Amados irmãos, amadas irmãs,
O amor de Jesus é abundante o suficiente para transformar uma cidade! Quando cidadãos de uma cidade são afetados pelo amor transformador de Jesus, a mensagem do evangelho começa incrivelmente a se espalhar e quanto mais pessoas são transformadas pelo amor de Jesus, ainda mais o evangelho é espalhado por toda a cidade.
Você está convidado/a a entrar conosco em uma jornada pela surpreendente história da comunidade cristã de Éfeso, localizada na cidade mais importante da província romana da Ásia, atual Turquia asiática1. Tenho certeza de que Deus irá nos doar muita sabedoria e amor a partir do ouvir desta história.
Para trilharmos o caminho com segurança, sugiro que caminhemos através de três pontos:
1 O EVANGELHO CHEGOU
Havia uma numerosa colônia judaica em Éfeso. Inclusive, esta colônia era respeitada pelo Império Romano. Em 43 a. C., após o assassinato do Imperador César, os judeus de Éfeso foram poupados pelo cônsul Dolabela de participarem da guerra civil que tinha como intenção vingar a morte do Imperador. Flávio Josefo, um sábio historiador, registrou as palavras de Dolabela, que dizem: “Nós os isentamos de ir à guerra e permitimos-lhes viver segundo as suas leis e reunir-se como estão habituados a fazer”2. Éfeso era um dos poucos lugares fora do território de Israel em que os judeus poderiam viver em paz.
Mais de 100 anos mais tarde, em 52 d. C., um casal cristão chamados Priscila e Áquila se mudam para a cidade de Éfeso e são acompanhados pelo apóstolo Paulo que está em sua Terceira Viagem Missionária. Paulo, o apóstolo de Cristo, começou a pregar a mensagem do Evangelho para os cidadãos daquela cidade, tanto para os judeus quanto para os não judeus. A mensagem de Paulo falava sobre o arrependimento (cf. Atos 19.4) e sobre o Batismo no Espírito Santo (cf. Atos 19.6).
Além disso, Paulo passou a frequentar um lugar estratégico para a pregação do Evangelho: a Sinagoga que era o templo dos judeus. Ali, Paulo “falava ousadamente, dissertando e persuadindo com respeito ao reino de Deus.” (Atos 19.8). Através de Paulo, Deus realizou milagres extraordinários (cf. Atos 19.11). A grande verdade é que aquela cidade estava sendo escolhida por Deus para receber um grande avivamento. Lucas nos diz em Atos 19.17: “Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus como gregos habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos eles, e o nome do Senhor Jesus era engrandecido.” Aquela cidade foi chacoalhada pelo evangelho ao ponto de “muitos dos que creram vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras.” (Atos 19.18). Aquela cidade experimentou de Deus algo surpreendente. Deus estava agindo no meio deles. O amor de Jesus era abundante o suficiente para transformar aquela cidade.
Por isso, “a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente”. (Atos 19.20). Este versículo é muito importante! Muitos cidadãos daquela importante cidade estavam se entregando aos braços amorosos de Jesus. O que acontecia em Éfeso era algo tremendo! A palavra de Deus crescia e prevalecia naquele lugar. As pessoas daquela cidade puderam ouvir a Palavra de Deus e deixar esta Palavra mudar as suas vidas completamente. O apóstolo Paulo permaneceu naquela cidade por três anos em um ministério fundamentado na oração. Nos diz Atos 20.31: “Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um.” As lágrimas de amor do apóstolo Paulo foram vistas por Deus e usadas pelo altíssimo como sementes do Evangelho para que a Palavra de Deus produzisse frutos aonde quer que fosse lançada.
O Evangelho chegou! E aonde o Evangelho chega de verdade, as coisas não podem permanecer como estão. Por isso, vamos ao nosso segundo ponto:
2 O EVANGELHO GEROU UMA CRISE
O Evangelho estava gerando um impacto extraordinário na cidade de Éfeso. Havia muitas conversões e muitas pessoas dispostas a servir a Jesus com todas as suas vidas. A força do Evangelho estava presente e daquela cidade o Evangelho poderia ser espalhado pelos mais inimagináveis lugares.
Porém, nem todo mundo gostou desta história. A cidade de Éfeso possuía um teatro, espaços para banhos públicos, bibliotecas, mercados e ruas calçadas de mármore. Éfeso também era o centro religioso da adoração à Diana que era a deusa de fertilidade. O culto à deusa Diana acontecia através de rituais repletos de orgia e sexualidade. O templo à deusa Diana em Éfeso era considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo3. Turistas de diversas regiões viajavam para Éfeso para conhecer aquela “maravilha”.
Isso não possuía apenas uma influência religiosa, mas principalmente econômica. Nas ruas de Éfeso, vários ourives vendiam pequenas imagens de prata da deusa. A venda destas imagens havia trazido prosperidade para eles e, por consequência, para a própria cidade. Demétrio, um dos ourives, disse: “Senhores, sabeis que deste ofício vem a nossa prosperidade.” (Atos 19.25). Ele se queixa mais, dizendo: “e estais vendo e ouvindo que não só em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem persuadido e desencaminhado muita gente, afirmando não serem deuses os que são feitos por mãos humanas.” (Atos 19.26). A preocupação era tanta que Demétrio chegou a dizer: “Não somente há o perigo de a nossa profissão cair em descrédito, como também o de o próprio templo da grande deusa, Diana, ser estimado em nada, e ser mesmo destruída a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo adoram.” (Atos 19.27).
O fato gerou uma grande confusão. Crer em imagens de esculturas (sejam quais forem) confronta diretamente a fé cristã. Paulo pregava a crença no único e verdadeiro Deus. Aquelas imagens eram inúteis e não poderiam trazer salvação ou responder orações. Nos diz Atos 19.29 que “toda a cidade foi tomada de confusão”. Todos acabaram indo para um grande teatro a fim de debater sobre o assunto, arrastando os cristãos Gaio e Aristarco consigo. O cenário era desagradável: “Uns, pois, gritavam de uma forma; outros, de outra; porque a assembleia caíra em confusão. E, na sua maior parte, nem sabiam por que estavam reunidos.” (Atos 29.32). No fim das contas, o escrivão da cidade conseguiu apaziguar o povo pedindo que o assunto fosse levado a alguma assembleia regular.
Queridos e queridas, o Evangelho é impactante. Ele causa transformações, crises. Onde o Evangelho entra, as coisas antigas precisam sair. Isso não significa que o Evangelho seja completamente contrário à cultura. Entretanto, será contrário àquilo que não combina com a doutrina correta. A verdadeira fé precisará substituir a falsa fé. A vida cristã precisará substituir os velhos costumes. Onde o Evangelho entrar, o diabo precisa sair. Éfeso estava sendo tão fortemente impactada pela mensagem do amor de Jesus ao ponto do comércio local de imagens de escultura sentir a diferença. Não era apenas a espiritualidade de Éfeso que estava sendo transformada, mas também a sua cultura e a sua economia. Onde o Evangelho é levado a sério, as coisas não podem permanecer como estão.
Por isso, a crise se torna inevitável. Velhas práticas não combinam com a vida cristã proposta pelo Evangelho. É preciso mudar, mas é Deus quem muda, transforma, quebra e refaz. Nossa cidade poderia ser muito diferente se o verdadeiro Evangelho fosse levado à sério por nós, pois é muito fácil apontar para o que os outros estão fazendo de errado. Será que a nossa vivência evangélica de confissão luterana tem transformado Sapiranga? Ou será que somos tão irrelevantes ao ponto de que se não existíssemos, não faríamos diferença alguma? Além das obras de amor, temos anunciado o Evangelho? Aliás, mais do que isso: temos vivido o Evangelho? Ou sentimos vergonha do Evangelho?
Os cristãos de Éfeso experimentaram o maravilhoso poder transformador de Deus. Causaram um impacto tão grande que a própria economia e cultura da cidade começou a ser transformada. Então, veio o inesperado:
3 O EVANGELHO FOI DEIXADO
Esta será a ênfase da carta de Paulo aos Efésios. Em algum momento da sua jornada, eles se desviaram do principal. O primeiro impacto causado pelo Evangelho já não ardia mais em seus corações como outrora. Eles esfriaram na fé. Eles haviam esquecido para o quê foram chamados. A eternidade já não iluminava as suas vidas no mundo presente. Paulo ora pelos crentes de Éfeso pedindo: “iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder;” (Efésios 1.18-19). Eles precisavam ser iluminados pela esperança do futuro, pois estavam vivendo apenas do presente.
A palavra outrora aparece quatro vezes na carta, indicando como viviam antes de receberem a doação do Evangelho:
1) “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência;” (Efésios 2.1-2);
2) “entre os quais também nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos, e éramos por naturezas, filhos da ira, como também os demais.” (Efésios 2.3);
3) “Portanto, lembrai-vos de que, outrora, vós, gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se se intitulam circuncisos, na carne, por mãos humanas, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo.” (Efésios 2.10-11);
4) “Pois outrora, éreis trevas, porém, agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz.” (Efésios 5.8).
O apóstolo Paulo precisa lembrar aqueles irmãos de como eles eram antes de seguirem a Cristo para que estejam alertas quanto às suas vidas. Eles precisam compreender novamente a maravilhosa dimensão do amor de Deus (cf. Efésios 3.14-21). Após a conversão, os Efésios precisam abandonar os velhos costumes, pois se esqueceram do Senhor e vivem o mundo ao invés da esperança na eternidade.
É por isso que no texto previsto para hoje, o apóstolo Paulo diz à comunidade de Efésios: “Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor.” (Efésios 5.15-17). A proposta de Paulo é que abandonem a ignorância e sigam a sabedoria que provém do Evangelho. Só assim poderiam entender de fato o que Deus esperava deles e como poderiam, como comunidade, cumprir a sua vocação na missão de pregar e espalhar o Evangelho por toda a cidade e por todo o mundo. Outrora eles faziam isso; agora, porém, aquilo não passava de “fogo de palha”. É por isso que Paulo chama a atenção daqueles irmãos.
Outra recomendação de Paulo é: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito.” (Efésios 5.18). Este versículo não é uma proibição ao consumo de bebida alcóolica. O verbo utilizado não é beber, mas embriagar-se. Com isso, Paulo está dizendo que é preciso conhecer os próprios limites. A palavra dissolução significa uma “conduta vergonhosa”4. Portanto, o problema não é beber, mas exceder a quantidade e causar vergonha ao evangelho. Precisamos reconhecer que a linha entre a “alegria” e a “vergonha” pode ser tênue, mas ambas não são a mesma coisa. Acredito que também em relação a nós essa Palavra tem bastante valor. Os eventos que realizamos como Paróquia não devem promover a vergonha própria ou alheia, mas serem manifestação do amor e da comunhão fraterna que há entre os irmãos e as irmãs. Este é o testemunho que precisamos dar: ao invés de levar as pessoas à vergonha e ao pecado, levá-las ao amor a Jesus.
Talvez – como em Éfeso – falar disso pode gerar algum tipo de “crise” em nossa mente, inclusive financeira. Será que os nossos eventos precisam ser como sempre foram? Será que é tão necessário assim haver bebida alcóolica na igreja? “Mas, e o caixa, pastor?” Basta olharmos para este tempo de Pandemia para percebermos que o cuidado de Deus para conosco vai além do que nós fazemos. E pouco adianta levantarmos bem alto a defesa da bandeira da família se nossos próprios eventos não são próprios para que as famílias inteiras participem em fraternidade e união.
O que Deus espera de nós como comunidade cristã em Sapiranga? “falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo.” (Efésios 5.19-21). Estas palavras não foram escritas pelo P. William! É isso que Deus quer de nós: que não vivamos somente as coisas terrenas, mas tenhamos nossos olhos fixos na eternidade!
Amados irmãos e amadas irmãs,
Éfeso havia sido aquecida pelo Evangelho, mas se deixou esfriar no meio do caminho. No livro de Apocalipse, o mensageiro de Deus profere uma dura palavra àqueles irmãos e irmãs: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor.” (Apocalipse 2.4). Eles já não amavam a Jesus como antes. Já não se dedicavam à comunidade como antes. A Palavra de Deus não mexia com eles como antes.
Talvez você também se sinta assim. Quem sabe você tem saudosas lembranças dos tempos do início da caminhada cristã no discipulado com Jesus. “Como aquele tempo era bom”, talvez você pense. E hoje, você está completamente afastado/a da Palavra de Deus. Talvez até assista ou participa das celebrações, mas tudo não passa de mera aparência e reputação.
Irmãos e irmãs, assim como a Éfeso, o mensageiro de Deus nos diz: “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Apocalipse 2.5). Este é o maravilhoso convite de Deus: arrependimento! O convite de Deus é para irmos à presença do Senhor e confessar a ele onde nós “pisamos na bola”. É preciso se arrepender antes que o candeeiro que aquece a nossa fé seja tirado de nós.
Esta Palavra vale a todos nós! O amor de Jesus é abundante o suficiente para transformar uma cidade! Quando cidadãos de uma cidade são afetados pelo amor transformador de Jesus, a mensagem do evangelho começa incrivelmente a se espalhar e quanto mais pessoas são transformadas pelo amor de Jesus, mais o evangelho é espalhado por toda a cidade. Hoje Deus chama a cada um de nós a sermos verdadeiros cristãos para vivermos o Evangelho diariamente e testemunharmos do Evangelho às outras pessoas. Trazer pessoas para a igreja não é uma tarefa apenas dos/as ministros/as, mas de todos os/as cristãos/ãs. O “Ide” dito por Jesus (cf. Mateus 28.18-20) é para todos nós! Através do Evangelho, Sapiranga pode ser uma cidade bem diferente e melhor desta que conhecemos hoje. Deus pode fazer e fará!
Portanto, não se lembre apenas os bons tempos de outrora em que o Evangelho aquecia o seu coração. Pelo contrário, receba hoje o Evangelho e permita que Deus cause transformações em sua vida. Este é um processo dolorido. Talvez entremos em crise. Quem sabe muitas coisas que não combinam com o Evangelho precisem ser arrancadas da nossa vida. Porém, o Evangelho vale a pena. Nenhum esforço será em vão. A recompensa está guardada para os vencedores na eternidade. O melhor está por vir!
Assuma o risco de uma vida cristã. Não será fácil. Você irá na contramão do mundo. Virão ataques de onde você nem imagina. O cancelamento será inevitável. Mas lembre-se: quem ruma conforme a corrente do rio é o peixe morto; o peixe vivo nada contra a corrente! O peixe vivo nada rio acima!
Que o amor de Jesus possa superabundar em tua vida neste dia. Vá diante do Senhor.
Amém.
12º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B
15 de Agosto de 2021
P. William Felipe Zacarias
1 Cf. GREEN, E. M. B. “Efésios”. in: DOUGLAS, J. D. (ed. org.). O Novo Dicionário da Bíblia. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 379.
2 JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 1990. p. 662.
3 Cf. WEATHON, D. H. “Diana”. in: DOUGLAS, 2006. P. 345.
4 KASCHEL, Werner. Dicionário da Bíblia de Almeida. 2. ed. Barueri: SBB, 2005. p. 99.