Prédica: Salmo 105.1-7
Leituras: Mateus 11.25-30 e Apocalipse 15.2-4
Autor: Günter Karl Fritz Wehrmann
Data Litúrgica: Domingo de Louvor através da Música
Data da Pregação: /2014
Proclamar Libertação - Volume: XXXVIII
1. Introdução
Os três textos abarcam toda a história da salvação. Nessa reside a razão para o louvor a Deus. Salmo 105.1-7 convida o povo para render graças a Deus, cantando-lhe salmos, invocando (melhor “proclamando”) seu nome e tornando públicos os seus grandes feitos. Os v. 8-45 relembram as manifestações de Deus como Libertador no passado. Conforme Mateus 11.25-30, Jesus glorifica o Pai como Senhor do céu e da terra, pois ele revelou aos pequenos o mistério da comunhão mística de Deus Pai com Deus Filho. Esse convida os cansados e sobrecarregados para vir a ele e aprender com ele a carregar os fardos. Revela-lhes o mistério do discipulado sob a cruz. Essa não terá a última palavra. Pois, conforme Apocalipse 15.2-4, nos é permitido enxergar para o além. Os remidos já entoam, acompanhados por harpas (instrumento musical seleto e nobre), os cânticos de Moisés e do Cordeiro. Alude-se à libertação do Egito bem como à libertação universal operada por Jesus Cristo, nosso Cordeiro Pascal, sacrificado uma vez por todas. Ele ressuscitou, subiu ao céu e prepara-nos um lugar junto ao Pai.
Os três textos falam da glorificação de Deus no tempo do Antigo Testamento, no tempo de Jesus e no “tempo” da eternidade (coloco aspas porque a eternidade é a superação do tempo). O nosso louvor a Deus tem caráter universal. Une-nos a todo o povo de Deus: do passado, do presente e do futuro. O nosso louvor, por mais modesto que seja, ou mesmo o “louvor sob lágrimas”, tem sua origem e seu alvo em Deus. Por ele é originado, para ele aponta e a ele quer levar!
2. Exegese
Nas questões exegéticas, consultei Arthur Weiser e Hans Joachim Kraus, sendo que o último mais me convenceu.
A forma do Salmo 105 é no estilo de salmos históricos, que recitam a história da salvação em forma de canto comunitário. A ideia principal é a fidelidade de Javé em relação a suas promessas. Ela é introduzida nos v. 1-6. Relembra as caminhadas dos patriarcas (v. 12-15), o destino de José (v. 16-23), o êxodo do Egito (v. 24-38), milagres na caminhada pelo deserto (v. 39-41); finalmente, o tema principal é relembrado e acrescentado pelo convite para a observância dos mandamentos de Javé (v. 42-45). Já que o Salmo 105 é um hino de louvor comunitário, seu lugar vivencial (Sitz im Leben) é o culto da comunidade que glorifica, com gratidão, o Deus libertador.
2.1 – Detalhes de tradução e de exegese
No v. 1b, muitos exegetas traduzem: “invocai o seu nome”. Kraus, contudo, pondera, no meu entender convincentemente, que o termo invocar tem seu lugar vivencial nos salmos de lamentação. Conforme outros salmos de louvor a Deus pela salvação, porém, é mais contundente ler “proclamai o seu nome”, porque isso corresponde aos aspectos seguintes, tais como: “anunciai seus feitos maravilhosos entre todos os povos” e “narrai todas as suas maravilhas”. O hino de louvor, em que são glorificados os grandes feitos de Javé, é simultaneamente e anúncio e proclamação para os povos. Por isso os imperativos (v. 2ss)
para que cantem e toquem (subentendam-se “os instrumentos) e que relembrem (“re-presentem” – i. e., “tornem novamente presente”) e interiorizem os grandes feitos que Javé operou na história de seu povo. A fidelidade de Javé em relação às suas promessas, dadas aos patriarcas, é realçada pela alusão a “seus juízos que permeiam toda a terra” (v.7b). No v. 2a, convém resgatar o significado do segundo imperativo, que não é apenas cantar, mas tocar um instrumento: desse modo, poderíamos ler “cantai a Ele e tocai instrumentos para Ele”. Isso pode ser ligado à leitura de Apocalipse 15.2-4, em que os remidos cantam, acompanhados por harpas, o hino da libertação. Essa ligação será importante para a meditação.
“Buscai o Senhor, seu poder e sua presença” é o convite aos descendentes de Abraão e aos filhos de Jacó (i. e., o povo escolhido de Deus) para que venham participar do culto em que é comemorada a aliança que o Senhor fez com os seus. Ele é fiel e nunca se esquecerá de sua aliança. Relembrando a história da salvação – por meio da narração, do canto de salmos e da música –, a fé do povo é revigorada, o Senhor é glorificado e proclamado como Deus libertador. Desse modo, seus grandes feitos e preceitos são anunciados ao mundo. Eis as dimensões teocêntrica, terapêutica e missionária do culto no Antigo Testamento.
Assim podemos estabelecer uma ligação com nosso culto cristão por meio de seus eixos litúrgicos: Entrada, Palavra, Credo (destaca-se a dimensão trinitária) e Ofertório, Sacramento, Envio. O Espírito Santo motiva-nos a nos congregar como comunidade em culto. Pelo perdão dos pecados ele nos dignifica para o encontro consigo, uns com os outros e conosco mesmos. Pela Palavra pregada Ele desperta e revigora nossa fé. Ele nos motiva a louvar pela proclamação de seus grandes feitos. Pelo Batismo Ele nos torna filhas e filhos seus, certifica-nos de sua aliança conosco, incorpora-nos à grande família de Deus. Na Ceia, ele se doa a nós de maneira singela, oferece-nos a comunhão mais íntima possível consigo, uns com os outros e conosco mesmos; torna-se novamente presente como aquele que libertou seu povo no passado, como aquele que vai libertar definitivamente seu povo – naquele dia, quando Ele voltar e erguer o seu Reino em definitivo e celebrar com os seus o banquete eterno; em, com e sob os elementos do pão e do vinho (ou suco de uva) ele nos faz experimentar, da maneira mais palpável possível, todas as dádivas celestes (perdão, alegria, comunhão, fé, esperança e amor). Assim agraciados e fortalecidos, Ele nos envia para colocar no mundo em que vivemos (família, escola, comunidade e sociedade) sinais concretos da nova vida em justiça, paz e amor que Ele criou, cria e vai criar.
Assim podemos “gloriar-nos no seu santo nome”; assim pode “alegrar-se o coração dos que buscam o Senhor” (cf. v. 3) – pois foi seu amor que nos “buscou” primeiro (cf. 1Jo 4.19).
3. Meditação
Louvar a Deus através da música foi uma grande paixão de Lutero. Para quem quiser aprofundar-se nesse aspecto recomendo a leitura de: DREHER, Martin Norberto. Hinos – Introduções, em Martinho Lutero Obras Selecionadas, v. 7, Coeditoras Editora Sinodal São Leopoldo e Concórdia Editora Porto Alegre, 2000, p. 471-573. As seguintes citações talvez criem curiosidade e interesse para aprofundar-se:
“Lutero também valorizava a música contemporânea. Em muitas oportunidades, faz referência a músicos contemporâneos seus. O mais estimado, porém, parece ter sido Ludovico Senfl . Em carta a Senfl , datada de 4 de outubro de 1530, Lutero designa-o de ornatum et donatum a Deo meo (ornado e agraciado pelo meu Deus). Ao apreciar a música contemporânea, lamenta que a música secular tenha cantos e poemas muito bonitos enquanto a música sacra contenha muito faul, kalt Ding (muita coisa podre, fria)” (op. cit., p. 474).
“Mui admirado Prof. Dr. Martim Lutero, o senhor me desculpe se ouso puxar conversa com o senhor. Concordo no aspecto de que a música secular pode ter cantos e poemas muito bonitos. Pois lembro-me de ter assistido à ópera ‘Aída’, de G. Verdi. No ato final, os dois namorados, condenados à morte por causa do ciúme da rainha, cantam um dueto de amor, intercalados pela rainha vencida que canta ‘seja-lhes paz!’. Confesso que para mim a cena transcendeu, me fez
vislumbrar, como por uma fresta, o eterno poder do amor e da paz celestial que, certamente, caracterizará a eternidade.”
“Por outro lado, estimado Professor Dr. Martinus, permita-me compartilhar uma experiência com música sacra: Nos anos 60, na Marktkirche de nossa cidade Hameln, seria apresentada a Missa em Si-Menor, de J. S. Bach. Helmut, um amigo meu, estudante de teologia, me escreveu: Günter, desejo-lhe que você possa vislumbrar um pedacinho de céu aberto. Compartilhei isso com meu amigo da Juventude Evangélica, Gerhard, com o qual assistiria à grande obra, que Bach considerou a sua maior e mais importante de todas as suas obras. Bach teria dito: ‘Se posso escrever obra tão maravilhosa e importante aqui na terra, que obra ainda maior poderei escrever no céu!’ Assim motivados assistimos ao grande oratório. Quando, no decorrer do Credo, o coro cantou o ‘ressurrexit!’ (= Ele ressuscitou), acompanhado pela orquestra com as trombetas brilhando como sol nascente, eu simplesmente ‘decolei’. Fui tomado de fortíssima comoção diante daquilo que Deus já fez, faz e ainda vai fazer para os seus e as suas! Quando Gerhard e eu saímos da igreja para dentro do movimento noturno da cidade, ficamos calados por pelo menos dez minutos. Então interrompi o silêncio dizendo: ‘Gerhard, agora consigo imaginar um pouco da alegria que haverá no dia da ressurreição dos mortos para a vida eterna’.”
“Assim, Dr. Martinus, o senhor está com razão, em parte; pois Deus continua a tentar revelar e comunicar-se tanto pela música sacra como pela profana. Johann Georg Ebeling (1666), baseado em Sl 146, com razão canta: ‘De mil maneiras pode da morte nos salvar’ (cf. HPD, Nº 257,3). Essa paixão divina o amigo conhecia! E eu cheguei a conhecê-la de outras maneiras depois de seu tempo. Realmente, Deus não cansa de revelar-se através de mais de mil e uma
maneiras! Nisso somos irmanados! Não é! E quem sabe, até um G. Verdi teve que servir a esse propósito divino! Penso que o amigo-irmão, Dr. Martinus, consegue concordar comigo!”
“Por isso, caríssimo Prof. Dr. Martinus, parabenizo o senhor quando afirma: ‘No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja bom e agradável a Deus, uma vez que todo mundo tem não apenas o exemplo dos profetas e reis no Antigo Testamento (que louvaram a Deus cantando e tocando, com versos e toda espécie de música de corda), (...). Também não sou da opinião de que, pelo evangelho, todas as artes devam ser massacradas e desaparecer, como pretendem alguns pseudoespirituais. Na verdade, eu gostaria que todas as artes, particularmente a música, estivessem a serviço daquele que as concedeu e criou. Por isso eu peço que todo cristão de valor receba isso de bom grado e ajude a promovê-lo, caso Deus lhe tenha concedido igualmente ou até mais’ (op. cit., p. 480s).”
Por essas razões explica-se o fato de se ter usado, ao longo da história, ritmos, melodias e instrumentos populares da respectiva época para criar e embelezar cantos e músicas sacras. Cito apenas alguns exemplos: “Com alegria e com fervor”, hino pascal de Cyriakus Spangenberg, 1568, em ritmo de walzer (cf. Hinos do Povo de Deus HPD, Nº 60); “Ó alegria, vem, alumia” – hino de Giovani Gastoldi, 1591, em melodia do folclore alemão “An hellen Tagen” (HPD, Nº 262); “Os que confiam no Senhor” – hino de Oziel Campos de Oliveira, pastor da IECLB, em ritmo de baião (HPD, Nº 229), igualmente o hino “Arde a voz em meu peito”, também de P. Oziel, em ritmo de marcha-rancho (HPD, Nº 446); “Oração da Igreja” – hino de Cláudio Kupka, pastor da IECLB, em ritmo de bossa nova (HPD, Nº 459); “Igreja que serve” – hino de Cláudio Kupka, pastor da IECLB, em ritmo de axé (HPD, Nº 417); “Aqui você tem lugar” – hino de Nelson Kirst, pastor e professor da IECLB, em ritmo de baião (HPD, Nº 324).
4. Imagens para a prédica
Conforme a leitura de Mateus 11.25, Jesus glorifica Deus Pai por Ele ter revelado o mistério do amor e da graça divinos aos pequeninos (pequeninos – não só os de altura ou idade). Eles recebem atenção e importância especiais por parte de Deus. Sobre isso meditam Milton Schwantes e Rosileny Alves dos Santos Schwantes em seu livro “Figuras e Coisas – Meditações e ensaios para viver”, p. 11-12. Sob o título “Da boca dos pequeninos”, o casal reflete sobre as celebrações de louvor a Deus. Cito: “A todo passo, nossa Bíblia nos anima para tais festanças a nosso Deus. Pois ele merece! Desde as distâncias e profundezas, desde sua amizade pessoal e do senhorio universal – louvor a Deus. Ele nos abriga e liberta. Arranca-nos dos infernos da pobreza e das angústias da solidão. Louvor a Deus! Aleluia! (...) Contudo, há algo de muito particular e inovador na louvação desse nosso oitavo salmo. E isso está em incluir as crianças. Elas chegam a tornar-se exemplos prediletos para o louvor. E isso me parece inusitado. Corajoso. É qual raio iluminador. É fulgor de inspiração”.
Que tal envolver, de maneira destacada, as crianças nesse culto? Poderia ser com a comemoração do dia de Batismo de crianças de 0 a 10 anos ou através de uma participação do culto infantil, em que o grupo dramatiza uma cena da história da libertação no Egito; ou com um canto, com instrumentalização ou acompanhamento de um gaiteiro, apresentado pelas crianças.
5. Subsídios litúrgicos
A seguinte oração do casal Schwantes poderá inspirar: “Ó Deus da vida, ó Deus dos bebezinhos, dá-nos coragem a louvar de jeito pequeno, de boca pequena. Perdoa, Deus vivo, quando vivemos no esquecimento de teus filhinhos prediletos. Dá fortaleza à boca das criancinhas! Em nome de Jesus. Amém!” (op. cit., p. 17).
Hino: “Louvor rendamos” (HPD, Nº 274) – hino da manhã, que poderá ser cantado no início do culto.
Hino: “Louvai a Deus em alta voz” (HPD, Nº 59). Pode ser cantado, em forma de responsório, em dois grupos, sendo que um canta o texto enquanto o outro responde com a parte do “aleluia”.
Hino: “Com alegria e com fervor” (HPD, Nº 60). Pode ser cantado em forma de responsório, sendo que o grupo 1 canta o texto, o grupo 2 canta o “aleluia” e os dois grupos em conjunto cantam o “Louvado sejas, Salvador!”.
Hino: “Cantai ao Senhor” (HPD Nº 260). Pode ser cantado em dois grupos, em forma de responsório. Um grupo canta a primeira parte da linha 1, e o outro grupa canta como resposta a segunda parte – repetindo o texto três vezes; a segunda linha seria cantada pelos dois grupos em conjunto.
Cânone: “Alegrai-vos sempre no Senhor!/ Alegrai-vos no Senhor!/ 2x
Alegrai/ alegrai// alegrai-vos no Senhor!” 2x
Esse cânone poderá ser cantado em dois grupos, sendo que uma vez em conjunto e depois o grupo 1 canta duas vezes o texto da linha 1; ao começar a linha 2, o grupo 2 começa a cantar a linha 1 duas vezes e, ao começar a linha 2, o grupo 1 inicia novamente com a linha 1. Encerra-se em conjunto, quando o grupo 1 tiver cantado pela segunda vez a parte inicial e o grupo 2 tiver concluído sua segunda parte.
Bibliografia
KRAUS, Hans Joachim. Psalmen 2. In: Biblischer Kommentar Altes Testament, v. XV. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag des Erziehungsvereins, 1966. p. 716-723.
SCHWANTES, Milton; SCHWANTES, Rosileny Alves dos Santos. Figuras e Coisas – Meditações e ensaios para viver. São Leopoldo: Oikos, 2011. p. 11-12.
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