Enfrentar a escassez de Água é o tema do Dia Mundial da Água 2007, celebrado no dia 22 de março e coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO. O tema deste ano destaca a crescente importância da escassez de água em nível mundial e a necessidade de uma maior integração e cooperação que permitam garantir uma gestão sustentável, eficiente e equitativa dos escassos recursos hídricos, tanto em escala local como internacional. A escassez de Água afeta 1,2 bilhão de pessoas em todo mundo, com projeções mais do que alarmantes.
Em sua mensagem pelo Dia da Água, o diretor geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, expressa que a escassez da água não é resultado somente de uma carência física de recursos hídricos, mas de um fenômeno que se agrava por causa de problemas relativos é gestão desses recursos. O crescimento demográfico, o desenvolvimento econômico, a contaminação e as mudanças climáticas são fatores que exercem pressão sobre os recursos hídricos. Do mesmo modo, as atividades humanas como o desflorestamento, a construção de barragens, a prevenção da erosão, a irrigação, as extrações e as inundações afetam os processos hidrológicos e os recursos hídricos disponíveis, o que põem em relevo a importância de uma direção responsável neste sentido.
Matsuura complementa dizendo que a UNESCO acredita firmemente que, embora a exata avaliação científica de nossos recursos constitui um requisito básico para a elaboração e aplicação de políticas apropriadas, o aumento da capacidade necessária para enfrentar a escassez de água não pode se limitar unicamente é aplicação da ciência e da tecnologia. Precisa se de uma estratégia multidisciplinar que considere a dimensão sociocultural da gestão da água doce.
Segundo dados do Comitê organizador do Tribunal Latino-Americano da Água - TLA, a reserva mundial da água apresenta a seguinte projeção:
1950 - 16.800 m³ (por pessoa ao ano)
2000 - 7.300 m³
2025 - 4.800 m³
Recursos hídricos renováveis no mundo:
América Latina - 46 %
Resto do mundo - 54 %
A utilização da água na América Latina apresenta a seguinte configuração:
Uso doméstico - 10%
Indústria - 20%
Agroindústria - 70%
A irrigação artificial, utilizada em centenas de países, requer grandes quantidades de água. Nos dias atuais este método de cultivo utiliza 70% da água do planeta. Contudo, as Nações Unidas advertem para o fato de que 60% da água utilizada na irrigação artificial são desperdiçadas.
A falta do recurso e a contaminação fazem com que os usuários paguem preços exorbitantes por um elemento vital. A Bacia do Prata, por exemplo, é um dos maiores sistemas fluviais do mundo, abarcando uma extensa região que compreende o centro e o norte da Argentina, o sudeste da Bolívia, quase toda a região meridional do Brasil, todo o Paraguai e uma vasta região do Uruguai. Nos crescentes bairros marginais do Brasil, a contaminação das águas residuais aumenta em ritmo desenfreado e o preço é elevado: os moradores destes bairros costumam pagar um custo dez vezes superior à tarifa legal da água.
A desertificação, a contaminação industrial, o reduzido volume dos rios no mundo devido ao aquecimento global e a perda progressiva da reserva de água que constituem as geleiras no sul argentino são fatores que colaboram dia-a-dia para o agravamento da problemática.
Água e espiritualidade
A água constitui uma parte intrínseca da maioria das espiritualidades. Ninguém pode negar os símbolos e múltiplas funções que este vital elemento tem em ritos, liturgias, cerimônias, curas e muitos outros aspectos mais.
Cada cultura apresenta uma relação diferente com a água, dependendo do local em que esteja situada geograficamente, sua cosmovisão e história. Mas todas as memórias e relações com a água são importantes e revelam uma observação sobre aspectos tão importantes como a vida e a morte. No cristianismo, a água é símbolo de vida nova, de conversão e remete ao próprio Jesus que se chamou água da vida. Acompanha a cristandade e o judaísmo como símbolo de frescor, de fortaleza natural, de busca de Deus.
Estamos tão unidos à água que deveríamos repensar o que fazemos com ela, como a cuidamos e o que pensamos a respeito desta trágica realidade mundial para ser coerentes aos símbolos que utilizamos.
Não faltam organizações cristãs que se aproximaram da leitura bíblica a partir de um olhar de justiça e vida plena para o criado e que incluíam a problemática em suas denúncias.
No livro intitulado Vida plena para toda a Criação, editado pelo ISEDET, a Aliança de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina - AIPRAL aborda a temática sob o aspecto da justiça econômica e da globalização neoliberal. A Aliança Reformada Mundial promoveu, no ano passado, o prêmio Georges Lombard, um concurso para que jovens teólogos e teólogas refletissem sobre a água e sua conexão teológica e sócio-econômica. Um jovem da Índia, outro de Trinidad e Tobago e uma jovem da Argentina foram os premiados.
Queria prover uma nota para a reflexão de nossas igrejas com as palavras do teólogo e pastor cubano Rafael Cepeda, recentemente falecido. As mesmas são editadas no livro citado da AIPRAL. Tomando o texto profético de Ezequiel, no capítulo 36, Cepeda desenvolve duas perspectivas da mensagem divina, indignado pela destruição dos campos, montanhas e rios.
Um chamado à justiça, dirigido à ambição daqueles que devastam a terra e a água; aos vizinhos do povo de Israel no texto antigo - a quem hoje destroem por cobiça o que não lhes pertence. Outro chamado, não menos importante, de injustiça e culpabilidade: ao povo israelita - a nós hoje. Eles também não tinham sido justos para com a natureza, nem tinham dado exemplo de dignidade e soberania entre as nações vizinhas, diz o autor.
O inimigo tem que carregar sua cota de culpabilidade e responsabilizar-se em emendar suas transgressões; mas, ao mesmo tempo, nós temos que reconhecer nossa negligência, nossas improvisações sem embasamento científico, nosso esbanjamento, nossa carência de perspectivas a longo alcance e nossa incapacidade de seguimento a um plano traçado, afirma Cepeda.
Se o inimigo não quer se corrigir, terá seu castigo, mas a eles não podemos atribuir o que é nosso pecado ecológico. Chegou a hora de confessá-lo e fazer justiça, finaliza.
Por Claudia Florentin, da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação