Paróquia Ferrabraz

Sínodo Rio dos Sinos


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Domingo da Montanha | Salmo 48.1-11

22º Domingo após Pentecostes | Série: Primavera: Estação da Criação | Episódio 4

24/10/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

As montanhas simbolizam a vida cristã com suas bênçãos e dificuldades. Em nossa vida, não encontramos apenas caminhos retos e planos; em muitas ocasiões, há morros para subir e descer. Vivemos tempos de alegria, prosperidade, ânimo; em outros, a tristeza, a pobreza, o desânimo. Algumas vezes o caminho é fácil; outras vezes, é montanhoso, cheio de pedras e curvas. A vida cristã está repleta dos seus altos e baixos. Mesmo sendo cristãos convictos e com muita fé, não estamos poupados de sofrermos no mundo presente.

As montanhas são muito importantes na Bíblia. Elas podem simbolizar coisas boas e coisas ruins. Uma montanha pode trazer bênçãos e maldição. Ao olhar para uma montanha, estamos olhando para o alto onde lembramos da presença de Deus. É por isso que o salmista diz: “Para os montes olharei de onde vêm a salvação”. (Salmo 121.1). Ele não está dizendo que a salvação vem dos montes, mas do Senhor que habita acima dos montes; na Bíblia, as montanhas também simbolizam a fertilidade. As montanhas seguravam as nuvens e as faziam desaguar em si mesmas. Assim, elas mesmas possuíam terras muito férteis. Nos diz Jeremias 50.19: “Farei Israel voltar para a sua morada, e pastará no Carmelo e em Basã; matará a sua fome na região montanhosa de Efraim e em Gileade.” Também a água que delas descia produzia uma terra fértil para o plantio e para os animais pastarem, mesmo nas planícies. Nos diz o Salmo 126.4: “Restaura-nos, Senhor, como as torrentes do Neguebe.” O Neguebe era uma região desértica situada na região sul de Canaã com 7.280 Km² de extensão1. Quando chovia – o que era raro – a água era armazenada em cima das montanhas e corriam lentamente formando grandes torrentes e riachos que transformavam o deserto em um lindo jardim com muita vegetação. As torrentes do Neguebe traziam – literalmente – vida ao deserto.

Como as montanhas eram lugares de difícil acesso, também eram considerados lugares de refúgio. Nos diz Juízes 6.2: “Os midianitas prevaleceram contra Israel. E, por causa dos midianitas, os filhos de Israel fizeram para si covas que estão nos montes, as cavernas e as fortificações.” Da mesma forma diz 1 Samuel 14.22: “Quando todos os homens de Israel que estavam escondidos na região montanhosa de Efraim ouviram que os filisteus estavam fugindo, também eles entraram na batalha e os perseguiram.” Aliás, aqui mesmo em Sapiranga aconteceu algo muito parecido. Onde foi que os Muckers se refugiaram na esperança de não serem alcançados pela população ou pelo exército brasileiro? No Morro Ferrabraz. Talvez, inclusive, tivessem se inspirado nos textos bíblicos para fazerem isso.

Por serem fortalezas em forma de terra, as montanhas eram também símbolo de estabilidade. Assim nos diz o Senhor em Isaías 54.10: “Mesmo que os montes se retirem e as colinas sejam removidas, a minha misericórdia não se afastará de você, e a minha aliança de paz não será removida.” As montanhas também exibem o poder do Criador, conforme o Salmo 65.6: “Com a tua força consolidas os montes, envoltos de poder.”; exibem também a Majestade de Deus, conforme o Salmo 68.16: “Por que olham com inveja, ó montes elevados, para o monte que Deus escolheu para sua habitação? O Senhor habitará nele para sempre.”

Porém – como já dito –, os montes simbolizam também os momentos difíceis da vida. Nos diz Jeremias 13.16: “Deem glória ao Senhor, seu Deus, antes que ele faça vir trevas, antes que os pés de vocês tropecem nos montes tenebrosos...”; representam também obstáculos ou a falta de fé, conforme Jesus afirma em Mateus 21.21: “ – Em verdade lhes digo que, se tiverem fé e não duvidarem, não somente farão o que foi feito à figueira, mas até mesmo, se disserem a este monte: “Levante-se e jogue-se no mar”, assim será feito.” Deus, porém, é capaz de remover e aplainar as montanhas, isto é, as dificuldades da vida. Conforme Zacarias 4.7: “Quem é você, ó grande monte?

Assim, as montanhas não apenas exibem beleza ou demonstram serem grandes fortalezas, mas simbolizam a vida humana em seus mais diferentes aspectos. De um lado, podem significar a bênção da vida que é mantida pelo Criador; de outro, podem simbolizar os obstáculos e as batalhas que enfrentamos no dia a dia neste mundo tão mal e tenebroso. As montanhas nos fazem olhar para o alto – para Deus –, mas não devem nos fazer deixar de olhar para baixo – para a vida – como ela é em suas lutas e dificuldades.

Nos últimos anos, as montanhas têm sido símbolo de perigo e morte em nosso país. Em 2008 a cidade de Blumenau/SC e mais algumas da região experimentaram os deslizamentos que tiraram a vida de 135 pessoas e deixaram 5617 pessoas desabrigadas. Tenho um tio que mora na cidade e pouco tempo depois nós o fomos visitar. Também ele morava em um morro. Mesmo já tendo passado cerca de dois meses do desastre, as marcas da tragédia ainda eram visíveis. Lembro do meu tio mostrando e contando os lugares próximos à casa dele onde famílias inteiras morreram por causa dos deslizamentos. Após a tragédia, a prefeitura de Blumenau realizou várias obras de prevenção. Mesmo assim, estima-se que 15 mil casas ainda continuam em áreas de risco2.

Em 2011 foi a vez do Estado do Rio de Janeiro em 7 cidades, tirando a vida de 917 pessoas e desalojando cerca de 35 mil pessoas. Houve ali um gigante problema social de famílias que não tinham onde construir as suas casas e acabavam construindo ilegalmente nos morros, desmatando, inclusive, a mata que ajuda a segurar as montanhas. São vidas que foram colocadas à margem da sociedade e que morreram por não terem a oportunidade de construírem suas vidas em um lugar seguro, algo que deveria ser um direito de todas as pessoas. Bebês, crianças, jovens, adultos, idosos – enfim, vidas soterradas pelas montanhas que se derreteram como manteiga. Vidas soterradas pela falta de planejamento urbano das cidades brasileiras. Cidades que sofrem transformações socioeconômicas muito rapidamente.

Não apenas as montanhas “naturais” deslizam. Como já mencionado em dois domingos atrás, também as montanhas da Samarco e da Vale deixaram irmãos nossos morrerem embaixo de um monte de lama por causa da falta de cuidado e de manutenção. Até hoje não temos visto nada a respeito, a não ser as inúmeras indenizações pagas às famílias. Isso até ajuda, mas ainda não é justiça. Justiça é quando a pessoa paga por aquilo que fez, não importa quanto dinheiro tenha no bolso. Infelizmente, em nosso país, um assassino em série é morto a trinta e nove tiros enquanto os ricos que mataram mais de 300 pessoas continuam livres como se nada tivesse acontecido. Com isso, não estou dizendo que o assassino em série não deveria ser condenado, mas que, aparentemente, de fato, “justiça” no Brasil só existe para quem não tem dinheiro, embora o assassino em série também tivesse direito a um julgamento justo como todo ser humano. Porém, isso não existe no Brasil! Caça-se o pobre como um animal e preservam-se os ricos que são responsáveis por muito mais mortes como se não tivesse cometido crime algum. Esse é o Brasil.

Além disso, é no Brasil que encontramos as favelas ou as vilas que em sua maioria são construídas onde? Em morros ou montanhas. Famílias inteiras jogadas à margem da sociedade para viverem em meio ao perigo e ao crime. Embora possamos achar as maiores desculpas para justificar a eliminação das favelas, a grande verdade é que enquanto não entrarmos dentro de uma delas, nunca saberemos de fato com o que estamos lidando. É muito fácil dizer “porque não entram e queimem tudo” quando não é a nossa família que está morando lá.

Embora não seja em um morro, tive a oportunidade entrar em uma favela na cidade de Crato/CE para debaixo de um poste de luz pregar à Palavra de Deus àqueles que foram jogados à margem da sociedade. Enquanto eu pregava, lembro que uma mulher retirava carnes do lixo para comer. É uma cena que a gente não consegue esquecer. É uma marca que a gente carrega para a vida. Após a pregação, servimos uma deliciosa sopa nutritiva aos que estavam presentes. Foi um momento de fraternidade com aqueles que foram “jogados fora”, descartados por aquela cidade.

Entretanto, essa não é uma realidade apenas das regiões Nordeste ou Sudeste. Aqui em Porto Alegre/RS temos o Bairro da Restinga, construído exatamente para acumular aquelas vidas que não se encaixavam em lugar algum. Ou a famosa Ilha das Flores no Jacuí, em Porto Alegre, onde crianças são encontradas em situação de pobreza não em montanhas de terra, mas em montanhas de lixo. Mesmo em uma “ilha”, encontramos montanhas de lixo que não deveriam estar naquele lugar e vidas que não deveriam estar naquelas montanhas. Em 1989 o diretor Jorge Furtado lançou o documentário “Ilha das Flores” que logo depois foi eleito o melhor curta-metragem do Brasil. O vídeo está no youtube e se alguém quiser assistir, posso depois enviar o link. O filme de apenas 13 minutos mostra a clara diferença que existe entre tomates, porcos e seres humanos.

 

Montanhas, montanhas e montanhas: algumas são belas, verdadeiras fortalezas e grandes mantenedoras da vida; outras são sujas, perigosas, fedorentas e ameaçadoras à vida. A pergunta é: o que estamos fazendo com as montanhas naturais? E quais montanhas temos produzido que estão ameaçando a vida?

Amados irmãos, amadas irmãs,

o psicólogo brasileiro Augusto Cury diz: “Não tropeçamos nas grandes montanhas, mas nas pequenas pedras”. Estamos sendo chamados não à ações impossíveis de serem alcançadas, mas a fazermos diferença nas pequenas pedrinhas que podemos mudar no caminho. O princípio de tudo é a consciência. A primeira barreira que precisamos quebrar quando o assunto é a preservação do meio ambiente é aquela que está em nossos corações. Quando quebramos essa barreira, podemos começar a mudar algumas coisas. Sim! A mudança começa no coração.

Porém, a mudança não pode ficar apenas no coração. É preciso agir! É preciso mudar! É preciso se mobilizar para transformar! E é possível. Podemos optar por uma vida mais sustentável. A Igreja Cristã precisa refletir sobre esses assuntos. Primeiro precisamos ser transformados pelo Evangelho, deixar que o Senhor Jesus Cristo habite em nossas vidas e nos transforme por inteiro; em seguida, isso precisa ter consequências na vida diária, mesmo que caminhemos na contramão do mundo. Talvez, muitas pessoas nos critiquem ou até nos debochem por causa das nossas ações. Mas não podemos desistir!

Nós tivemos o Domingo da Terra, da Humanidade, do Firmamento e da Montanha. Todos estes assuntos estão interligados. Terra, no hebraico, é Adamá; homem é Adam. Fomos feitos da terra. Na verdade, nós somos a terra! Quando a atacamos, estamos nos atacando! Quanto destruímos o planeta, estamos lentamente cometendo suicídio, pendurando o planeta na forca. Da mesma forma, o Firmamento – os céus – proporcionam chuvas que no tempo adequado e na quantidade adequada fazem a nossa economia girar. Porém – como já visto –, com o desmatamento da Amazônia, os chamados Rios Voadores tendem cada vez mais a passarem por cima das regiões Sudeste e Centro-Oeste sem desaguar, vindo a desaguar em enormes quantidades na região Sul, provocando cada vez mais enchentes e deslizamentos; por isso, também as montanhas são importantes: elas seguram as nuvens, criam os rios e simbolizam a segurança e o refúgio que há em nosso Deus.

Que após essa série de pregações, tenhamos maior consciência e eficiência em nossas ações. Se alguém tiver ideias sobre preservação, venha compartilhar com a gente. Talvez não consigamos fazer grandes coisas, mas não vamos deixar de fazer o que está ao nosso alcance. Amém.


22º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B

Série de Pregações: Primavera: A Estação da Criação | Episódio 4

24 de Outubro de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 Cf. HOUSTON, J. M. “Neguebe”. in: DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 3. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2003. p. 925.

2 Cf. NSC TV. “Após desastre com enchentes de 2008, Blumenau cria mecanismos para prevenir novas catástrofes”. in <https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2018/11/22/apos-desastre-com-enchentes-de-2008-blumenau-cria-mecanismos-para-prevenir-novas-catastrofes.ghtml>. Acesso em: 23. out. 2021.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Sustentabilidade / Nível: Sustentabilidade - Justiça socioambiental
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 48 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 64937
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