Amados irmãos, amadas irmãs,
será que o Espírito Santo está entre nós? Como perceber a presença de Deus através do Espírito Santo em um mundo tão manchado pelo pecado e pelo mal? Será que Deus realmente está entre nós? Se Deus está entre nós, então por que o mundo está tão cheio de problemas?
Quantas perguntas, não é mesmo? Hoje nós estamos no Domingo de Pentecostes onde lembramos da descida do Espírito Santo sobre os cristãos reunidos em Jerusalém. Assim como a morte e a ressurreição de Jesus, a descida do Espírito Santo é um evento único e que não se repete. O Espírito Santo já desceu e, portanto, não precisa descer novamente.
O Domingo de Pentecostes acontece no quinquagésimo dia após a Páscoa. Há dez dias, lembramos a Ascensão de Jesus quando ele foi levado aos céus à vista dos seus discípulos. Porém, Jesus foi aos céus com a promessa do envio do Consolador: “E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará o outro Consolador, a fim de que esteja com vocês para sempre: é o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece. Vocês o conhecem, porque ele habita com vocês e estará com vocês.” (João 14.16-17). Martinho Lutero interpreta estas palavras, dizendo:
Eles são miseráveis e estarão abandonados em qualquer parte do mundo, não encontrarão consolo em lugar algum e, certamente, desanimarão por completo se não forem especialmente preservados por um forte consolo provindo do céu.1
Assim, diante dos males do mundo, Deus nos oferece o Espírito Santo. Lutero diz: “Aqui, por conseguinte, não há qualquer ira, ameaça ou terror para os cristãos; existe somente um sorriso cordial e um doce consolo no céu e na terra”2.
Entretanto, talvez falte entre os próprios cristãos uma clareza maior a partir das Escrituras sobre o Espírito Santo. Será que o Espírito Santo está também em nossa Igreja Luterana? O Espírito Santo também age em igrejas históricas ou tradicionais? Ou o Espírito Santo só age nos novos templos que são abertos pelo mundo? O que a Palavra de Deus tem a nos dizer sobre todas estas perguntas?
Vivemos naquilo que alguns teólogos chamam de “a era do Espírito Santo”. Porém, essa afirmação não tem o objetivo de ser positiva, mas é uma crítica. Há um desequilíbrio na percepção da Trindade: o Pai criador e o Filho salvador são esquecidos quando o foco está somente na pessoa do Espírito Santo consolador. Enfatizam-se as curas e os dons extraordinários, mas esquece-se de falar do cuidado para com a boa criação de Deus, o Pai, e se esquece de falar da salvação obtida por graça através de Deus, o Filho. Trata-se de uma separação dos sujeitos trinitários: alguns vivem a religião do Pai; outros, vivem a religião do Filho; outros, vivem a religião do Espírito Santo.
Para compreendermos melhor o evento do Pentecostes, precisamos nos dedicar a entender quem é (e quem não é) o Espírito Santo de Deus. Para isso – e a partir do texto lido de Romanos 8.14-17 – vamos dividir a pregação em quatro perguntas fundamentais:
1 QUEM É O ESPÍRITO SANTO?
Antes de responder a esta pergunta, talvez seja importante dizer quem não é o Espírito Santo. O Espírito Santo não é uma energia; da mesma forma, também não é algum tipo de força; também não é um fantasma; nem mesmo é uma “energia positiva”, que é a moda do momento. Muitas vezes, confunde-se essas ideias com o Espírito Santo. Mas, então, quem é o Espírito Santo?
O Espírito Santo é uma pessoa. Não qualquer pessoa, mas a terceira Pessoa da Trindade. O teólogo e professor luterano Euler Renato Westphal diz: “Todas as Pessoas da Trindade são Espírito, mas a terceira Pessoa é Espírito por excelência”3. O Espírito Santo não é a “terceira versão de Deus”, mas a terceira Pessoa da Trindade, ou seja, é Deus como o Pai e como o Filho, mas com uma obra diferente da do Pai e da do Filho. Enquanto o Pai é o Criador e o Filho é o Salvador, o Espírito Santo é o nosso Consolador. O Espírito Santo não é menos Deus que o Pai e o Filho, mas Deus tal qual o Pai e o Filho; o Espírito Santo é procedente do Pai e do Filho4. Além disso, o Espírito Santo pensa (cf. Atos 15.28), fala (cf. Atos 1.16), guia (cf. Romanos 8.14) e pode ser entristecido (cf. Efésios 4.30).
O Espírito Santo introduz na Trindade uma comunidade: “O Espírito supera a relação Eu-Tu de Pai e Filho, introduzindo o Nós”5. Não cremos em três deuses, mas em um único Deus em três Pessoas: a Trindade. Onde isso está na Bíblia? Em Mateus 28.19, Jesus disse: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. O Deus cristão é o Deus-comunidade onde os três sujeitos trinitários vivem em amor mútuo, pois o amor é o elo que liga os torna unidos.
Por isso, a descida do Espírito Santo cria a comunidade, pois assim como há uma comunhão entre as pessoas da Trindade, da mesma forma há a comunhão entre irmãos e irmãs que creem e confessam o mesmo Trino Deus.
2 PARA ONDE NOS GUIA O ESPÍRITO SANTO?
O Espírito Santo nunca nos guiará à mentira, pois ele mesmo é chamado por Jesus de “o Espírito da verdade”. (João 14.17). Assim nos diz o teólogo e pastor Gottfried Brakemeier: “Ele ilumina, desmascarando ilusões e mentiras e ajudando na análise desapaixonada da realidade”6.
Mas, como saber se estamos sendo guiados para a verdade? Saberemos disso se tivermos conhecimento profundo e verdadeiro da Palavra de Deus. Assim como Jesus está no centro das Escrituras, ele também é o centro da Trindade. A função do Espírito Santo é, portanto, a de glorificar o Jesus crucificado e ressurreto. O ensino do Espírito Santo nunca será diferente do ensino de Jesus. Em 1 João 4.1-3, está escrito: “Amados, não deem crédito a qualquer espírito, mas provem os espíritos para ver se procedem de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído mundo afora. Nisto vocês reconhecem o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa isso a respeito de Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual vocês ouviram dizer que viria e que agora já está no mundo”.
O verdadeiro Espírito de Deus sempre guiará os cristãos a confessarem a encarnação, morte e ressurreição de Jesus. Se o caminho não é Jesus, então não é o Espírito Santo quem está falando e o ensino deve ser rejeitado como mentiroso, pois o Espírito Santo nunca nos guiará para longe da doutrina (ensino) correta da Palavra de Deus. Além disso, o verdadeiro veículo do Espírito Santo é a Palavra de Deus. “Quem busca o Espírito Santo deve auscultar o evangelho”7.
3 O QUE FAZ O ESPÍRITO SANTO?
Como já falamos, a obra do Espírito Santo é distinta das obras do Pai e do Filho. Conforme Romanos 8.15, através do Espírito Santo somos convencidos de que em nosso batismo somos filhos de Deus. É o Espírito Santo quem nos convence do pecado e da perdição para que creiamos em Jesus e sejamos salvos em sua graça.
Através do agir do Espírito Santo, somos libertos da nossa escravidão para nos reconhecermos como filhos e filhas de Deus, o Pai, através do nosso irmão Jesus Cristo. Enquanto um bom filho está disposto à obediência, o escravo deve obedecer. Assim, “O próprio Espírito confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus”. (Romanos 8.16). Deus não nos chama de escravos, mas de filhos. A partir disso, somos também herdeiros da Nova Aliança em Cristo Jesus: “E, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo, se com ele sofremos, para que também com ele sejamos glorificados”. (Romanos 8.17). O escravo não tem direito à herança; o filho tem. Esse direito não é obra humana, mas graça oferecida através da morte de Jesus Cristo, nosso Senhor. Através do irmão Jesus, seu Pai se torna também o nosso Pai. O Espírito Santo nos dá conhecimento e nos convence da verdade da salvação conquistada na cruz:
O Espírito emerge com a missão de ser memória que atualiza permanentemente o significado da encarnação, da prática e da mensagem de Jesus. o Espírito conserva a continuidade entre o passado e o presente da história. A encarnação é obra do Espírito Santo.8
Por isso, como filhos e filhas de Deus, é preciso aceitar o convite do apóstolo Paulo: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”. (Gálatas 5.25). Como pessoas pecadoras, lutamos diariamente contra o pecado e estamos diariamente na aprendizagem da fé. Esse é o significado da santificação, onde os filhos decidem obedecer ao Pai. Na desobediência, o Espírito Santo intercederá por nós junto ao Pai e procurará nos convencer do nosso pecado para que busquemos o arrependimento.
4 QUAIS SÃO OS DONS DO ESPÍRITO SANTO?
Ao contrário do que muitas vezes acreditamos, os principais dons do Espírito Santo não são a pregação, o louvor, o falar línguas estranhas, as curas, os milagres ou outras manifestações extraordinárias. Em 1 Coríntios 12, o apóstolo Paulo faz uma grande exposição sobre os dons espirituais. Vários dons são citados: “Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento. A um é dada, no mesmo Espírito, a fé; a outro, no mesmo Espírito, dons de curar; a outro, operação de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos. A um é dada a variedade de línguas e a outro, capacidade para interpretá-las.” (1 Coríntios 12.8-10).
Paulo cita nove dons. Porém, para que os Coríntios – e nós – não briguem para saber quem tem os dons mais espirituais, Paulo escreve o capítulo 13 que inicia, dizendo: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar os montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, isso de nada me adiantará.” (1 Coríntios 13.1-3).
O principal dom do Espírito Santo é o dom do amor. E ali onde o amor cristão é vivido verdadeiramente, então ali está a presença do Espírito Santo de Deus, mesmo que a pessoa cante de maneira desafinada, mesmo que não saiba falar em público, mesmo que conheça apenas uma língua, mesmo que esteja com doenças. Por isso, o fruto do Espírito por excelência é o amor (cf. Gálatas 5.22). E contra o amor não há lei (cf. Gálatas 5.23).
Amados irmãos, amadas irmãs,
como é bom saber da presença do Espírito Santo na vida da Igreja. Em nossos gemidos e sofrimentos, não estamos abandonados por Deus. Ao contrário, temos a rica presença de Deus conosco através do agir do Espírito Santo. Ele nos faz ser Igreja-Comunidade, nos guia à verdade, nos torna Filhos e Herdeiros no Pai e em Jesus e nos concede o maravilhoso dom do amor.
Portanto, em meio aos males do mundo presente, ajamos guiados pelo Espírito Santo com voz profética a este mundo mal. Também, permitamos que o Espírito Santo aja em nossas próprias vidas, causando transformação e mudanças onde for necessário. Para ouvirmos a sua voz, ouçamos atentamente as Escrituras; para sentirmos seu toque, vivamos em comunhão; para termos seu amor, amemos a Deus e uns aos outros; para sermos consolados, consolemos uns aos outros.
Vem, Espírito divino, grande ensinador, vem, revela às nossas almas Cristo, o Salvador. Santo Espírito, ouve com favor. Em poder e graça insigne, mostra o teu amor. Vem, destrói os alicerces do viver falaz, aos errados concedendo salvação e paz! Vem, reveste a tua igreja de poder e luz! Vem, atrai os pecadores ao Senhor Jesus.9
Amém.
DOMINGO DE PENTECOSTES | VERMELHO | TEMPO COMUM | ANO C
05 de Junho de 2022
P. William Felipe Zacarias
1 LUTERO, Martinho. Os capítulos 14 e 15 de S. João, pregados e interpretados pelo Dr. Martinho Lutero. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas: Interpretação do Novo Testamento - João 14-16 - 1 João. v. 11. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2010. p. 146.
2 LUTERO, 2010. p. 147.
3 WESTPHAL, Euler Renato. O Deus Cristão: um estudo sobre a Teologia Trinitária de Leonardo Boff. Série Teses de Dissertações. v. 20. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 108.
4 Credo Niceno-Constantinopolitano (325-381).
5 WESTPHAL, 2003. p. 108.
6 BRAKEMEIER, Gottfried. Panorama da Dogmática Cristã. São Leopoldo: Sinodal, 2010. p. 90.
7 BRAKEMEIER, 2010. p. 95.
8 WESTPHAL, 2003. p. 112.
9 KALLEY, Sarah Poulton. “Vem, Espírito Divino”. in: LIVRO DE CANTO DA IECLB. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: IECLB, 2017. nº 462.