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Uma reflexão sobre a Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas

10/04/2006


Uma reflexão sobre a Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas

Waldo César*


O tema da Igreja Luterana para este ano – Deus, em tua graça, transforma o mundo – foi o mesmo adotado pela 9ª Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas – CMI, que se realizou recentemente em Porto Alegre (14-23 de fevereiro). Tive o privilégio de participar do grande encontro, indicado pela Fundação Luterana de Diaconia – FLD, onde, muitas vezes, me sentia perdido no meio de 4 mil pessoas, numerosas igrejas e nacionalidades, várias línguas, vestes coloridas principalmente de africanos, africanas e ortodoxos – em um incessante movimento nos grandes espaços da Pontifícia Universidade Católica - Puc. E ainda a presença de notórias autoridades internacionais, como os prêmios Nobel Adolfo Esquivel e o arcebispo Desmond Tutu. Desde 1948, quando foi fundado o CMI, a cada sete anos a organização, com sede em Genebra, realiza uma assembléia, a primeira, desta vez, na América Latina, privilegiando o nosso país.

Essa diversidade religiosa e cultural enriquecia o dia-a-dia do encontro, das devocionais matutinas às plenárias e temas fundamentais da riqueza ecumênica e social; além dos mutirões, como eram chamadas as 200 tendas de vários países e ênfases de organizações não governamentais, espalhadas nos enormes espaços da Puc, fora e dentro dos recintos cobertos. A FLD lá estava com seu rico estande de atividades e projetos. De repente, no meio dessa diversidade de idéias e ações, explodiam grupos de dança, tambores e canto de vários países e igrejas. Cuba, com uma grande delegação, destacou-se com seu belíssimo coral, da Guantanamera ao Messias de Haendel. O nosso grupo Iaçá, da paróquia luterana de Belém, destacou-se com a beleza e ritmo de sua coreografia regional.

No meio dessa variedade de movimentos, ia encontrando amigos do Brasil e exterior, alguns que não via há 30 ou 40 anos, inclusive participantes da 2ª Assembléia do CMI, Evanston, Estados Unidos, 1954. Em plena guerra fria, resquício da 2ª Guerra Mundial, o encontro ecumênico de então respondia com a promessa do lema Cristo, a esperança do mundo. E lá, nós brasileiros fomos surpreendidos com as manchetes de primeira página dos jornais americanos: Getúlio Vargas comete suicídio. Sem a rapidez das informações dos nossos dias, sofríamos a angústia da falta de detalhes, transportados para a gravidade política da pátria distante, entre o final de uma era e um futuro incerto.

Desta vez, além do governador do Estado e do vice-prefeito de Porto Alegre, tivemos a presença do presidente da República. O breve discurso de Lula lembrou o testemunho de um brasileiro, o nosso educador Paulo Freire e seus quatro anos de trabalho no CMI, expressão de uma abertura do mundo ecumênico para uma pedagogia que mudou muitas vidas humanas em várias partes do mundo.

Nesta nova experiência de um encontro ecumênico, diante de um mundo ainda mais problemático, que esperanças nos animam a prosseguir?

Espaço teológico e ecumênico

Como nas assembléias anteriores, o programa enfatizava a expressão espiritual e as preleções e debates teológicos. O dia, que começava com bem cuidados momentos de culto e estudos bíblicos, prosseguia no debate de temas, por vezes polêmicos, sobre a vida eclesial, a unidade da igreja, sua responsabilidade social – com base no lema da assembléia e nos seus desdobramentos diários: na tua graça, transforma a Terra, transforma nossas sociedades, nossas vidas, nossas igrejas, nosso testemunho. O Café Teológico, uma oficina diária de encontros sobre as tendências teológicas nos vários continentes, era também o lugar de lançamento de importantes obras recentes.

Os espaços, de repente, tornavam-se pequenos para tantas iniciativas, em um processo histórico que tem sofrido avanços e retrocessos. Com cerca de seis décadas de existência institucional, o Conselho Mundial tem vivenciado a difícil experiência de buscar a unidade do Corpo de Cristo, cada vez mais dividido. Embora conte com 348 igrejas-membro, em cerca de 130 países, um testemunho comum ainda parece distante de alcançar a sociedade, suas crises, a crescente globalização e sua ênfase na competitividade que separa os seres humanos e aumenta a distância entre países ricos e pobres. De outra parte, o diálogo inter-religioso tem marcado a trajetória ecumênica, a começar com igrejas pentecostais (umas poucas são membros do CMI), cujo avanço mundial, como foi declarado, abre novas perspectiva para o movimento ecumênico. O diálogo se estende ao catolicismo romano, à religiosidade afro e ao islamismo. O príncipe muçulmano El Hassan bin Talal, moderador da Conferência sobre Religião e Paz, enviou um vídeo-mensagem ao secretário-geral do Conselho (metodista de Quênia, rev. Dr. Samuel Kobia), afirmando que Deus é cristão, judeu e islâmico.

Sociedade e Igreja

As igrejas existem para servir. Se unidas, seu testemunho tem mais força – e poder profético. Neste sentido, a assembléia de Porto Alegre foi enfática na denúncia das circunstâncias que ainda separam tanto as igrejas quanto os seres humanos. A diversidade teológica, evidenciada na presença de protestantes, ortodoxos, anglicanos, evangelicais (além da contribuição de observadores católicos e de outras religiões), unia suas vozes no compromisso com o mundo e a realidade social. Uma série de pronunciamentos, aprovados em plenária, destacaram questões no campo dos direitos humanos, desenvolvimento, pobreza (mais de 40% da população continua vivendo na pobreza e 20% na pobreza extrema). Foi discutida a situação dos indígenas e a perda de suas línguas nativas, o terrorismo, o tráfico de mulheres, a eliminação de armas nucleares, violência, saúde (HIV-AIDS). No terreno do meio ambiente deu-se ênfase à escassez mundial da água. Ademais destas e de outras decisões, a Assembléia renovou sua declaração sobre a necessidade de uma reforma das Nações Unidas, para que sejam alcançadas normas e regras mais eficazes na consecução da paz mundial com justiça.

Uma expressão ecumênica local?

Um antigo e complexo problema se refere à distância que ainda prevalece entre a natureza mundial do movimento ecumênico e as igrejas locais. Como chegar à dimensão comunitária, em geral mais fiel às estruturas confessionais do que à exigência de um compromisso maior, ao testemunho de uma unidade “para que todos creiam”? Sem excluir os laços institucionais que caracterizam a história de cada confissão, como ampliar a visão local, muitas vezes restrita aos encontros dominicais, diante da realidade de um mundo globalizado cujo processo de dominação alcança o nosso cotidiano?

*Jornalista e sociólogo, bolsista do Instituto Ecumênico (Conselho Mundial de Igrejas, Genebra, 1957) para especialização em Ecumenismo e em Igreja e Sociedade. Fez parte do Núcleo de Pesquisas do Instituto de Estudos da Religião - Iser (Rio de Janeiro, 1984-93) e coordenou a seção de religião das enciclopédias Delta-Larousse e Mirador Internacional. De 1979 a 1987, como funcionário da FAO-Nações Unidas, foi coordenador para a América Latina do programa Ação para o Desenvolvimento. Autor, com o teólogo Richard Shaull, de Pentecostalismo e futuro das Igrejas Cristãs – Promessas e desafios. Atualmente, integra a Comissão de Projetos da Fundação Luterana de Diaconia e o Grupo Assessor da Presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB.

 




 

 


 


 

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