Paróquia Ferrabraz

Sínodo Rio dos Sinos


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Provisório! | 2 Coríntios 5.1-10

2º Domingo após Pentecostes

06/06/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

a partir deste Domingo nós entramos na “estação verde” do ano litúrgico. Esse tempo “pode quase parecer uma decepção depois de celebrarmos os grandes temas do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa”1. É no Tempo Comum que vivemos a maior parte das nossas vidas, afinal de contas, a vida não é feita apenas de festas e de alegrias. Vivemos o dia a dia com as dificuldades, a ansiedade, os problemas, o luto, a tristeza, assim por diante. Nossa vida é permeada de momentos de alegrias e de tristezas, assim como o ano litúrgico: passamos pela alegria do natal, mas contemplamos o horror da cruz; festejamos a vitória de Jesus sobre a morte, mas sentimos sua ausência quando ele subiu aos céus; lembramos a descida do Espírito Santo, mas gememos as dores do mundo presente.

Talvez alguns dos que assistem saibam que gosto muito da maravilhosa saga do cinema “Star Wars: Guerra nas Estrelas”. Há uma frase nesta saga que guardo comigo, pois possui uma sabedoria muito profunda. Os personagens robôs C-3PO e R2-D2 estão no deserto do Planeta Tatooine completamente desamparados. Então o robô C-3PO declara: “Parece que fomos feitos para sofrer”2. E disse ainda: “É uma existência desgraçada”3. Nós não somos máquinas ou robôs. Diante da vida comum e sofrida, poderíamos reclamar, dizendo: “parece que fomos criados para sofrer”. Talvez seja exatamente assim que você tenha se sentido nos últimos meses: desamparado, enlutado, triste, abandonado, etc.

Por isso, o Tempo Comum é um grande convite para que os importantes eventos cristãos nos acompanhem em nosso dia a dia. É passando pela vida que aprendemos a importância do natal, da quinta e sexta-feira da paixão, da páscoa, da ascensão e do pentecostes. O Tempo Comum é uma “época para refletirmos sobre o significado desses acontecimentos em nossa vida cotidiana”4. A cor verde simboliza a renovação da vegetação e dos seres vivos em geral. Nosso altar recebe a cor verde como símbolo da nova vida que surge a partir de tudo o que vivemos desde o natal até agora. Em meio aos sofrimentos, recebemos alento e consolo a partir da Palavra de Deus. Nos próximos meses, ela quer nos confortar em meio à vida que levamos.

A nossa vida é um grande e enorme Tempo Comum. Há dias de celebração, fraternidade, alegria, festa; entretanto, é no cotidiano que a vida acontece: no trabalho árduo, mas prazeroso; na família imperfeita, mas unida; na comunidade pecadora, mas amada; assim por diante. Dia após dia a Palavra de Deus quer nos fazer lembrar daquele que nasceu, morreu, ressuscitou, subiu aos céus e enviou o Espírito Santo para nos amparar em nossa vida tão humana. Ao mesmo tempo, a Palavra de Deus quer, neste período, nos conceder esperança naquilo que Deus já nos prometeu nas Escrituras.

É no Tempo Comum que enfrentamos a vida como ela é: sem enfeites, sem meras aparências, sem facilidades. É sobre isso que o apóstolo Paulo está falando em 2 Coríntios 5. A vida que recebemos neste mundo é passageira, temporária. Esvai-se como o vapor que sai de uma chaleira e logo desaparece, como a neblina que de manhã aparece e no meio da manhã desaparece, como a flor que brota de manhã e à tarde murcha, seca e morre. Sábio é aquele que sabe que não está aqui para sempre, mas que – sem ser fatalista – reconhece que não é um deus eterno, mas um ser humano passageiro como todo o restante da Criação.

O apóstolo Paulo sabe de tudo isso. Entretanto, ele não se entrega à vida ou à natureza como se tudo fosse simplesmente uma grande causalidade mecânica. Para o apóstolo Paulo, há algo mais. A vida não é apenas uma mera sucessão de eventos; a vida não é vidas que sucedem vidas. Pelo menos essa não é a esperança dos cristãos.

Nossa esperança não está firmada nas coisas deste mundo. A promessa de Deus não é a restauração do Jardim do Éden aqui e agora, como muitos querem. Ao contrário, a promessa de Deus é de novos céus e nova terra. A nossa esperança está na promessa de que não vivemos eternamente em nós mesmos – pois somos humanos e não deuses – , mas que Deus nos doa a eternidade gratuitamente através de Jesus Cristo, seu Filho amado. “A morte não é o fim da linha, mas o raiar de uma gloriosa eternidade”5.

Paulo testemunha desta esperança de um jeito profundo e fantástico. O apóstolo possui a certeza inequívoca de que quando nos despedimos desta vida aqui, passamos a aguardar a vida vindoura que será para sempre nos átrios do Senhor. Ele afirma que quando este tabernáculo se desfizer, teremos da parte de Deus um edifício não feito por mãos humanas, mas eterna nos céus. Mas, o que é um tabernáculo?

Este nome “estranho” se refere ao templo móvel dos israelitas após a saída da escravidão do Egito. Deus usou Moisés para que o povo fosse liberto e pudesse caminhar rumo à terra prometida. A peregrinação durou 40 anos. Enquanto peregrinavam, precisavam de um lugar para o culto e para a realização dos rituais de sacrifício. Não adiantaria construir um Templo de pedras, pois estavam peregrinando pelo deserto. Enquanto não chegassem, não poderiam construir nada que ficasse permanentemente como seu lugar de culto. Por isso, usavam o tabernáculo que era uma tenda que podia ser montada e desmontada. Ao decidirem parar a caminhada por um período de tempo, montavam o tabernáculo. Quando iriam retomar a caminhada, o desmontavam e levavam consigo até a próxima parada onde seria montado novamente. Trazendo para a linguagem de hoje, o tabernáculo era uma “igreja portátil”.

Paulo usa a figura do Tabernáculo para falar da nossa vida comum. A vida que temos neste mundo não é permanente. Esta vida não está construída para permanecer aqui para sempre. Ao contrário, a vida neste mundo é comum, é uma tenda provisória. Somos temporários como era o tabernáculo no período da peregrinação no deserto. Nesta vida, somos apenas peregrinos e passageiros. Sábio é quem reconhece que não veio para ficar e, por isso, valoriza bem seu tempo aqui neste mundo. Feliz é aquele que não apequena sua vida com brigas, discussões, divisões, assim por diante, mas procura viver bem com todas as pessoas.

Porém, a morte não significa o fim. A morte é apenas o fim do tabernáculo, mas não do povo de Deus. A morte nos leva para a residência permanente construída pelo próprio Deus para aqueles que creem e confessam a Jesus Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador das suas vidas. “Quando morrermos, mudaremos do que é temporário para o que é permanente; da barraca para a casa, eterna nos céus”6. Ao nos despedirmos desta vida, despedimo-nos do que é passageiro para recebermos de Deus aquilo que é eterno.

Por isso, cremos na ressurreição do corpo. Nos dias do apóstolo Paulo, tanto os gregos como os romanos desprezavam o corpo. As filosofias grega e romana valorizavam a alma como a única essência boa e verdadeira, enquanto o corpo era visto apenas como a sepultura da alma. Sêneca, por exemplo, escreveu:

Sou um ser superior, nascido para coisas mais elevadas, mas infelizmente sou escravo do meu corpo, que considero apenas como uma cadeia imposta à minha liberdade. Em tão detestável habitação vive a minha alma livre.7

Para Sêneca, a alma é livre, mas está presa ao corpo. Por isso, para os gregos e também para os romanos, o corpo é detestável. O apóstolo Paulo, porém, não pensa assim. Na visão do apóstolo,

a morte não é a libertação da alma da prisão do corpo, mas uma mudança de um corpo de fraqueza para um corpo de poder; de um corpo temporário para um corpo permanente; de um corpo terreno, para um corpo celestial; de um corpo mortal para um corpo imortal; de um corpo corruptível para um corpo incorruptível.8

Os cristãos não acreditam apenas na eternidade da alma, mas também na eternidade do corpo. Jesus não ressuscitou apenas como um “fantasminha”. Jesus não se transformou em um “Gasparzinho” na ressurreição. Pelo contrário, ele ressuscitou com o corpo e inclusive com as marcas da crucificação. Após ressuscitar, chegou a comer um peixe com os discípulos e o próprio Senhor declarou: “ – Por que vocês estão assustados? E por que surgem dúvidas no coração de vocês? Vejam as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo. Toquem em mim e vejam que é verdade, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho.” (Lucas 24.38-39). Paulo possui essa mesma convicção e testemunha não falando de uma ressurreição da alma apenas, mas da ressurreição do corpo: a velha tenda provisória será substituída por um edifício permanente.

No Tempo Comum da vida, nós sofremos e gememos como dizem os versículos 2 até 4. O apóstolo Paulo diz: “gememos, desejando muito ser revestidos da nossa habitação celestial”. (v. 2). O que nós queremos, de fato, é o céu! O que mais desejamos é uma vida de paz, alegria e tranquilidade, uma vida em que não é preciso se preocupar com a própria sobrevivência, mas onde a vivência está garantida. Nós gememos angustiados até que “o mortal seja absorvido pela vida”. (v. 4). Este gemido expressa a nossa dor, desconforto e sofrimento. Somos fracos e impotentes. Diante da morte, não há absolutamente nada que possamos fazer por nossos entes queridos ou por nós mesmos. O “nosso corpo, como uma tenda frágil, vai ficando desbotado, gasto e roto. Aqui, somos surrados pela fraqueza e pela doença”9.

A nossa vida se revela diariamente como não eterna aqui neste mundo. Às vezes dá a impressão de que fomos feitos para sofrer, como disse C-3PO. Entretanto, não precisamos desesperar. Você que assiste a este culto neste momento, esta é uma Palavra de Deus para a tua vida: não se desespere!

O apóstolo Paulo não fala apenas da tenda, da vida comum, dos gemidos e dos sofrimentos. Ao contrário, ele aponta para algo mais: uma aspiração gloriosa! O chamado de Deus é que creiamos em seu Filho Jesus Cristo e em sua ressurreição. Paulo diz: “andamos por fé e não pelo que vemos”. (v. 7). Fé é confiança nas promessas de Deus mesmo que os sofrimentos do tempo presente tentem nublar a nossa visão. Em meio aos meses que todos nós vivemos, o convite amoroso de Jesus é que confiemos nas suas promessas. É o que temos! É o porto seguro! Não se desespere! Jesus está contigo!

O convite de Jesus é que sintamos saudades do céu, mesmo que nunca tenhamos estado lá antes. O convite de Jesus é que em meio ao luto, à dor e à tristeza, confiemos naquele que venceu a morte, pois nele, os fiéis também a vencerão. Por enquanto, estão adormecidos na sepultura. Mas serão acordados e ressurretos com um novo corpo no Dia do Senhor (cf. 1 Tessalonicenses 4.13-18; 1 Coríntios 15.51-58). O Tempo é Comum, mas a esperança é incomum! O chamado de Deus é que abramos mão das nossas esperanças humanas fajutas e confiemos no que diz a Palavra do Senhor. Deixemos de lado ideias de que ao morrer, acabou; também a ideia da reencarnação que é completamente antibíblica; apeguemo-nos às promessas fiéis e verdadeiras do Senhor.

É por isso que entramos na época da cor verde. Agora, Domingo após Domingo, teremos essa cor no altar para nos lembrar que não somos pessoas sem esperança, mas que confessam aquele que morreu e venceu a morte. Em meio às dúvidas e incertezas, podemos crer e confiar com certeza em nosso Senhor e Salvador. A morte não é mais temida. Na morte, não estamos abandonados, mas acompanhados pela graça de Jesus. Na hora da nossa morte não há nada que possa nos consolar mais do que a imagem da graça, da vida e do céu. É o Cristo pendurado na cruz que deve estar em nossa mente quando chegar a nossa hora, para que partamos consolados para o descanso até que chegue o Dia do Senhor.

Amados irmãos, amadas irmãs,

não se desespere. Os tempos são difíceis. Talvez estejamos vivendo o tempo mais difícil das nossas vidas. Sei que muitas famílias que nos assistem nesta manhã estão enlutadas, com saudade, com tristeza, seja por perdas da covid ou por outras doenças ou motivos. Acredite: vocês não estão sozinhos! O próprio Senhor está com vocês! Aguentem firmes! Esta vida é uma tenda provisória, mas logo virá aquilo que é para sempre. Agora gememos e sofremos, mas logo estaremos no lugar onde “já não existirá mais morte, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram”. (Apocalipse 21.4). Sigamos firmes nesta promessa!
Martinho Lutero escreveu um maravilhoso sermão sobre a preparação para a morte. Recomendo a quem tiver interesse a buscar na internet e ler. Se não conseguir, posso emprestar o livro onde o texto se encontra. Ele diz:

Devemos pensar apenas em nos apegar à vontade de Deus, que é que nos agarremos a Cristo e creiamos firmemente e que nossa morte, pecado e inferno nele foram vencidos em nosso favor e não podem nos fazer mal nenhum, de sorte que unicamente a imagem de Cisto esteja em nós e que só com ele conversemos.10

Guardemos a imagem de Cristo em nossas mentes!

E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.


2º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B

06 de Junho de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 LIMA SILVA, Daniel de (Coord.). Lecionário. São Paulo: Printi, 2021. p. 38.

2 LUCAS, George. Star Wars: a trilogia. Rio de Janeiro: Darkside, 2014. p. 34.

3 LUCAS, 2014. p. 34.

4 LIMA SILVA, 2021. p. 38.

5 LOPES, Hernandes Dias. 2 Coríntios: o triunfo de um homem de Deus diante das dificuldades. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 105.

6 LOPES, 2008. p. 116.

7 Sêneca. Apud: BARCLAY, William. El Nuevo Testamento: I y II Corintios. vol. 9. Buenos Aires: La Aurora, 1973. p. 215.

8 LOPES, 2008. p. 117.

9 LOPES, 2008. p. 119.

10 LUTERO, Martinho. “Um sermão sobre a Preparação para a Morte – 1519”. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. vol. 1. Os primórdios – Escritos de 1517 a 1519. 3. ed. São Leopold: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2016. p. 393.

 


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 62892
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