luteranos e católicos podem chegar a afirmações comuns hoje na área central daquilo que causou a sua divisão no século XVI — afirmações que superam essa sua raiz. 

Trechos do estudo católico romano-luterano Igreja e justificação 

Muitas das perguntas que católicos e luteranos dirigem-se mutuamente quanto à relação entre a doutrina da justificação e a compreensão de Igreja surgem de duas preocupações diferentes, que podem ser resumidas da seguinte maneira: os católicos perguntam se a compreensão luterana de justificação não diminui a realidade da Igreja; os luteranos perguntam se a compreensão católica de Igreja não obscurece o evangelho assim como a doutrina da justificação o explica. Nenhuma dessas duas preocupações é infundada, especialmente porque o Novo Testamento não conhece uma oposição entre evangelho e Igreja (n° 166). 

Os católicos e luteranos testificam juntos a salvação que só é concedida em Cristo, somente por graça, e é recebida na fé. Recitam conjuntamente o credo, confessando 'uma única santa Igreja católica e apostólica'. Tanto a justificação dos pecadores quanto a Igreja são artigos de fé fundamentais. Na fé no Deus triúno confessamos que esse Deus nos justifica por graça, sem que o mereçamos, e nos congrega em sua Igreja. Sua misericórdia é e permanece a fonte de nossa vida (n° 4). 

Nossa fé abrange a justificação e a Igreja como obras do Deus triúno que só podem ser aceitas apropriadamente na fé nele. Cremos na justificação e na Igreja como mysterium, mistério da fé, porque cremos unicamente em Deus, que é o único a quem podemos entregar completamente nossas vidas em liberdade e amor e cuja palavra, que promete salvação, é a única em que podemos estabelecer toda a nossa vida com inteira confiança (n° 5).
Meditação 

Para muitas pessoas hoje em dia é difícil compreender a idéia de que a fé sempre só é concedida em comunidade — que ela é sempre a fé da Igreja toda. A propósito disto, uma estória de Fyodor M. Dostoyevsky, autor ortodoxo russo, nos convida à reflexão: 

Era uma vez uma mulher velha que era muito malvada e morreu. Essa mulher velha não tinha feito uma única boa ação em toda a sua vida. Então vieram os diabos, agarraram-na e a jogaram dentro do lago de fogo. Mas o anjo da guarda dela estava lá e pensou: Será que não consigo me lembrar de nenhuma boa ação dela para contar para Deus? Então o anjo teve uma idéia e disse a Deus: Certa vez, em sua horta, ela arrancou uma pequena cebola e a deu a uma mendiga. E Deus respondeu ao anjo da guarda: Então pegue essa pequena cebola e a estenda à mulher no lago para que ela possa agarrá-la; e, se você conseguir puxá-la para fora do lago com a cebola, ela poderá entrar para o paraíso, mas se a plantinha se partir, a mulher deverá ficar onde está. O anjo correu até a mulher e estendeu-lhe a pequena cebola: Olhe aqui, disse-lhe, pegue-a e vamos ver se consigo puxar você para fora! E, cuidadosamente, ele começou a puxá-la, e estava quase conseguindo tirá-la; mas então os pecadores do lago perceberam isso, e todos se agarraram à mulher para poder sair do lago junto com ela. Mas ela era malvada, muito malvada, e os jogou de volta aos pontapés, gritando: Eu sou a única que deve ser puxada para fora, e não vocês; essa pequena cebola é minha, não de vocês. Mas, quando ela disse isto, a plantinha se partiu em dois. E a mulher caiu de volta no lago de fogo, onde está queimando até hoje. O anjo, porém, chorou e foi embora. 

(Fonte: Willi Hoffsümmer, 255 Kurzgeschichten, Mainz, 1981, história n° 249).


Perguntas e sugestões para a discussão 

O que significa fé para nós? 

— Experimentar algo divino em nós?
— Crer na verdade de algo divino?
—Reconhecer que Deus tem razão?
— Confiar a minha vida a Cristo?
— Obedecer a Cristo?
— Suas próprias respostas: ... 

Atualmente muitas pessoas são de opinião que, em primeiro lugar e antes de mais nada, tem de se realizar. 

— O que se poderia dizer sobre isso do ponto de vista da doutrina da justificação?
— Existe um contraste entre a Igreja e auto-realização? 

Entre católicos e luteranos é costume batizar as crianças. 

— Até que ponto a doutrina da justificação pode ajudar a tornar compreensível o aspecto essencial do Batismo de infantes?
— Quais as consequências que decorrem para mim do fato de que fui batizado/a em nome de Jesus Cristo na Igreja?
— O que minha fé tem a ver com a fé da Igreja?

O teólogo luterano Friedrich Schleiermacher (1768-1834) era de opinião que o contraste entre o luteranismo e o catolicismo consistia no fato de que aquele faz com que a condição dos indivíduos dependa de sua relação com Cristo, ao passo que este, inversamente, faz com que a relação dos indivíduos com Cristo dependa de sua relação com a Igreja. Existe alguma verdade nesta tese? Ela ainda está correta hoje? Schleiermacher afirmou naquela época (1830) que o contraste deveria ser formulado provisoriamente dessa maneira. Será que alguma coisa mudou aqui em decorrência do diálogo ecumênico? 

Oração de encerramento 

Senhor Jesus Cristo, tu és o caminho, a verdade e a vida. És isso para todos/as nós que levamos teu nome desde nosso Batismo. Pedimos-te que nos capacites a encontrar caminhos para superar nossas divisões. Em tua verdade faze com que todos os cristãos encontrem a unidade sem a qual a tua Igreja não pode existir. E para muitos faze com que juntos/as nos tornemos testemunhas de que a fé em ti dá a toda a nossa vida, e à nossa vida em comunhão, um fundamento firme e a torna significativa, rica e feliz. Com o Pai na unidade do Espírito tu és nosso Senhor e Deus, para todo o sempre. Amém.

Estudos Bíblicos:

Estudo 1 - Justificação e Igreja

Estudo 2 - Jesus Cristo como único fundamento da Igreja

Estudo 3 - A Igreja do Deus Triúno

Estudo 4 - A Igreja como recebedora e mediadora da salvação

Estudo 5 - A missão e comunhão da Igreja

Veja mais:

Doutrina da Justificação por Graça e Fé

Apresentação — Pastor Huberto Kirchheim

Apresentação — Dom Ivo Lorscheiter

Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação

Declaração conjunta da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana sobre a doutrina da justificação — Dom Aloísio  Lorscheider

Doutrina da justificação — no limiar de um acordo ecumênico? - Pastor Dr. Gottfried Brakemeier

A doutrina da justificação por graça e fé em Martim Lutero - Pastor Dr. Silfredo B. Dalferth

A Comissão Mista Nacional Católico-Luterana — Pastor Bertholdo Weber

Seminário Teológico Luterano-Católico sobre a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação — Parecer — Pastot Huberto Kirchheim e Dom Ivo Lorscheiter


Âmbito: IECLB / Organismo: Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 8 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Doutrina da Justificação por Graça e Fé / Editora: EDIPUCRS e CEBI / Ano: 1998
Natureza do Texto: Educação
Perfil do Texto: Estudo Bíblico
ID: 20509
Tu és o meu Senhor. Outro bem não possuo, senão a ti somente.
Salmo 16.2
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