HOSPITALIDADE EUCARÍSTICA
Nós, representantes das igrejas-membros do CONIC, reunidos em um Seminário sobre hospitalidade eucarística, queremos - a partir de textos previamente elaborados pelas representações oficiais das igrejas-membros e pelo assessor, e das contribuições derivadas do debate em plenário - compartilhar os resultados dessas reflexões.
Entendemos por hospitalidade eucarística a acolhida de membros de outras denominações na ceia celebrada sob responsabilidade de uma das igrejas.
A hospitalidade eucarística é, hoje, um primeiro degrau na escalada da fraternidade ecumênica que hão de percorrer juntas nossas igrejas até que cheguem, num futuro que esperamos próximo, à intercomunhão e à concelebração.
I – Questões doutrinárias
Nas questões doutrinárias, verificamos as seguintes convergências:
- Presença real de Cristo na Ceia. Nenhuma igreja defende uma doutrina da presença meramente simbólica de Cristo na Eucaristia, mas sim real e sacramental. Há, é verdade, diversas formas de expressar a presença real de Cristo, mas todas realçam que quem participa da Mesa do Senhor recebe o próprio Cristo, para perdão dos pecados e nova vida.
- O conceito de sacrifício. O aspecto sacrificial constitui uma dimensão inerente e irrenunciável da Santa Ceia. No entanto, não se entende esta como a repetição do único sacrifício redentor de Cristo, feito uma vez por todas e todo suficiente, nem mesmo como uma justaposição do sacrifício de Cristo, da Igreja e de seus membros.
- Concepção celebrativa. Há uma superação de concepções meramente celebrativas. Na Santa Ceia há o dom do próprio Cristo, que se entregou por nós e se oferece a nós, transformando e alimentando as pessoas e a comunidade cristã que vem à Ceia do Senhor em fé e em consciência de seu pecado. Em consequência, há um enriquecimento das celebrações, com o resgate de valiosos elementos litúrgicos, provenientes da Igreja Antiga, como, por exemplo, a epiclese (invocação do Espírito Santo).
- Transubstanciação. Ainda que não se possa afirmar estar de todo superado o dissenso na questão em torno desse termo, e possível dizer que ele já se deslocou para a periferia das considerações doutrinárias acerca da Eucaristia. Teólogos católicos entendem o termo transubstanciação como uma fórmula filosófica adequada para determinado tempo e lugar e que visava a realçar precisamente a presença de Cristo na Santa Ceia. Dada a precariedade das formulações teológicas do mistério da presença real, e legítima a diversidade de expressões do mistério, como transparece até na variedade de designações do sacramento no NT. Pode-se afirmar, portanto, que o dissenso aqui não precisa constituir-se em razão impeditiva para a hospitalidade eucarística.
- Ministério. As igrejas passam a observar com mais rigor que o celebrar, administrar ou presidir a Santa Ceia e uma das funções essenciais do ministério especial ordenado, e não por último como sinal de unidade. Para algumas de nossas igrejas a questão do não reconhecimento da validade do ministério de outras igrejas ainda é o ponto chave que impede o reconhecimento da validade da celebração da Ceia do Senhor presidida por ministros/as ordenados/as de outras tradições. Não obstante, há esforços para superação do problema, no sentido de buscar formas de reconhecimento mútuo do ministério ordenado. Para além disso, seria oportuno refletir sobre a possibilidade de fazer distinção entre a compreensão da Ceia do Senhor em si e a questão específica do ministério.
- Eucaristia e unidade. A eucaristia não é apenas a culminância da unidade, mas a fonte dela. Por isso, a celebração eucarística deve expressar e fortalecer essa unidade como sinal antecipatório da unidade plena. Podemos afirmar não ser verdadeiramente plena a celebração da unidade na eucaristia enquanto irmãs/aos da mesma fé, em Cristo batizados, não possam partilhar da mesma Ceia.
II - Desafios pastorais
As convergências doutrinarias acima mencionadas apontam para os desafios pastorais, tais como:
Reconhecendo que a eucaristia normalmente é celebrada na própria igreja, há ocasiões em que é possível e recomendável a hospitalidade eucarística. Não podemos, contudo, deixar de levar em conta que, para o bom convívio entre as igrejas, devem ser respeitadas as normas de cada uma.
Ha situações reais de vida que recomendariam a participação na mesma Mesa Eucarística. No entanto, as pessoas se veem, às vezes, impossibilitadas de fazê-lo, como, por exemplo, em áreas geográficas não atendidas pela própria igreja; em casamentos mistos; em relações familiares de pertença a diferentes igrejas; em atividades intereclesiais; e em tantas outras. Por outro lado, já existem orientações oficiais de várias igrejas que permitiriam uma abertura maior, quanto a esse acolhimento mútuo.
As igrejas tem demonstrado mais facilidade em admitir uma eventual participação de membros de outras igrejas em suas celebrações eucarísticas do que em animar seus membros para a participação em outras igrejas.
Algumas diferenças doutrinárias que dificultam a superação dos dissensos acerca da Ceia do Senhor tem origens históricas, culturais, sociais, políticas e econômicas, antes do que teológicas. Maior conhecimento e explicitação dessas condicionantes podem ajudar na superação das barreiras a hospitalidade eucarística recíproca, expressando-se, assim, a grandeza da unidade no respeito a diversidade. Recomendamos as igrejas que. promovam seminários, ou eventos similares, partilhados com as igrejas-irmãs, com vistas a esse objetivo.
Tendo experimentado, em nosso convívio nestes dias, a importância de ouvirmos uns aos outros, sugerimos as igrejas que promovam, em nível regional e local, eventos em que seja possível a continuidade desse diálogo.
Merecem ser acolhidas práticas locais já existentes de hospitalidade eucarística recíproca, ou mesmo de celebrações conjuntas, na esperança de que, ao longo do processo, elas se universalizem e sejam assumidas atitudes e realizados gestos concretos, que antecipem a unidade mais plena e abrangente que as igrejas almejam.
Propomos que se incentive a prática da hospitalidade eucarística para satisfazer as necessidades pastorais de membros de nossas e de outras igrejas, numa era ecumênica e numa sociedade pluralista e de mobilidade em escala mundial. Oportunidades de ação conjunta estão a indicar a possibilidade de ensaio de hospitalidade eucarística, respeitando sempre os sentimentos e a consciência dos participantes.
Isoladamente, nenhuma igreja cristã é depositária da fé nem capaz de cumprir a missão de Cristo, menos ainda de realizar a universalidade do Evangelho. Todas e cada uma necessitam umas das outras. O nosso serviço é a paz. Na luta pela paz, expressamos nossa proximidade de Cristo e uns dos outros.
Temos esperança que as direções administrativas das igrejas, ao receberam este e outros documentos similares, os divulguem nas comunidades sob sua responsabilidade.
Constatamos, por último, as limitações de um relatório da natureza deste, incapaz, certamente, de expressar a multiplicidade dos significados implícitos na teologia da Ceia do Senhor, bem como as convergências alcançadas, que nos motivam e comprometem a buscar, partindo da hospitalidade eucarística, a expressão visível e plena da unidade que já temos em Cristo. Finalmente irmãos/irmãs,
em toda humildade e mansidão, com paciência, suportai-vos uns aos outros
no amor; aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vinculo da paz. Há
um só corpo e um só Espírito, do mesmo modo que a vossa vocação
vos chamou a urna só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo;
um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio
:de todos e permanece em todos. Ef 4.2-6