Prédica: Isaías 42.14-21
Leituras: Efésios 5.8-14 e João 9 13-17,34-39
Autor: Haroldo Reimer
Data Litúrgica: 3º Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 14/03/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII
1. Introdução
A pregação no 3° Domingo da Quaresma (Oculi) convida a abrir os olhos, chama para ver a luz que Deus traz em Jesus Cristo e conclama as pessoas que crêem a serem elas mesmas luz. A inter-relação entre os três textos é, em princípio, conflitiva, mas, no todo, há boa complementação.
Em si, o eu do texto de Isaías 42.14-21 (Deus ou o servo-profeta?) inicia afirmando que não pode mais calar. Agora dará gritos como a que está de parto. O texto termina, fazendo referência à tora, à lei que orienta. Se vermos o texto em continuação ao primeiro canto do servo sofredor, a função de seus gritos é abrir os olhos, promulgar o direito, e fazer ver e enaltecer a tora de Moisés. Os textos de leitura fazem a complementação cristológica e tiram a consequência para as pessoas que crêem hoje.
João 9.13-17 interpreta a figura do servo do texto do AT, identificando-o com Jesus de Nazaré: Que é profeta, respondeu ele (v. 17). Jesus se tornou o mediador da nova aliança. Ele quer abrir os olhos dos que não vêem (cf. a cura do cego de nascença, relatada no todo do texto de João 9) e também dos que vêem, mas não querem olhar para além de suas próprias convicções (cf. Jo 9.29).
Efésios 5.8-14 destaca que a comunidade das pessoas que crêem, andando no caminho do Senhor Jesus, é luz. Ser luz é trilhar veredas ou fazer passos de bondade, de justiça, de verdade. O texto adverte a não andarmos comprometidos com as obras das trevas, i.e., com estruturas de desamor, de falta de solidariedade, de marginalização e de exploração em nosso mundo. Por e em Cristo somos (podemos ser) luz. Pela nossa prática podemos orientar outras pessoas em sua própria caminhada. A prédica busca animar as pessoas ouvintes a olharem para Jesus e, na sua prática, também serem luz: Desperta!, ouvi!, olhai!
2. O texto
O ponto de partida das pregações de Dêutero-Isaías era a situação do povo no exílio babilônico. Após as deportações de 597 e 587 a.C., uma parte do povo judeu, primeiro os maiorais do povo e depois também muita gente do povo simples, encontrava-se no cativeiro junto à margem dos rios da Babilônia, onde chorava de saudade de nossa terra (Sl 136.1). Por um lado, tinha que viver com essa desgraça do cativeiro, que, de fora, caiu sobre o povo. Por outro, numa terra estrangeira tem de conviver com os deuses do povo que o dominou. E esses, que nos fazem chorar de amargura, pedem por canções de alegria. Mas como poderíamos entoar os cantos de nosso Deus, longe dele numa terra estrangeira? (SI 136.4). Estar longe da terra era estar longe de seu Deus. Essa era a desgraça interior que esse povo no cativeiro tinha que trabalhar. A precariedade social deve ter sido grave. Porém, o problema era profundamente teológico. O povo tinha na cabeça ideias tortas sobre Deus e sua atuação. Vejamos:
— Deus era concebido como um deus local, que atuava em Israel. Agora, estando em terra distante, o povo estaria longe de Deus.
— Deus era concebido como um Deus protetor, guardião incondicional do seu povo, na sua terra. A experiência do exílio fez essa concepção desmoronar. Deus teria abandonado o seu povo?! O meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu direito passa despercebido ao meu Deus? (Is. 40.27.) O povo não vê, não sente e parece não mais experimentar a presença de Deus.
— Em meio a essa crise social e teológica florescem o culto e a idolatria de imagens de Deus. O povo busca substitutos para o Deus que julga distante e perdido. Em parte adere a deuses babilônicos ou fabrica imagens de algum deus sincretizado (Is 44.9-20; 40.19-20; 41.6-7). E nisso os sacerdotes têm um papel importante (Is 40.18-20).
Ante essas imagens tortas na cabeça do povo no cativeiro, Isaías Júnior dispara toda uma bateria de pregações, que buscam colocar o novo da concepção de Deus e do seu agir na história. Elas buscam refazer aquilo que a experiência histórica havia entortado.
— Uma das primeiras coisas a anunciar, após proclamar o fim iminente do cativeiro, é que Deus é o criador do mundo e ordenador do universo. A ele todas as coisas estão sujeitas e ele tudo conhece (Is. 40.12ss.). A teologia da criação, conforme o primeiro relato da criação (Gn l.l-2.4a), surgiu nessa situação no exílio.
— A partir do pressuposto da ênfase na afirmação de que Deus é o criador do universo, os limites territoriais nacionais não mais têm de ser vistos como barreiras para o agir e a presença de Deus entre seu povo, mesmo em terra estrangeira. Deus está presente e vai agir historicamente para libertar o seu povo. Assim, uma segunda ênfase teológica de Dêutero-Isaías é a teologia do novo êxodo: Preparai o caminho do Senhor... (40.3), assim diz o Senhor, o que outrora preparou um caminho no mar (...), eis que faço coisa nova (...), eis que porei um caminho no deserto... (43.16,19).
A terceira ênfase é a crítica feroz contra a idolatria de imagens e dos falsos deuses (44.9ss.; 45.19ss.), que já vinha acompanhando o povo mesmo antes do cativeiro (Jr 11.13). Em muitas palavras de disputa, Isaías Júnior precisa negar veementemente a vida própria dos ídolos adorados em terra estrangeira, afirmar que nada são, que somente o Deus de Israel é e existe.
Não era Deus que se esquecera do povo. Era o povo que tinha esquecido o verdadeiro rosto de Deus (Is 59.1-2). Deus continuava presente no meio do povo, bem perto dele (Is 55.6), mas o povo não o enxergava. (Mesters, p. 57).
É preciso convencer os surdos, abrir os olhos dos que não querem enxergar e dizer-lhes que Deus fará um caminho novo: Guiarei os cegos por um caminho que não conhecem (...) tornarei as trevas em luz perante eles, e os caminhos escabrosos, planos. Estas coisas lhes farei, e jamais os desampararei (42.19). Surdos, ouvi; cegos, olhai!
3. A prédica
A prédica poderia seguir três passos, acompanhando a dinâmica dos três textos previstos para o dia.
3.1. Começar com o texto de Dêutero-Isaías, recontando ou colocando um pouco da situação descrita e as ênfases teológicas colocadas pelo profeta. Dependendo da situação da comunidade, poder-se-ia restringir talvez somente a uma ênfase teológica por ele colocada. Talvez a polémica contra a idolatria dos falsos deuses? Ou da presença de Deus no meio do povo, mesmo em meio ao sofrimento e a sua promessa e a possibilidade de um novo êxodo, lambem hoje muitos estão surdos e, mesmo tendo olhos, não vêem nem Deus tampouco as coisas que ele faz.
3.2. Fazer a curva cristológica e apontar para Jesus, que abre os olhos da gente que não quer ver, assim como ele abriu os olhos daquele cego de nascença. Buscar abrir os ouvidos e os olhos dos/as ouvintes para o Deus, Jesus, que está presente, faz coisas novas, transforma as trevas em luz e faz as coisas aparecerem em nova luz.
3.3. Convidar os/as ouvintes a abrirem os ouvidos e os olhos e deixarem-se guiar por novos caminhos. Convidar a andar na luz e, na sua prática ao modo da prática de Jesus, ser luz para outras pessoas. Isso não deve ser um imperativo, mas, de fato, um convite. Um convite acompanhado da promessa do próprio Deus: Guiarei os cegos por um caminho que não conhecem (...) tornarei as trevas em luz perante eles, e os caminhos escabrosos, planos. Estas coisas lhes farei, e jamais os desamparei (42.19).
4. Subsídios litúrgicos
1. Intróito: Em ti esperam os olhos de todos, e tu, a seu tempo, lhes dás o alimento (Salmo 145.15).
2. Confissão de pecados: Senhor, tu conheces a cada um/a de nós. Tu sabes de nossa condição de pessoas que necessitam de tua graça para andar por caminhos justos e de solidariedade. Tu vês que, muitas vezes, estamos comprometidos com uma realidade de desamor, de falta de solidariedade, de injustiça. Em vez de buscar a ti, deixamo-nos levar pelos ídolos deste mundo por caminhos de trevas, para nós e para outros. E aí ficamos cegos para ti. Mas, abre nossos olhos, Senhor! Deixa-nos ver a luz que vem de ti. Que a tua luz ilumine também através de nós. E perdoa-nos, Senhor. Tem piedade de nós!
3. Oração de coleta: Senhor, a tua Palavra é luz para os nossos olhos e uma lâmpada para os nossos pés. Vem, Senhor, vem, Santo Espírito! Abre nossos ouvidos e nossos corações para a leitura da Palavra. Amém.
4. Sugestão de hinos: HPD 198; 166; 226
5. Bibliografia
MESTERS, Carlos. A missão do piovo que sofre. Petrópolis/Angra dos Reis, Vozes/ CEBI, 1981.
WESTERMANN, Claus. Das Buch Jesaja. Kap. 40-66 (Das Alte Testament Deutsch, vol. 19). Göttingen, 1966.