ADMISSÃO MÚTUA À CEIA DO SENHOR
Joseph Hoffmann (Cat.)
Wenzel Lohff (Lut.)
Harding Meyer (Lut.)
1. A celebração comum da Ceia do Senhor é o sinal e a expressão mais plena da comunhão eclesial. Consequentemente, um dos objetivos maiores dos esforços ecumênicos tem sido sempre o de permitir aos cristãos encontrar a possibilidade de compartilhar da mesma mesa eucarística.
2. Os resultados já alcançados nos diálogos ecumênicos, mais particularmente entre católicos e luteranos, as convergências que eles têm permitido estabelecer em relação à maneira de compreender a eucaristia, o ministério ordenado e, mais amplamente, o próprio coração do anúncio evangélico do qual vive a Igreja, bem como as relações que se formaram entre as nossas respectivas Igrejas, empenhadas, juntas, no processo de recomposição da única Igreja de Cristo: tudo isso levanta, de maneira urgente, a questão da possibilidade de celebrar conjuntamente a Ceia do Senhor.
3. Católicos e luteranos reconhecem que os acordos e convergências que existem entre as Igrejas ainda não são suficientes para que seja realizada essa plena comunhão eclesial que unicamente pode legitimar a plena comunhão eucarística. Entretanto, a questão pode ser levantada se, no presente ou no futuro próximo, uma admissão mútua à Ceia do Senhor não seria possível em certas condições. Tal admissão limitada e ocasional não deve ser confundida com uma celebração comum da eucaristia, ou com o que se chama intercomunhão, antes, se trataria de uma hospitalidade eucarística em que a Ceia do Senhor é celebrada cada vez por uma das Igrejas, sob sua responsabilidade, mas à quais membros de uma outra Igreja poderiam ser admitidos de forma excepcional.
4. A reflexão sobre essa questão deverá ter em conta os seguintes elementos:
(a) a gravidade da situação pastoral que é caracterizada pelos seguintes fatos:
• em certos lugares, cristãos que são membros de nossas Igrejas já se encontram, ocasionalmente, em torno da mesma mesa eucarística;
• a comunhão na fé, experimentada na vivência de grupos ecumênicos, entre comunidades cristãs ou entre paroquianos e por lares mistos, conduz cristãos sempre mais numerosos a demandar que lhes seja dada a possibilidade de expressar esta fé comum na partilha da mesma eucaristia;
• em face das convergências expressas em numerosos textos de acordo, muitos consideram que tal passo pode ser teologicamente justificado e não se sentem por mais tempo em condições de aceitar, de sua parte, as razões por que as autoridades eclesiais se opõem a ele.
(b) Os riscos que tal passo envolve e que são:
• o da ambiguidade e da minimização das divergências que ainda existem;
• o do relaxamento dos vínculos com sua própria Igreja e da constituição de uma terceira Igreja;
• o da ruptura da relação entre comunhão eucarística e comunhão eclesial.
(c) A diversidade de situações concretas, caracterizadas pelos seguintes fatos:
• as relações efetivas entre nossas Igrejas, ou entre os paroquianos em um mesmo lugar, não são as mesmas em toda parte; muito estreitas e confiantes num lugar, elas podem ser ainda muito distantes, ou marcadas por desconfiança, em outro;
• os resultados dos diálogos ecumênicos não são recebidos pelo conjunto das Igrejas e dos cristãos de maneira unânime e idêntica.
Por todas essas razões, no estado atual das relações entre nossas Igrejas, nenhuma decisão geral, em termos universais, é possível.
Compete às autoridades eclesiais decidir, tomando em conta as circunstâncias locais, com referência à doutrina de sua Igreja, e usando de discernimento espiritual e juízo pastoral.
5. As reflexões que aqui apresentamos não devem, por conseguinte, ser compreendidas como visando justificar pura e simplesmente a hospitalidade eucarística. Elas pretendem somente:
• oferecer elementos de discernimento teológico permitindo um juízo pastoral;
• sugerir como, em que condições, oferecer e aceitar a hospitalidade eucarística pode ser um ato teologicamente responsável em vista do que a eucaristia é como fonte e expressão da Igreja e de sua unidade.
CONVICÇÕES COMUNS
6. A eucaristia é, ao mesmo tempo, fonte e ponto culminante da vida eclesial; sem comunhão eucarística, não há plena comunhão eclesial, sem comunhão eclesial não há nenhuma verdadeira comunhão eucarística (A Ceia do Senhor, n. 26).
Juntos, nós afirmamos o vínculo indissolúvel entre Igreja e eucaristia; a solidariedade ente comunhão eclesial e comunhão eucarística não pode ser rompida: comungar nesta ou naquela eucaristia é ter parte na comunhão desta ou daquela Igreja. A partilha do mesmo pão e do mesmo cálice, em dado lugar, constitui a unidade dos comungantes com o Cristo inteiro, entre eles mesmos e com todos os outros comungantes em todos os tempos e em todos os lugares. Repartindo o mesmo pão, eles tornam manifesta sua pertença à Igreja em sua catolicidade (Dombes, n. 21). Não é possível jogar uma contra a outra a eucaristia-expressão da unidade e a eucaristia-fonte e meio dessa unidade.
7. Essas convicções que nos são comuns têm um certo número de consequências:
(a) se não queremos pôr em questão a conexão entre Igreja e eucaristia, então isso quer dizer:
• que é preciso evitar abordar a questão da hospitalidade eucarística com referência apenas às necessidades espirituais individuais, e não meramente elaborar uma casuística de casos urgentes; porque isso, de fato, iria obscurecer a dimensão eclesial da eucaristia;
• que é preciso evitar julgar a legitimidade da participação na eucaristia de uma outra Igreja somente do ponto de vista do reconhecimento do ministério que a preside. Isso seria fazer depender a plena realidade de uma eucaristia, e a presença de Cristo, só da pessoa do ministro e de seus poderes.
(b) Se se insiste no fato de que a eucaristia é sinal e expressão de uma comunhão eclesial já existente, então se pergunta como, na situação atual de separação entre nossas Igrejas, poderia ser possível já participar da eucaristia em verdade:
• é preciso perguntar: a) quais são as condições ociosas de fé requeridas para permitir a comunhão eucarística; b) que sentido e que importância nós damos ao batismo que incorpora todos os cristãos em Cristo; e c) que valor têm nossas afirmações reconhecendo a eclesialidade de outras Igrejas;
• é preciso levar a sério o fato de que toda eucaristia de uma Igreja, que exclui cristãos, qualquer que seja a legitimidade dessa exclusão, sofre violência tanto tempo quanto essa exclusão durar;
• é preciso lembrar que a eucaristia é o sacramento de uma Igreja peregrina, em tensão entre o já daquilo que ela realmente recebeu e pode celebrar e o ainda não da plena verdade daquilo que ela celebrar.
(c) Se se insiste no fato de que a eucaristia é a fonte da unidade da Igreja, e se pergunta então por que, no estado atual das relações entre as Igrejas, a partilha do mesmo pão eucarístico não seria possível e legítima, é preciso tomar em conta que tal partilha tem sentido:
• somente se existe um consenso na fé suficiente para permitir um reconhecimento mútuo das Igrejas, que deve incluir o reconhecimento dos ministérios que por elas são exercidos e dos sacramentos que nelas são celebrados;
• somente se existem relações reais e vivas entre as Igrejas bem como entre seus membros que pretendem encontrar-se em torno da mesma mesa eucarística;
• somente se as autoridades, responsáveis pela unidade e fidelidade na fé das Igrejas confiadas a seu ministério, reconhecem a legitimidade de tais atos, e que por isso não são nem clandestinos nem selvagens.
Essas convicções nos são comuns, a católicos e luteranos, mas nós as colocamos em prática dentro das nossas respectivas tradições.
Propostas católicas
8. O Decreto sobre o Ecumenismo, do Vaticano II, afirma que não é permitido considerar a communicatio in sacris como um meio a ser empregado sem reserva para restabelecer a unidade dos cristãos e, precisando, diz: Tal 'comunhão' depende, sobretudo, de dois princípios: unidade da Igreja que ela deve expressar e participar nos meios da graça (n. 8).
9. Aplicando esses princípios, o mesmo Decreto, bem como os documentos do Secretariado para a Unidade dos cristãos que o interpretam, preveem que cristãos, membros de Igrejas provindas da Reforma, podem ser admitidos, em casos excepcionais, para receber a comunhão na Igreja Católica, mas que, em compensação, não é possível a católicos comungar numa eucaristia celebrada no seio de uma Igreja da Reforma.1
10. Essa posição restritiva da Igreja Católica não deve ser reduzida a seus aspectos simplesmente disciplinares; ela deve ser compreendida à luz das implicações teológicas de toda celebração eucarística; pois esta de fato envolve a fé em diversos de seus pontos centrais, não somente o sentido da própria eucaristia, mas também a ordenação que habilita a presidi-la, e, mais genericamente, a relação entre eucaristia e Igreja.
11. Sem pôr em questão a realidade e importância dessas implicações teológicas, nós nos perguntamos hoje se — em face do progresso ecumênico, o qual testemunham em particular os resultados de nossos diálogos sobre Igreja e o Evangelho, sobre a Ceia do Senhor, sobre o Ministério — e principalmente sobre a doutrina da justificação(!) — não seria possível abrir mais largamente o acesso à eucaristia a cristãos membros das Igrejas luteranas, e se não poderia ser teologicamente legítimo para um católico aceitar a possibilidade que lhe é oferecida de tomar parte na Ceia do Senhor celebrada nessas Igrejas.
A admissão de um cristão de uma Igreja Luterana à eucaristia de uma Comunidade Católica
12 — Os documentos do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, em particular a Instrução de 1972, visam casos de urgente necessidade e explicam que se trata de cristãos que sentem uma séria necessidade espiritual do alimento eucarístico, mas que não podem, durante um tempo prolongado, recorrer a um ministro de sua própria comunidade (Instrução, n. 4b). As situações de necessidade espiritual às quais esses documentos fazem referência são reais, e, sem dúvida, seria possível acrescentar outras àquelas que são explicitamente consideradas (inclusive, p. ex., membros de lares mistos). Mas será que o problema da hospitalidade eucarística deveria ser encarado somente sob o aspecto de uma situação de emergência? Não é esta aproximação demasiadamente individualista, arriscando-se, por ela, obscurecer a relação entre comunhão eucarística e comunhão eclesial à qual a Igreja Católica bem como a Igreja Ortodoxa atribuem uma importância primordial?
13. A Instrução de 1972 sublinha: quaisquer que sejam as iniciativas pastorais que possam ser tomadas, a relação entre Igreja e eucaristia não pode ser rompida ou obscurecida: Alimento espiritual que contém por efeito unir a pessoa do cristão a Cristo Jesus, a eucaristia não é de maneira alguma um meio de satisfazer aspirações individuais, por mais elevadas que sejam (n. 3b), e, por essa razão, a necessidade da eucaristia diz respeito, não somente ao crescimento espiritual pessoal, mas, ao mesmo tempo e inseparavelmente, à nossa incorporação mais profunda na Igreja de Cristo (n. 3c).
14. A hospitalidade eucarística não pode ser concedida a todos os cristãos, indistintamente, membros das Igrejas Luteranas (tal abertura geral, não seria, para o momento, teologicamente legítima nem pastoralmente fecunda), e ela fica necessariamente limitada a um certo número de situações e de condições particulares. Entretanto, nos parece desejável que as autoridades responsáveis (bispos) respondam, de uma maneira menos restritiva, aos pedidos que lhes são apresentados, e que, no discernimento pastoral que eles têm a exercer a seu respeito, não os considerem sob o aspecto exclusivo de situações de necessidade espiritual individuais, mas que eles vejam antes a expressão de um profundo desejo de cristãos de testemunhar e de nutrir, através desse sacramento da unidade do Corpo de Cristo, que é a eucaristia, a comunhão na fé com seus irmãos católicos.
15. As condições sob as quais esses cristãos poderiam ser admitidos deveriam, então, visar, antes de tudo, assegurar que esses atos de hospitalidade eucarística se realizem na verdade, que quer dizer especialmente:
— que esses cristãos, compartilhando no essencial da fé da comunidade católica que os acolhe, particularmente no que diz respeito à eucaristia, e reconhecendo naqueles, que presidem sua celebração, ministros autênticos do Evangelho dentro dessa comunidade, estarão assim em condições de inteirar-se do significado que essa comunidade atribui à eucaristia que celebra. Observamos, porém, que não pode ser exigido desses cristãos mais do que se exige de um católico. Um documento como aquele sobre a Ceia do Senhor, em particular o testemunho comum nele expresso, pode ajudar a verificar o acordo requerido na fé;
— que esses terão vínculos reais com a vida da Igreja Católica (através de seu cônjuge ou seus filhos católicos, por exemplo, ou através de uma reflexão e um engajamento compartilhado com católicos em grupos ecumênicos), que eles experimentem o desejo de poder expressar na eucaristia uma unidade cristã já realmente vivida, e que se tratará de situações ou de circunstâncias particularmente significativas e propícias para a expressão da unidade em Cristo (batismo, primeira comunhão, casamento, ordenação, festas, etc.).
16. Se essas condições forem cumpridas, a conexão entre a partilha do mesmo pão e a partilha da mesma fé entre comunhão e eucaristia e comunhão eclesial será assegurada, e afastado todo risco de ver na eucaristia nada mais que um meio de satisfazer aspirações exclusivamente individuais, por mais elevadas que sejam.
HOSPITALIDADE DE EUCARISTIA RECÍPROCA?
17. Se cristãos luteranos podem ser admitidos à mesa eucarística católica, levanta-se também, necessariamente, a questão da reciprocidade. A ausência da reciprocidade será inevitavelmente fonte de tensões, em particular em lares mistos, cujo equilíbrio espiritual ela pode questionar ou afetar. Mais genericamente, muitos cristãos se perguntam por que sua comunhão na fé possa expressar-se na partilha do mesmo pão eucarístico, quando a Ceia do Senhor é celebrada em uma comunidade católica, mas não quando é celebrada dentro de uma comunidade luterana. No mais, uma hospitalidade eucarística, se não é recíproca, leva cristãos, que permanecem incorporados a sua Igreja de origem, a dissociar eucaristia e Igreja; paradoxalmente, eles são assim levados a viver, na prática, uma eclesiologia que se afasta da eclesiologia católica.
18. Até agora, não é permitido a um católico aceitar a hospitalidade que lhe poderia ser oferecida por uma comunidade luterana; uma vez, porque, por causa do defeito (defectus) do sacramento da ordem, elas (as Igrejas da Reforma) não preservam a realidade genuína e total do ministério eucarístico (UR 22); outra, e de forma mais global, porque a comunhão de fé entre a Igreja Católica e essas Igrejas não é suficiente para que um católico possa se unir em verdade à eucaristia que nelas é celebrada.
19. Os progressos realizados nos diálogos entre católicos e luteranos, bem como os laços que se formaram entre nossas Igrejas e seus membros, nos convidam, entretanto, a nos perguntar se em certas circunstâncias um católico não poderia tomar parte na Ceia do Senhor celebrada por uma comunidade luterana, e se a hospitalidade eucarística aceita por ele, quando lhe é oferecida, não poderia ser teologicamente legítima, desde que um certo número de condições fossem cumpridas.
20. A resposta a essa questão não é fácil, especialmente se ela não for abordada, como muitas vezes aconteceu, só do ponto de vista da presença real de Cristo, se ela mesma é considerada somente em termos da validade da ordenação do ministro que a preside, e se se entende ver na eucaristia o sacramento no qual é atestada da maneira mais plena e mais expressiva a fé da comunidade que celebra. Uma aproximação tão global da eucaristia, como sacramento da unidade da Igreja, não convida a concluir que é totalmente impossível para o católico participar na Ceia do Senhor em uma comunidade eclesial que não seja a sua? Não leva ela a fazer depender toda a possibilidade de partilhar o mesmo pão eucarístico da realização da plena comunhão eclesial? Ou será que tal aproximação não poderia, talvez, abrir o caminho de uma reflexão que possibilitasse considerar a legitimidade de uma reciprocidade?
21. A questão fundamental assim levantada é a da eclesialidade que pode ser reconhecida nas Igrejas da Reforma e mais particularmente nas Igrejas luteranas. Até que grau é possível reconhecer, nas comunidades eclesiais, realizações, neste ou naquele lugar, da única Igreja de Cristo, de sorte que também seja possível reconhecer a autenticidade dos ministérios que nelas são exercidos e dos sacramentos que nelas são celebrados?
22. É, portanto, necessário aos católicos, que julgam poder aceitar a hospitalidade eucarística, bem como às autoridades responsáveis (bispos), que se perguntem a si mesmos, em face desta ou daquela Igreja Luterana, qual é a comunhão em que sua própria Igreja (aquela de que são membros, ou pela qual são responsáveis) se encontra com esta Igreja, e se esta comunhão é suficiente para que uma participação da Ceia do Senhor possa ter sentido. Mais precisamente, é necessário:
• perguntar se, tomando em conta legítimas diversidades quanto às formas da vida espiritual e da disciplina, aos ritos litúrgicos e mesmo às celebrações teológicas da verdade revelada (UR 4), existe entre estas Igrejas uma comunhão suficiente na mesma fé recebida dos apóstolos. (Nesse contexto convém lembrar que existe uma 'hierarquia' de verdades da doutrina católica, em razão de seu relacionamento diferente com o fundamento da cristã [UR 11]; observar-se-á, ademais, que a communicatio in sacris com as Igrejas Orientais não é sujeita à aceitação por elas das definições do segundo milênio e que mesmo nenhuma distinção é feita, a respeito das definições cristológico-dogmáticas, entre Igrejas Calcedonenses e Igrejas não-Calcedonenses);
• perguntar se é possível reconhecer nessa Igreja a presença dos elementos constitutivos da estrutura da Igreja, em particular um ministério estabelecido para dispensar a palavra e os sacramentos, e para assegurar e testemunhar a fidelidade das comunidades à fé apostólica bem como sua unidade;
• perguntar se é possível reconhecer na Ceia do Senhor que ali é celebrada o que nós consideramos como seus elementos essenciais, condições de sua verdade (A Ceia do Senhor, n. 74- 76).
23. Nós cremos que a única Igreja de Cristo subsiste de forma inamissível na Igreja Católica (UR 4), e que a realidade verdadeira do mistério eucarístico é-nos dada ali em sua plenitude; pensamos, igualmente, que nas Igrejas da Reforma há deficiências quanto ao organismo sacramental pelo qual a Igreja se constrói visivelmente, e que a eucaristia que é celebrada não realiza integralmente todas as dimensões do mistério eucarístico. Não obstante razões de que, se nesta ou naquela Igreja, nós podemos reconhecer o essencial da fé cristã, bem como os elementos constitutivos da Igreja, também devemos reconhecer que:
• é o mesmo e único Corpo de Cristo que ali é edificado: o mesmo do qual nós cremos que ele subsiste na Igreja Católica;
• nas eucaristias que ali são celebradas é o mesmo e único Senhor que se faz presente para se dar em alimento aos seus, visando à edificação de seu Corpo.
24. Parece-nos, portanto, concebível que, em certas circunstâncias significativas e em caso excepcional, um católico possa participar da Ceia do Senhor de uma comunidade luterana. Certamente: este católico deverá lembrar-se das divergências que restam e que impedem a plena comunhão entre as Igrejas; ele também não deverá renegar nada de sua fé e não pôr em dúvida sua pertença à sua própria Igreja; nem poderá ele participar dessa eucaristia na opinião de que todas as Igrejas e todas as eucaristias dão na mesma.
Não obstante, sua participação poderia ser reconhecida como legítima pelos outros membros de sua Igreja, bem como por suas autoridades (bispos), desde que pudesse ser reconhecida a eclesialidade da Igreja Luterana em questão, que este cristão mantém vínculos reais de partilha de fé com os membros da comunidade que o admite (acolhe), que ele pode reconhecer naquele que preside a eucaristia um ministro regularmente instalado naquela comunidade, e que lhe é possível entrar, em verdade, no sentido que aquela comunidade dá à Ceia do Senhor que a reúne. Nessas condições, a aceitação da hospitalidade eucarística por um católico não poria em questão a relação entre Igreja e eucaristia. Ele saberia, com efeito, que de um modo misterioso mas real aquela eucaristia, celebrada com os irmãos luteranos, dá parte no único mistério pascal e que, através desse sacramento, é de fato o único Corpo de Cristo que se constrói.
Posições luteranas
25. As Igrejas Luteranas — bem como a Igreja Católica Romana — partem das seguintes convicções:
• que a comunhão na mesa do Senhor e a comunhão eclesial não podem ser dissociadas uma da outra (cf. n. 6 acima);
• que, no estado atual da reaproximação e da compreensão mútua entre elas e a Igreja Católica Romana, uma admissão indiferenciada e geral à plena comunhão eucarística ainda não parece nem justificada nem oportuna, e que uma prática da comunhão eucarística depende sempre das situações particulares nas quais nossas Igrejas vivem juntas, nas diferentes partes do mundo, e que mesmo lá, onde essa situação é favorável, ela deveria ser limitada, para o momento, a ocasiões especiais e a certas condições (ref. supra n. 13 e 14);
• que a celebração da Ceia do Senhor não deve, sob circunstância alguma, passar pura e simplesmente por cima das diferenças que continuam ainda existindo em matéria de doutrina, de disciplina eclesial e de piedade.
26. De uma maneira geral, as Igrejas Luteranas julgam poder dar uma resposta menos restritiva à questão de possibilidades de uma hospitalidade eucarística recíproca ocasional do que a dada pela Igreja Católica Romana.2
27. Em vista do fato de que
• os Escritos Simbólicos Luteranos jamais negaram que Jesus Cristo esteja presente igualmente na celebração da Igreja Católica Romana, bem como nós cremos que ele o é em nossa própria celebração, quando na celebração eucarística o pão e vinho são congregados com as palavras da instituição de Cristo e que assim, na comunhão, pelo dom do Corpo e do Sangue de Cristo, são concedidos, em seu nome e segundo sua ordem, o perdão dos pecados, a vida e salvação aos pecadores que crêem (Orientações teológicas e pastorais da VELKD, p. 7);
• da parte luterana, nunca se negou a existência do ministério eclesial na Igreja Católica Romana (Relatório de Malta, n. 64);
• o diálogo teológico entre as nossas Igrejas surtiu convicções comuns fundamentais quanto à compreensão do Evangelho (Relatório de Malta, n. 14-34; cf. n. 64 e 73) e que estas foram confirmadas e assumiram forma concreta, sobretudo num consenso substancial a respeito da compreensão, tanto da Ceia do Senhor (cf. A Ceia do Senhor) quanto do ministério eclesial (Relatório de Malta, n. 47 e seguintes; cf. também Documento sobre o Ministério...), os luteranos julgam que podem, desde agora, recomendar ocasionais celebrações em comum da Eucaristia (Relatório de Malta, p. 64; cf. n. 72 e 73).
28. Portanto, se cristãos evangélicos luteranos, em casos especiais, querem comungar numa celebração eucarística de uma congregação (comunidade) da Igreja Católica Romana, eles podem estar certos de que Jesus Cristo, o crucificado e ressuscitado, doará corporalmente a si mesmo a eles, cumprindo a promessa contida nas palavras que ele pronunciou, quando instituiu a Santa Ceia (Orientações teológicas e pastorais da VELKD, p. 7). As Igrejas Evangélicas Luteranas, portanto, não deveriam interditar a seus membros de participar, na Igreja Católica, de celebrações eucarísticas, em ocasiões especiais, se eles se aproximam da mesa do Senhor nesta fé, nem desaconselhá-los a assim proceder.
29. Quando, ao inverso, em casos particulares, membros da Igreja Católica Romana desejam participar da eucaristia em uma celebração evangélica luterana, confiantes no convite de Jesus Cristo, não cabe às Igrejas Luteranas impedi-los pela mera razão de que eles são membros da Igreja Católica Romana. As Igrejas Luteranas, entretanto, esperam de todos aqueles, que se aproximam da mesa do Senhor, que eles, por sua vez, reconheçam a Santa Ceia celebrada na Igreja Luterana como estando em (plena) conformidade com o Evangelho.
30. As condições para uma prática justa de tal hospitalidade eucarística deveriam ser as seguintes:
• que essa hospitalidade seja praticada unicamente lá onde entre a comunidade que convida e os hóspedes acolhidos existem relações vivas (Recomendações do Consistório Superior da ECAAL; cf. acima n. 7 e 15);
• que a celebração eucarística na respectiva Igreja seja compreendida e oficiada de tal maneira que aqueles que dela participam como hóspedes possam reconhecer pessoalmente a celebração da Ceia que o Senhor instituiu (Recomendações do Consistório Superior da ECAAL; cf. acima, n. 15 e 24).
• para um cristão luterano, isso significa que ele pode participar com sinceridade e sã consciência unicamente em tal celebração católica romana da Ceia do Senhor na qual se expressa realmente o desenvolvimento católico romano mais recente bem como as convergências ecumênicas atinentes à compreensão da eucaristia (Posicionamento do Centro de Estudos Ecumênicos, p. 173);
• que, pela participação na eucaristia de outra Igreja, o vínculo com sua própria Igreja não seja afetado ou posto em questão (Recomendações do Consistório Superior da - ECAAL, p. 143; cf. n. 4b e 24 acima);
• que, dadas as diferenças que continuam existindo entre nossas Igrejas em matéria de doutrina e constituição eclesial, o caráter excepcional de tais gestos de hospitalidade eucarística não seja obliterado nem obscurecido.
31. Dado o caráter excepcional que ainda conserva inevitavelmente tal hospitalidade eucarística, a disponibilidade de praticá-la entre nossas Igrejas deve ser acompanhada da firme intenção de prosseguir o trabalho de clarificação das questões ainda não resolvidas e que constituem um obstáculo a uma comunhão eucarística plena e incondicional.
Notas:
1.Diretório para as questões ecumênicas;1ª. parte (AAS 59 [19671, p. 574-592); Declaração sobre a posição da Igreja Católica a respeito da eucaristia comum entre cristãos de diversas confissões (AAS 62 [1970], p. 184-188); Instrução sobre os casos de admissão de outros cristãos à comunhão eucarística na Igreja Católica (AAS 64 [1972], p. 518-525); Nota sobre certas interpretações da Instrução sobre Casos Particulares de admissão de outros cristãos à comunhão eucarística na Igreja Católica (AAS 65 [1973], p. 616-619).
2. Casos em que Igrejas Luteranas fizeram oficialmente possível ou aprovaram a prática ocasional da hospitalidade recíproca, por exemplo: Recomendações do Consistório Superior da Igreja da Confissão de Augsburgo da Alsácia e da Lorena (ECAAL) concernentes à hospitalidade eucarística (dezembro de 1973; In Lutherische Rundschau [1975], n. 1/2, p. 142-144) e as Orientações teológicas e pastorais referentes à questão da participação de cristãos evangélicos luteranos e católicos romanos da Eucaristia ou da Ceia da outra confissão, adotadas pelo Sínodo Geral da VELKD e recomendadas às Igrejas-membros (outubro de 1975); cf. igualmente o Posicionamento do Centro de Estudos Ecumênicos de Estrasburgo a respeito do problema da comunhão eucarística luterano-católica (abril 1973), publicado, por exemplo, nas Posições Luteranas (julho de 1973), p. 163-176.
Veja mais:
Hospitalidade Eucarística
Apresentação – Huberto Kirchheim
Palavras de Apresentação – Dom Ivo Lorscheiter
Hospitalidade eucarística - Declaração de um seminário bilateral — IECLB-CNBB
Hospitalidade eucarística - Silfredo Bernardo Dalferth
Lucas 17.11-19 — Uma reflexão ecumênica - Gottfried Brakemeier
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