O CEBI tem no ecumenismo uma de suas características. Em muitos locais ele é visto como organismo que lê, estuda, ora, celebra e organiza a economia e vida a partir da Bíblia, ecumenicamente. Por isso é chamado a contribuir em iniciativas de grupos que trabalham e necessitam desta visão. Por exemplo, em Cuiabá, o CEBI foi convidado para trabalhar com pessoas no presídio, exatamente por fazer a leitura popular da Bíblia de forma ecumênica. Certamente, você, também, tem seus relatos e experiências nesta área. Você lembra de alguma destas experiências?
Nas Campanhas da Fraternidade Ecumênicas, o CEBI sempre tem colaborado. Está presente com a leitura da Bíblia, nas campanhas pelo Fundo Nacional de Solidariedade e nas celebrações. Mas, também, colabora com a elaboração de material da CFE. Na CFE 2010, por exemplo, o CEBI elaborou o subsídio oficial da campanha “Fraternidade nos Círculos Bíblicos”. O presente texto quer ser uma contribuição do CEBI, na construção coletiva de uma sociedade em que a economia esteja a serviço da vida, na CFE 2010.
Já estamos na terceira Campanha da Fraternidade Ecumênica coordenadas pelo CONIC. A primeira foi realizada em 2000. O evento foi repetido, também, em 2005. Em 2010, temos a alegria de mais uma vez orarmos e trabalharmos em conjunto, atendendo ao chamado e à oração do Senhor Jesus ao Pai: “E assim como tu, meu Pai, estás comigo, e eu estou unido contigo, que todos os que crerem também estejam unidos a nós para que o mundo creia que tu me enviaste” João 17.21. É uma Iniciativa conjunta de igrejas cristãs. Proposta pela CNBB e aceita pelo CONIC, a cada 5 anos realizamos em conjunto a referida campanha. A CFE é organizada por uma comissão composta por dois representantes de cada igreja membro e pela diretoria do CONIC.
O tema e o lema dão a direção do trabalho, nestas campanhas, tendo os objetivos como linhas de atuação. O tema em 2000 foi Dignidade Humana e Paz, enfocando um novo milênio sem exclusões. O texto base tratou da dignidade ferida nos porões da vida, nos quadros dos trabalhares escravizados, sujeição de crianças e seres descartáveis, primando por leis que defendem a vida e valorizam as pessoas. O texto mencionou a dignidade ferida à luz do sol, como o genocídio dos povos indígenas, a escravidão dos povos negros e a discriminação da mulher. A partir da iluminação do texto bíblico, a CFE nos desafiou para o resgate da dignidade, a solidariedade e a evangelização, com propostas de ação para pessoas cristãs e todas as pessoas de boa vontade. Verificou, também, os bastidores do mundo onde se fere e se encontra a dignidade ferida, chamando para a conversão de mentes e corações, criação de condições dignas de vida, educação para a paz, com ações concretas no cotidiano de nossas comunidades. A campanha foi bem aceita, com ótimo envolvimento da população. Seus reflexos ainda são notados, através de relatórios sobre dignidade humana e das conferências da paz realizadas pelo CONIC.
A CFE de 2005 discutiu e trabalhou sob o tema “Solidariedade e Paz”, motivado pela Palavra de Jesus “Felizes os que promovem a paz”. Entramos no novo milênio cheios de esperança, mas a violência, o terrorismo e as guerras foram como baldes de água gelada jogado sob as brasas de nosso entusiasmo. A solidariedade, um modo cristão e inteligente de viver, foi a proposta fundamental para a construção de novas relações humanas de paz e justiça. Entendemos que Deus fez bom uso da CFE 2005 para, novamente, acender a chama da vida, da dignidade, da paz. Deus nos diz, em Isaías 11. 1: “Virá [...] o filho de Jessé, que será como um ramo que brota de um toco, como um broto que surge das raízes”. Continuamos com o sonho, com o trabalho em conjunto, tendo no horizonte a fé, o amor, a esperança e a solidariedade, porque o senhor cumpre a sua promessa de vida plena e abundante para todos e todas, como nos testemunha João 10.10.
No mesmo horizonte de solidariedade, paz e dignidade nos encontramos na CFE 2010, agora com o tema “Economia e Vida”, e lema bíblico: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. A atual economia sacrifica pessoas, cria desigualdades, provoca mortes, cria fome, gera doenças físicas e psíquicas, impõe medo. Neste contexto, o dinheiro é transformado num ídolo que seduz mentes e corações, governando a vida pessoal, familiar e social.
A postura diante do dinheiro é um problema para a construção da solidariedade e da paz. Provérbios dos povos dizem muito bem o poder do dinheiro. Um árabe diz: “Um cachorro com dinheiro a gente chama de senhor”. O judeu diz: “O dinheiro a gente não chama de servo, mas de senhor”. O americano afirma: “Um homem com dinheiro sonho com mais dinheiro”. Um provérbio alemão: “O dinheiro governa o mundo.” Já o brasileiro diz: “topa tudo por dinheiro”. Neste sentido, o dinheiro parece ter vida própria. As pessoas põem a sua fé nele, para tudo na vida. O dinheiro, pelo poder que as pessoas lhe dão, se transformou num modo de produção. Parece que dinheiro tem vida própria, se reproduz. Parece que dinheiro cria dinheiro. Dinheiro faz dinheiro.
Mas dinheiro não cai do céu, nem surge do nada. Se ele entra no bolso de alguém, antes disso ele saiu do bolso de outro ser humano, principalmente, através do trabalho deste. Os altos juros e os preços muito além dos custos de produção são uma espécie de máquina de fazer dinheiro, ou de tirar dinheiro de alguém. Martim Lutero, há 500 anos, já pregava que cobrar juros é usura, isto é, significa roubo. Infelizmente, este roubo foi legalizado. Continua sendo roubo, porque o dinheiro não está a serviço da boa qualidade vida, do bem estar de todas as pessoas. Ele é um fim em si mesmo. Este é o principal problema do dinheiro.
O que fazer? Se desfazer do dinheiro? Não valorizá-lo como um meio de troca? Trabalhar e não valorizar o dinheiro do salário? De jeito nenhum. Todos precisam do dinheiro, com certeza. Não há problema em usar o dinheiro para resolver necessidades humanas. O problema é a postura diante dele. Valorizá-lo como se ele fosse o deus, o salvador de nossa vida pessoal, familiar e social. Permitir que ele tome conta da vida, que ele mande em nossos sonhos. Estar deprimido quando se está sem dinheiro. Estar feliz só por ter dinheiro. Estes são problemas no trato com ele. Quem governa a sua vida: você governa o dinheiro ou o dinheiro governa você?
Se emprestar dinheiro, cobrar somente pelos custos do empréstimo. Não explorar nos preços, nem nas balanças. O dinheiro deve ser um meio de troca. Sua finalidade é servir, é facilitar a vida de todos. O apóstolo Paulo, por exemplo, diz à Comunidade de Corinto “Agora vou tratar do dinheiro para ajudar o povo de Deus da Judéia [...] todos os domingos cada um de vocês separe e guarde algum dinheiro, de acordo com o que cada um ganhou [...] depois, .. aqueles que vocês escolherem levarão a oferta aos necessitados de Jerusalém.” (1 Coríntios 161ss). Aqui ele prega sobre o bom uso do dinheiro e sobre uma postura cristã de uso próprio (de acordo com o que tem) e de solidariedade (partilha com os necessitados).
O dinheiro tem o valor que nós lhe dados. Ele não tem valor próprio. Ninguém come dinheiro. Dinheiro é só papel. E um papel de péssima qualidade para o consumo humano. Ele é tão áspero e tão sem jeito que não dá nem para enxugar as mãos com ele. O valor está na nossa mente e no nosso coração. Em termos religiosos, quando acaba o nosso poder, acaba o poder do dinheiro. Seria como um deus, um ídolo que não tem poder de salvação.
Nós precisamos de dinheiro, mas não para adorá-lo como se fosse Deus. Só Deus tem poder além do nosso poder. O poder de Deus não é o poder da exploração, da ganância e da amargura, mas o poder de Deus é poder do amor. O dinheiro não ama. Deus ama, porque Deus é amor (1 João 4.8). Ninguém é capaz de viver sem este amor. Inclusive as pessoas que não querem saber de Deus não vivem sem o amor. Mesmo as pessoas que acham que são donos de tudo e de todos, só porque tem muito dinheiro, são incapazes de viver sem amor. Um exemplo disso é o fato de que todas as pessoas, em qualquer lugar e em qualquer idade, adoecem se não se sentem amadas. “Uma pessoa sem amor é uma pessoa doente”, diz Marcos Arruda. Por outro lado, quem erra o alvo do seu amor, amando o dinheiro e sendo indiferente ao Senhor e à vida, está se dirigindo à morte. Seria como estar num navio prestes a bater num eisberg e não colaborar com a comunidade para reduzir a velocidade e mudar o rumo do navio, evitando a tragédia. Mas se jogar na piscina do próp
rio navio e nadar em direção oposta, achando que estaria salvo. Assim, morre tragado pelo abismo do mar com o seu dinheiro e seu valor.
Nos tempos pós-modernos, o dinheiro está ligado, em simbiose, com a economia. O que significado tem a palavra economia?
Muitas pessoas, quando falam em economia, pensam em economizar, isto é, cuidar para não jogar nada fora. Foi desta forma que tive contato com o termo economia, na minha vida familiar. Especialmente, a mãe nos alertava, dizendo: “come, também, a casca do pão, porque faz bem para saúde e devemos economizar”. Ou então, “os olhos não podem ser maiores do que a fome. Coloque no prato somente a quantia que vai comer.” E mais drástica e espiritualmente: “Jesus chora, quando você joga comida no lixo. Tem muitas pessoas passando fome, e você joga desperdiça comida!” Ou quando a colheita foi menor: “você vai passar fome, se jogar comida fora. Atenção: Economizar, economizar, economizar”. Esta foi, muitas vezes, a ladainha na minha casa. Desta forma, tive os primeiros contatos com a palavra economia. Muito próximo à comida, porque a comida sempre foi uma preocupação fundamental para meus pais. Ninguém passou fome, mas o trabalho para que tivessem boa alimentação foi constante.
Na minha juventude, quando surgiu a época da escolha da profissão, descobri que poderia fazer vestibular para uma faculdade de economia. A minha primeira observação foi: lá se estuda como economizar comida? Logo foi descobri que economia inclui comida, mas é mais amplo. Mesmo não tendo estudado numa faculdade de economia, alarguei meus horizontes sobre a compreensão do termo economia. Mas minha mãe estava certa, quando nos ensinou a orientar nossa vida, economizando para atender mais necessidades com menos recursos, porque os recursos são escassos. Ela entendia muito de economia, apesar de nunca ter freqüentado uma faculdade de economia.
Segundo o Manual da CFE 2010, Economia se refere às atividades de produção, comercialização e consumo de bens e serviços. O termo economia vem da Língua Grega, formado pelas palavras oikos (casa) e nomos (costume ou lei). Neste sentido, economia significa regras para o cuidado com a casa, com o ambiente onde as pessoas vivem. Cuidar significa suprir as necessidades das pessoas que compõem a casa.
Mas a economia não se limita apenas á casa. Ele tem significado social. Ela envolve relações que se estabelecem entre as pessoas do bairro, do município, do estado, do país, do continente, do mundo. É possível compreender economia de forma integrada e interdependente: o lugar, as pessoas, as instituições, a natureza. Neste sentido, a economia significa um conjunto de ações e formas sociais de solução da relação entre as necessidades existentes e os recursos disponíveis. Há muitas necessidades, mas os recursos são limitados, são escassos. Economizar seria, então, atender mais necessidades com menos recursos. E isso tem sentido.
Mas o problema da humanidade é que muitas necessidades não podem ser atendidas, porque algumas poucas pessoas se apropriam e guardam os bens somente para si e os seus pupilos. Esta é uma forma em que se organizou a economia mundial para favorecer a abundância para poucos. Imagine, agora, se minha mãe, na escassez de alimentos, antes de nos educar para a economia, tivesse guardado a comida para algum filho predileto e tivesse deixado os outros passar fome? Como monstro, teria criado monstros. Coisa semelhante acontece com o sistema econômico mundial da humanidade, gerando desigualdades, mortes, guerras, fome, doenças, violência, competição, falta de paz, sem justiça, sem direitos humanos. Com uma economia que não prioriza a vida, o sistema econômico dominante cria monstros.
O educador Paulo Freire registrou sua condenação da economia, ao dizer: “Uma economia incapaz de programar-se em função das necessidades humanas, que convive indiferente com a fome de milhões a quem tudo é negado, não merece o meu respeito”. Por outro lado, economia a serviço das necessidades humanas, da vida, deve ser respeitada, valorizada e vivida.
O texto que você tem em suas mãos quer ajudar a pensar sobre isso, a celebrar a vida e a dialogar sobre nosso comprometimento com transformações significativas para uma economia a serviço da vida de todos e todas.
A CFC 2010 quer nos ajudar na reflexão e no trabalho em conjunto sobre o bom uso do dinheiro, na compreensão e na prática de colocá-lo a serviço da vida. As Igrejas, os diferentes grupos, as famílias tem bom motivo e bom material para trabalharem em conjunto, neste tempo da quaresma. A campanha inicia em 17 de fevereiro, com a abertura nacional, e encerra em 28 de março, com a coleta para o Fundo Nacional de Solidariedade. Antes, durante e depois é sempre tempo próprio para organizar equipes ecumênicas ou das próprias comunidades para orar e agir solidariamente, no bojo da economia e vida.
Tema e lema são bem atuais. Os textos, o hino da campanha e a oração nos introduzem no bom sentido do espírito ecumênico e do compromisso social, na convivência, no diálogo, na partilha e no mutirão das comunidades cristãs e da sociedade. A confiança em Deus e a sabedoria humana legitimam o vigor de enfrentar a economia a serviço da morte e a transformá-la em economia a serviço da vida. Os projetos populares e solidários, os encontros bíblicos, as celebrações conjuntas são fundamentais para a construção de pontes para o encontro dos caminhos humanos da justiça e da paz, no amor ao Senhor e ao povo e no trabalho da economia a serviço da vida.
Teobaldo Witter
Cuiabá, MT, 05/02/2010