P. Dirceu Gretschmann Strelow, Bacharel em Teologia pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), com adaptação na Faculdades EST, em São Leopoldo/RS. Atua na Paróquia em Cariacica/ES
e o Verbo se fez carne
Atualmente, muitas pessoas têm dificuldade em compreender a verdadeira humanidade de Jesus Cristo. Nos dias de João, não era muito diferente, pois havia uma doutrina que se espalhava na Igreja – o docetismo – que negava que Jesus tinha vindo em carne.
A afirmação contida no Evangelho de João 1.14 e o Verbo se fez carne combate esta doutrina. O Reformador Martim Lutero reforça: ‘Cristo se fez carne. Portanto é criatura’. Importa frisar que o Verbo (logos) se fez carne, não tomou meramente um corpo para si, mas tornou-se carne (sarx egeneto), carne que denota toda a fraqueza da humanidade em relação a Deus.
Em Jesus Cristo, Deus chegou mais perto de nós. O Escritor e Pastor americano Max Lucado relata esta chegada de forma poética: ‘Deus tornou-se homem. Enquanto as criaturas da terra anda- vam descuidadas, a Divindade chegou. Os céus se abriram e colocaram seu bem mais precioso num útero humano. O onipotente, em um instante, se tornou frágil. O que fora espírito se tornou palpável. Ele, que era maior que o universo, veio a ser um embrião. E aquele que sustém o mundo com uma palavra decidiu depender de uma jovenzinha para a sua nutrição. Deus veio como um feto. O criador da vida, sendo criado. Deus ganhou sobrancelhas, cotovelos, dois rins e um fígado. Ele se esticou contra as paredes, e flutuou no líquido amniótico da mãe. Deus se aproximou. Não fomos nós quem nos aproxima-mos dele. Ele se aproximou de cada um de nós. Ele se fez um de nós. As mãos que o sustentaram pela primeira vez eram calosas e sujas, mal cuidadas. Nenhuma seda ou marfim. Nenhuma festa ou pompa, apenas uma estrebaria. Se não fosse pelos pastores, não teria havido recepção. Os anjos olhavam Maria trocando as fraldas do Deus bebê’.
Emanuel – de fato, Deus conosco e, agora, ser humano. O Deus a quem servimos se tornou carne e se aproximou de cada um e cada uma de nós. Essa relação de comunhão e identifi cação do Criador com a criatura é fantástica.
Vocês e eu podemos nos relacionar com um Deus pessoal e amigo, que chega junto, que anda conosco, que vive o nosso dia a dia. Nenhuma outra divindade proclamada nas mais diversas religiões tem uma relação tão próxima como a relação que Deus efetivamente estabeleceu conosco em Jesus Cristo.
Deus interessa-se por nossas dores, canseiras e mortes. Preocupa-se conosco. Cuida de nós. Perdoa-nos. Acolhe-nos. Ele é presença constante em nossa vida. Em Jesus Cristo, a luz começa a brilhar na escuridão. Deus vem ao encontro da sua criatura. Procura-nos em nossas dúvidas. Em Jesus de Nazaré, o amor de Deus torna-se gente. Esse amor traz ânimo aos cansados, esperança aos desanimados, solidariedade aos aflitos e injustiçados e nos motiva como Igreja – o Corpo de Cristo – a refl etir esta luz na vida cotidiana das pessoas na nossa sociedade nos mais variados contextos.
Para refletir, leia João 1.14
P. Nivaldo Geik Völz, formado em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, e cursando Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), exerceu o Ministério Pastoral na Paróquia de Jequitibá, em Santa Maria de Jetibá/ES. Atua na Paróquia em Santa Teresa/ES
A Palavra que desinstala
Ao ser convidado para escrever sobre este tema, veio à mente o computador no qual este texto foi digitado. No computador, temos a opção de desinstalar programas que não são mais necessários. De imediato, isso permitiu fazer uma analogia com o evento da Reforma Protestante. Lutero, em seu tempo, viu a necessidade de desinstalar uma prática que não correspondia com o Evangelho de Jesus Cristo.
Foi um sistema que corrompeu a essência cristã, por isso a Reforma buscou a reformatação da estrutura da Igreja da época, desinstalando pessoas descomprometidas com o seu papel profético e a própria instituição enquanto Igreja como proclamadora do agir amoroso de Deus em Jesus Cristo. A intenção de Lutero era apontar para o acolhimento que nos é dado pela graça de Deus.
A presença de Jesus no caminho de Emaús apresenta a presença solidária de Jesus no nosso caminhar. Nem sempre o reconhecemos de imediato. A Igreja também não o reconheceu em muitos momentos da sua história. A Reforma Protestante testifica isso. Na pergunta de Jesus sobre o que dois dos seus seguidores conversavam a caminho de Emaús está o questionamento que hoje também recebemos sobre o nosso falar e agir.
À luz da Palavra de Deus, somos confrontados com o nosso testemunho e ação. Quando nos acomodamos diante da dificuldade, facilmente caímos em uma zona de conforto que paralisa, adormece e entorpece. A Palavra de Deus nos desinstala dos nossos medos, das nossas angústias e, claro, do nosso comodismo.
No partir do pão, Jesus foi reconhecido pelos dois caminhantes, que, de imediato, se põem a caminho de volta para dar o testemunho da presença do Cristo ressuscitado. Foi a Palavra seguida de gestos concretos que fez com que Jesus fosse reconhecido. Na história das primeiras Comunidades cristãs foi esse reconhecimento diário que manteve acesa a chama da fé nas pessoas.
Quando desvios aconteceram, homens e mulheres foram tocados por Deus pelo seu agir profético de denúncia e anúncio. Lutero fez isso no seu tempo e é o que hoje também fazemos quando seguimos os passos do Reformador. Somos uma Igreja em constante reforma no que diz respeito àquilo que não edifi ca as relações humanas. Valores éticos não podem ser relativizados. Eles são únicos e estão a serviço do bem comum.
As palavras de Jesus demonstraram esse valor por meio do amor, critério para todas as suas atitudes e palavras. Em tempos nos quais, muitas vezes, os fins justificam os meios, a palavra de Jesus em Marcos 8.36: Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? deixa claro que o egoísmo desinstala a integridade e dignidade humanas. Perder a alma, nesse caso, é perder uma identidade que não é só cristã, mas é universal. É uma verdade absoluta que carece de instalação em todos os corações humanos.
Para refletir, leia Hebreus 4.12-13