O “Sínodo Evangélico Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros Estados da América do Sul”, constituído em 1905 na Estrada da Ilha (SC), também se tornou conhecido como “Gotteskastensynode”. Ele é fruto da dedicação de incontáveis voluntários luteranos da Alemanha, sócios contribuintes da Associação Luterana Caixa de Deus (ALCD), o Lutherischer Gotteskasten.
Caixa de Deus – No impulso do reavivamento do século 19, na Alemanha, os pastores Ludwig Adolf Petri, em Hanover, e Wilhelm Löhe, em Neuendettelsau, reconheceram a necessidade de apoio espiritual aos emigrantes.
O pastor Petri uniu as obras missionárias de Hannover e de Neuendettelsau e organizou, em 1853, um centro de recolhimento de doações destinadas a apoiar os luteranos na América. Este centro recebeu o nome de Gotteskasten (Caixa de Deus), em alusão a Marcos 12.41, na tradução alemã de Lutero (Almeida traduz como gazofilácio e a Linguagem de Hoje fala em caixa de ofertas).
Os membros das comunidades luteranas, cientes de que a missão é tarefa de todos e não só de alguns especialistas, deram ofertas regulares.
Em 1880, as diversas associações deste gênero formaram a Federação das ALCD, cuja meta foi preservar e fomentar o luteranismo em todo mundo. O objetivo principal não era auxílio financeiro, mas apoio espiritual aos luteranos na diáspora. O envio de pregadores, professores e a doação de Bíblias e literatura eram prioridade.
Caso Brasil – Em 1891, a Federação das ALCD voltou-se para os luteranos no Brasil, com o objetivo de apoiar 24 mil teuto-russos luteranos que haviam emigrado para cá desde o ano anterior. Na reunião dos representantes das ALCD, em 1896, a obra no Brasil foi confiada à Caixa de Deus Bávara.
No ano seguinte, começaram a ser enviados pastores ao Brasil. O primeiro foi o pastor Otto Kuhr, que foi a Estrada da Ilha. As “instruções ministeriais”, dadas ao pastor Kuhr no Dia da Reforma de 1897, mostram que a constituição de um Sínodo fazia parte do projeto inicial: “Desde o início você deve ter em mente que nessa atividade se visa a fundação de uma corporação evangélico-luterana”.
Em 1898, seguiram os pastores Fritz Bühler para Joinville, Carl Bergold para Dona Francisca e Konrad Roesel para Brüdertal. Em 1899, o pastor Gottfried Riegel foi para Estrada da Ilha e o pastor Kuhr mudou para Castro (PR).
Os pastores enviados pela ALCD procuraram encontrar-se regularmente para troca de idéias, e em Julho de 1899 fundaram oficialmente a “Conferência Pastoral Luterana”. Ali já ventilaram a idéia de um Sínodo. Entre 1900 e 1904 ainda foram enviados outros pastores, todos eles formados no Seminário Luterano para Missão e Diáspora, em Neuendettelsau.
Preparando terreno – Em 1904, a Alemanha propôs a fundação de um sínodo luterano, sugestão aceita pela Conferência Pastoral Luterana. Baseado na Constituição do Sínodo de Iowa (EUA) foi elaborado um projeto de estatutos e cada pastor divulgou a idéia de um sínodo em sua comunidade. Em 1905, o folheto “O que se pensa a respeito de um sínodo? Uma palavra às nossas comunidades” foi distribuído em todas as comunidades.
No ano seguinte, o pastor Kuhr viajou por Santa Catarina para tratar da questão sinodal e, numa conferência pastoral, foi decidido que ele, ainda no mesmo ano, convidasse para uma reunião de criação do sínodo.
Primeiros passos – O primeiro Concílio Sinodal foi convocado para os dias 7 a 9 de outubro de 1905, em Estrada da Ilha, que constituiu o Sínodo no último dia do encontro. Delegados das comunidades de Castro e Curitiba – já decididas a filiarem-se ao Sínodo – também participaram. Em Santa Catarina, as comunidades de Pedreira e Quilômetro 21 também se filiaram e enviaram delegados. A quinta comunidade disposta a isso foi a de Cupim. Calculou-se também com a colaboração da Estrada da Ilha, porém, esta ainda ficou indecisa. No total onze pastores, um professor e as comunidades citadas fundaram o Sínodo.
Na palestra durante o concílio, o pastor Kuhr desafiou o Sínodo nascente a ser, “de agora em diante, uma luz colocada no velador e uma cidade edificada sobre um monte”. Que se desse um “testemunho alegre” a favor da “preciosa confissão luterana”.
Na segunda-feira, dia 9 de outubro, aconteceu a Constituição propriamente dita, com a leitura pública da Constituição Sinodal. Ao chegar ao parágrafo sobre a confissão, alguém se opôs ao uso da palavra “luterano”. “Os brasileiros, sendo católicos, poderiam ofender-se com esta palavra e a igreja luterana não seria reconhecida pelo governo do País”, argumentou. Este protesto, porém, foi rejeitado apontando para a liberdade religiosa existente no Brasil.
O pastor Bühler explicou a designação “luterano” como sendo um “termo de distinção”. Se a deixássemos de lado, anularíamos a confissão do Sínodo. O delegado do Quilômetro 21, Friedrich Papst, complementou: “Quantas pessoas há que nem sabem quem elas são. Eu fui batizado e confirmado na Igreja luterana. O cognome ‘luterano’ é necessário. Quantas seitas se formam na Igreja Evangélica, que se orientam no Antigo Testamento para levantar tabernáculos e rejeitar o Catecismo”.
A finalidade do Sínodo foi resumida no parágrafo quarto da Constituição, como “uma união voluntária de pastores e comunidades para cultivar a União no Espírito (Ef 4.3ss), para a edificação e o crescimento mútuos (I Co 12.4ss; I Ts 5.11), para o trabalho solidário no Reino de Deus, no sentido que este cresça para dentro e para fora, para defesa conjunta contra desordeiros separatistas e sectários (I Co 1.10; Rm 16.17), para proteção e resguardo dos direitos e deveres de pastores e comunidades”.
Após a proclamação oficial da fundação do Sínodo, foi eleita a comissão diretora, com o pastor Otto Kuhr como Präses (presidente). Foram formados quatro distritos: Joinville, Blumenau, Espírito Santo e Paraná. Na época da constituição do Sínodo, foi estimado em cerca de 16 mil o número de almas luteranas.
P. em. Leonhard Fr. Creutzberg, Joinville (SC)