Números 11.4-6, 10-16, 24-29
A mensagem – a partir das duas leituras bíblicas que ouvimos hoje poderia ser essa Ninguém pode ser excluído do serviço que se realiza em nome de Deus.
Em meio às tradições do povo israelita pelo deserto, o livro dos Números apresenta-nos o relato da repartição do espírito de Moisés, entre setenta membros do povo. A intenção é fazer com que Moisés não seja obrigado a levar a carga sozinho. Com esta decisão de Deus, a responsabilidade fica repartida: cada um daqueles que receberam parte do espírito que estava em Moisés deveria ser profeta no meio do povo.
Mas, quais são as características desse Espírito de Deus?
O povo de Israel havia saído da escravidão do Egito. Mas a caminhada pelo deserto é duríssima, não é romântica como alguns filmes costumam mostrar. Todos os dias tem conflitos, queixas e murmurações. O povo reclama contra Moisés: só vemos maná diante de nossos olhos (v. 6b), e com tanta reclamação a tentação de sentir saudade do Egito foi crescendo.
É sempre assim. As dificuldades do novo lugar fazem a gente sentir muita saudade do lugar de onde saiu. Começar uma vida nova, uma nova família, um novo projeto é sempre um grande desafio.
Para trás trás, ficou o Egito, com sua aparente abundância, mas também com a escravidão. Para a frente está a promessa de uma terra, uma liberdade, uma vida digna, mas que se deve conquistada com privações, sacrifícios e esforços.
Deus ao ouvir a reclamação do povo se enche de cólera... Moisés não sabe mais o que fazer com esse povo eu só sabe reclamar. E a solução que Deus apresenta é a mais adequada: reunir setenta representantes do povo para repartir entre eles o espírito que estava em Moisés. Quando se está passando por conflitos é preciso levantar a cabeça e olhar para frente, para o objetivo da caminhada. Não adianta querer voltar para trás. Conquistar coisas novas na vida, muitas vezes exige sacrifício, exige abrir mão de coisas do passado. O caminho pode ser difícil, penoso, mas ele também é passageiro quando a gente não perde de vista o objetivo da caminhada. Portanto, nós somente conseguimos vencer as dificuldades do caminho se conseguirmos olhar para o objetivo da caminhada.
Cada um/uma de nós poderia agora pensar sobre as dificuldades de sua vida: na escola, no trabalho, na família, na igreja. Se começássemos a falar das dificuldades ou das coisas que não estamos gostando, certamente teríamos muito que contar. E se ficarmos na lamentação, a chance de desistir ou de entregar os pontos é grande. Mas, Deus nos oferece aqui uma outra alternativa. Que nos lembremos também do objetivo de nossa caminhada. O que nos moveu para esse novo desafio? Onde queríamos chegar, quais eram os nossos sonhos? Por que viemos a esse lugar? Por que estamos nessa escola? Por que me casei com essa pessoa? Falar sobre isso, reanima a caminhada.
O povo de Israel estava a caminho da terra prometida. E Moisés precisou lembrar que esse era o objetivo da caminhada pelo deserto. A terra prometida precisava ser conquistada. Mas, Moisés já não estava dando conta de animar o povo para que não perdesse de vista o plano de Deus com eles. Por isso, Deus pede a Moisés escolher setenta pessoas, com as quais Deus iria repartir o espírito que estava em Moisés.
O espírito que se doa a estas pessoas vem a ser, então, profético, ou seja, está em função de profetizar. Esta atividade profética está orientada a ajudar o povo a tomar cada vez mais consciência do plano de Deus com eles, a entender o que realmente ficou para trás: o Egito e sua abundância de comida, mas com a escravidão, bem ao contrário do plano divino, e o que vem pela frente: um deserto inevitável, desafiante, perigoso, mas, enfim, um meio necessário para poder chegar à terra da liberdade, terra da promissão. Assumir um compromisso com a vontade de Deus em nossas vidas, exige a entrega da vida, algumas vezes daquilo que nos é mais caro.
Qualquer pessoa do povo que, entendendo as coisas assim, conscientizasse os seus irmãos neste sentido, devia ser visto como profeta autorizado.
Parece que Eldade e Medade não estiveram no momento em que o espírito fora repartido e no entanto estavam em comunhão com o ideal de Deus. Eles estavam animando o povo a não perder de vista o objetivo daquela caminhada pelo deserto.
Aí vem a reação de um rapaz (talvez Josué). Não entende ainda que tudo o que influir de maneira positiva na consciência do ser humano, deve ser considerado profético, e por isso aconselha Moisés para que o proíba (v. 28). Por sua parte, Moisés captou muito bem que, no trabalho de libertação do povo, todos têm uma grande tarefa, e responde a Josué com palavras aparentemente duras, que definitivamente buscam abrir a consciência de seu ajudante: Oxalá que todo o povo do Senhor profetizasse (v. 29); oxalá cada um assumisse com verdadeiro empenho a tarefa de conscientizar-se e conscientizar o seu semelhante, o seu próximo.
Não é isso justamente o que Deus quer e espera? A preocupação de Josué não era tanto a necessidade de que cada membro do povo tivesse uma consciência bem formada para continuar adiante no deserto; preocupava-lhe mais defender o oficial, o autorizado por Deus na tenda do encontro, ou seja, o instituído, a defesa dos direitos de Deus.
Nesta mesma linha, o evangelho de Marcos também nos apresentou uma situação semelhante com os discípulos de Jesus. Logo depois de Jesus ter transmitido a lição sobre quem era o maior (Mc 9,33-37), acontece um incidente que tem a ver com a exclusividade dos membros do grupo seguidor de Jesus. João conta a Jesus que impediram um homem de expulsar demônios em seu nome, porque não fazia parte dos membros do grupo (v. 38). A resposta de Jesus é sábia, ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim (v. 39), e quem não é contra nós é a nosso favor.
Hoje temos uma infinidade de pregadores da Palavra de Deus. No entanto as interpretações são muitas vezes opostas. Aqui Jesus coloca um critério: Existem os que são contra nós e os que são por nós. Os que são contra nós, são os que falam e curam em nome de Jesus, mas tem um discurso agressivo, cheio de raiva e de ódio. Os que são por nós, são os que falam em nome de Jesus e agem pela vida, pela dignidade de outras pessoas, pela prática do amor. O espírito profético que foi repartido por Deus entre as setenta lideranças é o espírito do serviço. O objetivo é manter as pessoas animadas e confiantes nas promessas de Deus.
Na tarefa de construção do Reino ninguém tem exclusividade. Talvez os discípulos não tinham claro ou não recordavam que sua pertença ao grupo de Jesus foi um dom de pura gratuidade; nenhum deles apresentou a Jesus um currículo de méritos para ser escolhido; foi Jesus que se apresentou a eles, que atravessou o caminho de cada um e os chamou, com total conhecimento de que não eram nem os melhores, nem os mais representativos da sociedade. Nesse sentido também outros e outras podem continuar sendo chamados. Em cada homem e em cada mulher Deus semeou as sementes do bem; como e quando essas sementes começam a germinar e dar frutos, é decisão de cada um.
Às vezes nos parecemos com Josué e com João; ficamos com ciúmes daqueles que, sem pertencer à nossa instituição, fazem obras melhores que as nossas. E sai inevitavelmente a frase: Mas esse ou essa é de que religião, ou de que grupo?....
Quem faz o bem, promove a solidariedade, pratica o amor, a compaixão, a paz como fruto da justiça, o servir uns aos outros, tudo isso que são princípios do Reino de Deus, essa pessoa ou essa instituição tem dentro de si uma parte do espírito de Deus.
E quem fala em nome de Deus mas não fala e nem promove nada disso, esse é um falso profeta, mesmo que fale em nome de Deus.
Por isso, devemos orar como o bispo luterano da India, chamado Johnsonn Gnanabaranam que escreve assim:
Vem, Espírito Santo.
Se habitas apenas nos corações que são féis, como poderei ser abençoado por ti?
Ó Espírito Santo, vem habitar no meu coração infiel e transforma-no num coração que guarda fidelidade.
Vem, Espírito Santo.
Se habitas apenas nos corações que são puros, como poderei ser abençoado por ti?
Ó Espírito Santo, vem habitar no meu coração e imundo e faze com que seja um coração puro.
Vem, Espírito Santo.
Se habitas apenas nos corações que são justos, como poderei ser abençoado por ti?
Ó Espírito Santo, vem habitar em meu coração injusto e transforma-o num coração justo.
Vem, Espírito Santo.
Se habitas apenas nos corações que creem, como poderei ser abençoado por ti?
Ó Espírito Santo, vem habitar em meu coração descrente e transforma-o num coração que crê.
Ó Espirito Santo, quando tu entrares em meu coração então sim, serei ricamente abençoado.
Amém.