Marcos 16.14-20
Introdução:
1. há alguns anos a Igreja ocupava o centro do pensamento humano. Deus e a vida de fé moldavam inclusive as cidades. A arquitetura mostra isso com clareza: a igreja como construção ocupava um espaço central na cidade e sua torre, imponente, era a referência geográfica. As casas, os bairros, o comércio se gestava no entorno. A igreja era o centro da vida das pessoas e da vida da cidade.
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2. a arquitetura dos grandes centros urbanos hoje é muito diferente. Ela esconde as igrejas. Onde podemos ver a torre das igrejas em meio aos prédios? A pergunta que se faz na arquitetura se repete na vida das pessoas: qual é o lugar da Igreja/comunidade cristã na vida da cidade?
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A Igreja Cristã busca resposta para esta pergunta, entre outras perguntas. No culto de hoje queremos colher luzes que nos vêm do texto de Marcos 16.14-20.
Ouçamos o texto com atenção.
3. Leitura do texto de Marcos 16.14-20
4. O texto de Marcos que ouvimos é a conclusão de seu Evangelho. Podemos acolher a ideia de que é uma última orientação de Jesus aos discípulos antes de sua ascensão. E esta orientação deixa claro uma tarefa: testemunhar o Reino de Deus aos/às discípulos/as e seguidores/as. A eles/as cabe a tarefa de testemunhar Cristo em todo mundo por palavra e sinais. Uma confiança bonita da parte de Deus nas pessoas, mas também uma responsabilidade grande sem dúvida.
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5. acerca do texto faço alguns destaques:
5.1 – a primeira intervenção de Jesus é sobre a falta de fé dos discípulos. Eles não acreditaram na ressurreição de Cristo. Foi necessário reavivar neles a chama da fé. Talvez um racionalismo tivesse tomado conta deles: como pode alguém ressuscitar? A presença de Cristo diante deles é o sinal concreto que precisam. Um sinal concreto e visível que aponta para além das capacidades da pessoa. O sinal que vem de Deus é maior do que nossa capacidade e dom. A presença de Cristo reaviva a fé.
5.2 – mas é uma fé professada em palavras e ações. É uma fé que testemunha os valores do Reino de Deus no cotidiano da vida. É uma fé que toma conta da pessoa toda e molda nela um jeito de ser, o jeito cristão de ser. A pessoa cristã tem um jeito especial de ser. Como o bom samaritano a pessoa cristã cuida da pessoa necessitada; como Marta e Maria se esforça por receber bem; quando curado volta para agradecer como o leproso; quando em dúvida e medo ora como Jesus no Getsêmani; intervém nas situações de morte como com Lázaro; divide o que tem com o/a irmão/ã como na multiplicação dos pães e peixes; ... A pessoa cristã assume a fé em Deus como expressão e jeito da vida. Viver a fé e viver pela fé é mais do que declarar crer em Deus, é agir em conformidade com o que cremos. É tornar concreta e palpável nas circunstâncias da vida a fé que cremos. É crer na Palavra de Deus e assumi-la como norteadora da vida.
5.3 – ao viver os valores do Reino de Deus me imagino que sinais contrastantes com este mundo logo irão se colocar. A sociedade brasileira é marcada por um pensamento econômico do acúmulo, da exclusão do mais fraco, do eu primeiro e você depois, ... A cidade revela todos esses contrastes. Nosso texto, porém, afirma: todo o que crê fará sinais (v. 17). Sinais que ultrapassam o alcance da sua própria capacidade. A pessoa cristã, ao falar a linguagem da justiça vence o linguajar da corrupção – estes demônios não lhe resistirão; o mal mortífero (símbolo são o veneno e a cobra) da exclusão, da estratificação social, da violência, ... não exercerá influencia sobre ela pois sua vida será orientada pelos valores da partilha (não do acúmulo), do cuidado para com o próximo (não da indiferença), do aproximar-se do seu semelhante (não do dar-lhe as costas), ... Todas as pessoas que tornam palpável a fé que creem realizam sinais que ultrapassam sua capacidade nata. Pois Deus ali está. Em resumo podemos afirmar: falar a linguagem da ética, da justiça, da doação, ... é tornar visíveis os sinais do Reino de Deus.
5.4 – Jesus, no Evangelho de Marcos, convida os discípulos a viver um caminho, a fazer uma opção de vida e fé: viver os valores do Reino de Deus, proclamados pelo Evangelho, que contrastam com os valores deste mundo. Marcos convida os discípulos a um novo modo de vida. Isto afasta demônios (mal) e aponta sinais de vida. O extraordinário não será a glossolalia, mas passar a noite no hospital ao lado de uma pessoa doente; consolar e estar do lado de alguém que sofre a dor do luto; cuidar da vida frágil de uma criança; ...
6 – Fico me perguntando como este perfil de vida pode ser o perfil da pessoa cristã na cidade. A dinâmica da vida na cidade é a dinâmica da selva, do mais forte que se impõe ao mais fraco. A cidade é marcada pela disputa e poder. Quem faz mais propaganda influencia mais. Vende mais. É mais visto. E para isso precisa de dinheiro. Esta é a regra do jogo do mercado. Jogá-lo é difícil. Desnecessário até conforme nosso texto. Com isso aponto para uma importante orientação do texto para a pastoral urbana: não existimos como comunidade urbana para repetir e multiplicar as regras do mercado onde quem pode mais lamenta menos. Não existimos para falar as regras do poder econômico e multiplicar seus sinais. Pelo contrário: nossa missão é ser-lhe resistência. Onde exclui, incluir; onde mata, defender a vida; onde ignora pessoas e vidas, dar valor e dignidade. ... Serão estes, então, sinais claros e evidentes de que afastam o mal e este não exercerá influência sobre nós pois não há poder acima do poder de Deus. Os poderes do mundo não exercerão influência alguma.
7 – como isto se mostra no cotidiano da vida? Como posso tornar concreto na dinâmica da vida o que creio no coração? Lutero nos ajuda na reflexão ao afirmar: faze o que está à mão. Seja simplesmente pessoa cristã nas coisas pequenas da vida que fazem parte do teu cotidiano. Você vive na cidade. Ela faz parte da sua vida. É nela que queremos experimentar paz, bondade, amor, misericórdia, ... Fazer o que está à mão, bem diante de nós e no nosso alcance, significa tornar habitável o lugar onde estamos; acolhedor; belo. Semear sinais de paz e misericórdia. Como exemplo cito: ajudar a pessoa idosa a atravessar a rua; colaborar com a limpeza pública – colocar o lixo na rua no horário certo do caminhão passar; ser respeitoso no trânsito; participar da associação de moradores do bairro, de uma ONG, de um conselho municipal, ... e se importar com as questões da coletividade; participar da sua comunidade de fé com alegria e amor; ... Isto é assumir, pela fé, o lugar onde Deus te coloca para viver.
8 – Deus confia em nós para, pela força de seu Santo Espírito, sermos sinal de luz na cidade onde vivemos. E como a cidade está carente destes sinais. Ser igreja na cidade é ser testemunha do amor de Deus que movimenta a vida e o mundo. Logo, um pouco do amor de Deus estará ali onde puseres a tua mão amorosa.
(A pregação foi proferida na comunidade em Campinas no dia 30/03/2014 por ocasião do tema do ano e como partilha dos debates que aconteceram no seminário Igreja na Cidade entre ministros/as da IECLB e Igreja Luterana da Baviera. Sugestão de texto bíblico como uma das leituras: Atos dos apóstolos 2.42-27. A pregação contou com o auxílio de uma projeção que acompanha cada parte do texto na forma de foto.)
Campinas, 30.03.2014.
Marcos Jair Ebeling