Amados irmãos, amadas irmãs,
basta irmos para a região da serra gaúcha para encontrarmos diversas videiras que produzem boas uvas que, por sua vez, são transformadas em deliciosos sucos ou vinhos. Quem entende muito bem desse assunto são os muitos descendentes de italianos que até hoje mantém uma tradição familiar no cultivo da uva.
Jesus lança mão da videira e das uvas para falar da sua pessoa e dos que estão com ele. Este texto é muito interessante para a vida cristã, especialmente porque não há como pertencer à igreja cristã sem produzir frutos. Quem pertence à Igreja – que é o próprio Corpo do Senhor Jesus Cristo – irá produzir frutos, irá colocar a sua fé em ação seja na oração, na meditação bíblica e nas obras sociais. Não há como ser diferente. Estar conectado com Jesus significa não apenas receber o que ele nos doa, mas a oportunidade gratuita de, através do amor, beneficiar a outros.
Hoje nós vivemos um mundo bastante individualista onde o “eu” precisa ser satisfeito o tempo todo. Já mencionamos esse fato em alguns cultos anteriores. A pandemia revelou mais do que nunca como estamos vivendo uma religião do “eu” que está acima de tudo e onde coloco minha liberdade acima da responsabilidade de cuidar dos outros. Acredito que a pandemia não gerou esse individualismo, mas apenas o desnudou como nunca antes no recém-iniciado século XXI.
Somos uma geração de consumidores que quer apenas receber, mas não doar. Quando há doação, ela é mais um empréstimo do que doação, pois sempre se espera algo em troca. Até a espiritualidade se tornou um produto a ser comercializado naquilo que se convencionou chamar de “teologia da prosperidade” que é a extrema oposta da “teologia da cruz”. Faz-se negócios com Deus: doa-se esperando algo em troca e não por fé, gratidão e compromisso. Hoje se quer fazer negócios até com Deus que sempre quis doar tudo gratuitamente. Transformamos o próprio Deus em um mero fornecedor de mercadorias espirituais ou materiais que desejamos consumir.
Porém, não olhemos apenas para fora, pois isso pode acontecer também entre nós. E, caso aconteça, oramos que os olhos e os ouvidos sejam abertos para entenderem a grande verdade que será dita agora: muitas vezes também nós – evangélicos de confissão luterana – pertencemos à comunidade ou paróquia, estamos ligados ao Corpo de Cristo, mas queremos apenas receber os benefícios como se a igreja fosse um clube de associados. Muitas pessoas acreditam que tem direito aos ofícios, mas não querem contribuir com seu tempo, talento e tesouro. Alimentam-se da seiva da videira verdadeira, mas não fazem nada para agradecerem o que é recebido. Queremos o batismo dos filhos, netos, as bênçãos matrimoniais, a visita pastoral, mas não se age em agradecimento a Deus por tantas dádivas recebidas. A igreja é transformada em clubinho do bolinha. E pior: a aliança de Deus – que é eterna – é reduzida como se fosse apenas um contrato entre duas partes: a comunidade e o membro.
Eu sei que estas palavras são duras, mas não podem deixar de ser ditas. Recebemos tantas dádivas de Deus através da Criação, do cumprimento da nossa vocação através do trabalho, do alimento espiritual na Palavra do Senhor. Entretanto, queremos apenas receber a seiva da videira, mas nunca dar frutos. Receber a energia vital sem dar frutos de bem e amor aos nossos semelhantes.
O reformador Martinho Lutero já percebia este problema na sua época. Ele escreveu um longo estudo versículo por versículo sobre o evangelho de João. Em português, temos apenas os capítulos 14, 15 e 16 do seu comentário bíblico. Olhemos para o que Lutero diz sobre aqueles que recebem a seiva, mas não frutificam. Ele diz: “eles não produzem fruto, mas tão-somente consomem a seiva que deveria ir para os ramos verdadeiramente frutíferos”1. Lutero disse palavras muito duras, mas verdadeiras. O que elas significam? Aqueles que só consomem, mas não frutificam, acabam prejudicando aqueles que querem o viver o verdadeiro evangelho em testemunho e ação. Quanto tempo e quanta energia muitas vezes são investidos na solução de problemas que nem precisariam existir por causa daqueles que só querem receber os benefícios, mas não beneficiarem ao seu semelhante, seja na contribuição financeira mensal, nos dons a serviço, no tempo disposto, assim por diante.
Queridos e queridas, isso é muito sério. Acredito que só seremos uma igreja relevante de fato para os bairros Sete de Setembro e Amaral Ribeiro quando compreendermos o nosso compromisso com a Paróquia; afinal de contas, quem gostará de participar entre nós se agimos como se Deus não existisse e querendo apenas os benefícios de ser comunidade, sem beneficiar de alguma forma? É o tripé: tempo, talento e tesouro. Um não exclui o outro, mas os três são parte essencial do ser cristão. Apenas quando entendermos isso iremos parar de “brincar de igrejinha” para sermos igreja de verdade e relevante no lugar em que estamos.
Martinho Lutero disse mais algumas palavras sobre esse texto que quero mencionar. Lutero diz:
Lamentavelmente, constatamos que sempre existem, na cristandade, alguns ramos falsos e inúteis; eles só produzem frutos imaturos, que precisam ser descartados. É verdade que procedem da videira, mas não permanecem nela. Eles são batizados, ouvem o Evangelho e têm remissão de pecados. Em resumo: inicialmente, eles estão na videira, isto é, nele. Porém, à medida que se desenvolvem, transformam-se em ramos selvagens e são cristãos apenas nominalmente. Sem dúvida, utilizam a Palavra de Deus, glorificam-no, servem-se e usufruem da seiva dos outros.2
E Lutero continua, dizendo:
Por conseguinte, tornam-se grandes na videira, querem ser honrados e enaltecidos como os melhores cristãos. Eles podem ostentar seu cristianismo mais rica e magnificamente do que os outros e têm melhor aparência e prestígio do que os demais. Mas é tudo fachada, e um dia se verá o que realmente são: mera madeira podre sem seiva e vigor autênticos. Eles não ensinam e não confessam a Palavra apropriadamente. É tudo só aparência.3
Será que essa não é uma realidade também entre nós? Será que nas fotos quando precisamos de um ofício (batismo, confirmação, bênção matrimonial, etc.) somos os melhores cristãos quando, na verdade, tudo é mera aparência de cristão? Temos produzido frutos ou estamos apenas consumindo a videira? Estamos engajados em colocar nossos dons à serviço ou só queremos ser servidos quando precisamos? Pense sobre isso!
O verdadeiro cristão dá frutos. Por estar conectado à videira, não apenas quer receber a seiva, mas também produzir frutos. E o que Jesus nos diz sobre os ramos infrutíferos? “Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto ele limpa, para que produza mais fruto ainda.” (v. 2). Não são palavras inventadas pelo P. William, pelos presbíteros ou qualquer outra pessoa; são palavras ditas pelo Senhor Jesus! Os ramos que não derem fruto, serão cortados e lançados fora, pois apenas consomem a seiva que seria útil para aqueles que realmente estão engajados no Reino de Deus; eles apenas desgastam o Reino de Deus com seus problemas e consumismo da fé sem, no entanto, oferecer nada em fé, gratidão e compromisso. E o mais grave: o cortar e jogar fora não se refere apenas ao pertencimento a uma igreja neste mundo, mas ao lugar onde iremos passar a eternidade!
Jesus é muito claro ao dizer: “Eu sou a videira, vocês são os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim vocês não podem fazer nada. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.” (v. 5-6). É o que acontece com os ramos da videira. Pra que o agricultor possa produzir boas uvas, ele precisa cortar fora os ramos que não frutificam para que a “energia” da planta vá para os lugares certos. Da mesma maneira, serão cortados do Reino de Deus aqueles que receberam a graça, mas não agraciam aos seus semelhantes. Pelo fruto a árvore é conhecida. As obras não salvam, mas é através dos frutos que damos que se percebe se permanecemos em Deus ou não.
E perceba o seguinte: aqui não estamos falando de um papel na secretaria da Paróquia onde o nosso nome está escrito. Isso é importante para a organização da Paróquia. Porém, não estamos falando aqui da mera questão de ser membro atuante ou não, mas de onde passaremos a eternidade. Mais importante do que os registros paroquiais é se o nosso nome já está escrito no Livro da Vida pelo autor e consumador da fé, Jesus Cristo, o Cordeiro que venceu. Se o nosso nome está escrito no Livro da Vida, iremos querer e viver comunidade contribuindo com o nosso tempo, talento e tesouro. Do contrário, não iremos querer que o nosso nome esteja escrito nem no Reino dos Céus e nem nas coisas da terra.
Estás conseguindo compreender tudo isso? Se Deus está falando contigo, não feche a porta do teu coração. Pelo contrário, reflita e ore muito para que ele te transforme por completo. Se você se identifica, você precisa de transformação. E Deus pode fazer!
Amados irmãos, amadas irmãs,
acredito que a Palavra é muito clara e não há muito o que acrescentar na sua interpretação. Sejamos ramos que deem frutos. Se já o somos, felizes seremos. Não há como ser cristão e agir como se Deus não fizesse parte das nossas vidas. Porém, se ele faz, a nossa vida será uma vida completamente diferente, uma vida de serviço e amor em alegria, sem murmuração ou reclamação. Será uma vida de gratidão.
Aceite o convite do Evangelho e faça parte de fato e de verdade do Reino de Deus, não apenas nominalmente ou por aparência, mas com convicção. Jesus não deixou de ir para a cruz porque aquela cena seria muito feia e horrorosa. Ao contrário, ele foi por causa de todo o seu amor por nós. Nele nós vemos o rosto amoroso e misericordioso de Deus. Ele não tinha apenas uma aparência de Deus, mas era verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem ao mesmo tempo. Portanto, não viva só de aparências da fé, mas viva a fé de fato, colocando-a em prática no dia a dia.
“Pastor, quais frutos posso produzir?” O amor! O fruto do Espírito é o amor. O apóstolo Paulo nos descreve isso em Gálatas 5.22-23 (NTLH): “Mas o fruto do Espírito é: amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, a humildade e o domínio próprio. E contra essas coisas não existe lei.” O fruto do Espírito é o amor. Podemos imaginar ele como uma laranja com seus diversos gomos: a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, a humildade e o domínio próprio. Todas essas coisas são gomos do fruto do Espírito que é o amor.
Portanto, sejamos ramos que além de estarem ligados à videira verdadeira, também produzem frutos para uma família melhor, empresa melhor, escola/universidade melhor, comércio melhor, igreja melhor, enfim, uma sociedade melhor. Pelos frutos é que as árvores são conhecidas. Que frutos temos produzido? Divisões? Discórdias? Polarizações? Brigas? Raiva? Que Deus nos transforme dia após dia para que possamos dar bons frutos no Reino de Deus. O amor pode transformar o mundo. Que esta seja a nossa missão.
E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus,
amém.
5º DOMINGO DA PÁSCOA | BRANCO OU DOURADO | CICLO DA PÁSCOA | ANO B
02 de Maio de 2021
P. William Felipe Zacarias
1 LUTERO, Martinho. Os capítulos 14 e 15 de S. João pregados e interpretados pelo Dr. Martinho Lutero – 1537/1538. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol. 11. Interpretação do Novo Testamento – João 14-16 – 1 João. 3. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: ULBRA, 2010. p. 231.
2 LUTERO, 2010. p. 231.
3 LUTERO, 2010. p. 231.