Marcos 1.9-15 - Invocavit - Primeiro domingo de Quaresma.
1 de março de 2009.
Hoje a Igreja inicia o tempo de reflexão e vivencia da fé a partir do sofrimento e morte de Jesus Cristo. São 40 dias para pensar no seu sofrimento e morte. Mas tenho a impressão que o nosso mundo moderno não quer mais ouvir falar em sofrimento, dor, morte, tentações. Os tempos mudaram. Já não tememos mais os bichos que estão nos telhados assustando as criancinhas que não querem dormir. Hoje tememos os assaltos, a violência, as guerras, as crises econômicas, o desemprego, o preço da gasolina...
Não sei vocês, mas para mim causa estranheza que o carnaval ainda continue. Antigamente, na quarta-feira de cinzas terminava a festa e as pessoas mantinham uma atitude de respeito diante a quaresma. Percebemos que cada vez mais o carnaval vai ficando maior e quaresma menor. Mas é preciso perguntar por quê?
Na cabeceira de minha cama havia um crucifixo com Cristo na Cruz. Com minha avó, orávamos todas as noites, mas durante a quaresma orávamos de joelhos o pai nosso. Aprendi que este sofrimento de Cristo era sofrimento que nós causamos com nossos pecados. E pensar que “eu” havia causado sofrimento em Jesus me deixava triste.
Às vezes tenho medo de parecer saudosista, mas tenho a impressão que antigamente havia um respeito, uma devoção e até um medo profundo diante da quaresma. Vocês se lembram do que ouviram de seus pais e avós sobre a quaresma, dos costumes, do que se podia e do que não se podia fazer durante a quaresma?
O texto escolhido pela igreja para este primeiro domingo de quaresma nos lembra: 1) o batismo de Jesus e a descida do Espírito Santo em forma de pomba (a voz que afirma Jesus como Filho deDeus); 2) o tempo no deserto; 3) a morte de João Batista e o arrependimento. Apesar de não falar do sofrimento de Jesus, este texto é como uma introdução àquilo que será nossa reflexão durante o tempo de quaresma.
Leitura de Marcos 1. 9-15
1. O batismo de Jesus. A quaresma, de fato, não inicia com o sofrimento de Jesus a caminho da cruz. Na verdade, o caminho da cruz marca o início da vida de Jesus, mas nós só compreendemos isto depois da cruz. Os evangelhos falam disto com freqüência. Talvez, aqui na cena do Batismo de Jesus, nos deparemos com o primeiro motivo para o sofrimento e morte de Jesus. Ela não precisava do batismo. Ele era o filho de Deus, não tinha porque se arrepender de seus pecados, crer em Deus e pedir perdão. Mas ele o faz. Por quê? A resposta é bem simples: por solidariedade. Jesus escolheu caminhar pelos mesmos caminhos que nós caminhamos. Esta solidariedade de Deus não nos deixa sozinhos perdidos em nossos caminhos e descaminhos. Ele vai conosco até o lugar onde escondemos nossas dores, faltas, pecados, maldades para nos libertar. Para nós, esta solidariedade significa vida. Para Jesus, infelizmente, fazer-se solidário dos pobres e pecadores significou morte. Pouca gente compreendeu um Deus que ama o pecador e rechaça o pecado. Um Deus solidário com as vítimas do pecado causado até mesmo pelos próprios líderes religiosos e políticos do povo. Quando Jesus assume esta solidariedade, o céu se abre e a voz de Deus o identifica como seu filho amado. E não só isto, o Jesus solidário recebe o Espírito Santo. Ele ganha a aprovação total de Deus e o direito de falar em nome de Deus às pessoas. Isto também causa sofrimento. Quem quer ouvir a voz de Deus? Talvez para realizar nossos sonhos de consumo, ganhar na loteria, mas para dizer que é tempo de arrependimento e perdão? Para dizer que é necessário mudar o rumo de nossas vidas, nossas prioridades, nossos planos?
2. O tempo no deserto. Marcos não nos conta nenhum detalhe daquilo que acontece no deserto. Sabemos mais detalhes através dos outros evangelistas (pedras em pão, reinos da terra...). Mas aqui basta com dizer que o deserto é muito importante para o povo de Israel. Ele foi aquele deserto onde o povo caminhou perdido por 40 anos. O deserto de não compreender a vontade de Deus e vagar na vida por não aceitar ou compreender aquilo que Deus quer fazer conosco. O deserto de quem caminha rumo a libertação e a promessa, mas não sabe nem o caminho nem como caminhar. Mas foi também o deserto de Jesus. A solidão de quem faz a vontade de Deus e por isto mesmo enfrenta dificuldades e tentações capazes de matar em nós a fé, a esperança e o amor. Qual é o deserto da quaresma hoje? Penso que hoje a insegurança diante da vida, do emprego, das relações de amizade e amor é um dos nossos maiores desertos. Não sabemos até quando a violência nos permitirá viver, até quando teremos trabalho, até quando seremos capazes de amar as pessoas, ou até quando seremos amados. Relacionamentos hoje, como muita coisa, são descartáveis. Quando não servem mais aos nossos interesses, deixamos de lado. Atravessar este deserto sem Jesus, sem este Deus solidário é quase um suicídio planejado.
3. A morte de João Batista e o arrependimento. Sobre a morte de João não precisamos falar muito. Basta seguir o raciocínio: Se João que anunciou a Jesus foi assassinado, o que fariam então com aquele que viria cumprir com as profecias que João fazia? O anúncio da morte de João significou muito para Jesus. Significou o anuncio antecipado de sua própria morte. Ele, como Deus solidário, não poderia esperar outro fim. Seria igualmente incompreendido e temido por aqueles que não querem ver o perdão e o amor triunfarem.
Quaresma é tempo de reconhecer naquele Jesus solidário o filho de Deus que veio para nos ajudar a cruzar o deserto de nossas vidas e conduzir-nos para a liberdade do perdão e do amor. Quaresma é tempo de ser solidários com as pessoas e a natureza, assim como Deus tem sido conosco. É tempo de anunciar e reconhecer em Jesus o filho de Deus que veio para nos libertar de nossos medos e egoísmos. É tempo de dar e receber perdão e amor. Amém.
Pastor Marcos A. Rodrigues
