Prédica: Malaquias 3.1-4
Leituras: Lucas 3.1-6 e Filipenses 1.3-11
Autoria: Humberto Maiztegui Gonçalves
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação: 05/12/2021
Proclamar Libertação - Volume: XLVI
O mensageiro da esperança
1. Introdução: Insistir na esperança!
Estamos no tempo do Advento. Esse tempo nos lembra de que Deus veio ao encontro da humanidade como Palavra Encarnada, e virá para a grande festa da consumação da redenção de toda a criação. Essa esperança já era alimentada no século quinto antes de Cristo, quando foi redigido o livro profético de Malaquias. O templo, grande referência da fé judaica, que havia sido destruído durante o domínio babilônico mais de um século antes, já havia sido reconstruído. No entanto, tinha se mostrado, em si mesmo, insuficiente para concretizar o sonho libertador de Deus no meio do seu povo. A última esperança estava no “mensageiro da aliança”.
O Evangelho de Lucas resgata a profecia de Isaías, somando-se a Marcos e Mateus, onde a esperança da presença do Senhor recai em retirar os obstáculos que impedem a plena libertação e redenção (Lc 3.3-5). A mesma esperança encontramos na carta do apóstolo Paulo à comunidade de Filipos, chamada a seguir se aperfeiçoando na realização da tarefa evangelizadora e missionária “até o dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6b).
2. Exegese de Malaquias 3.1-4: o manifesto, o mensageiro e a mensagem
Não sabemos quem foi historicamente “Malaquias”. O nome significa “mensageiro” ou “anjo de Iahweh”. Portanto é possível que não se trate de um nome próprio, mas do pseudônimo de um sacerdote sem grande projeção em seu tempo, que acolheu e representou a voz de sua classe sacerdotal, ou era simplesmente o título dado a esse manifesto sacerdotal. O contexto de onde emerge esse “manifesto sacerdotal” é também paradoxal. Por um lado, o templo de Jerusalém já tinha sido reconstruído (entre 520 e 515 a.C.), onde atuaram o profeta camponês Ageu e o profeta sacerdotal Zacarias (1 – 8). De certa forma, a reconstrução do templo estava no centro do projeto sacerdotal que tinha sido acalentado durante os longos anos do Exílio Babilônico (587-538 a.C.). Mas a bênção que viria imediatamente pela reconstrução da “Casa de Deus” entre seu povo, conforme anunciaram Ageu e Zacarias, não aconteceu.
O grupo representado por Malaquias é uma segunda geração – já no século 5 – frustrada porque, embora o templo estivesse ali, a realidade estava indo de mal a pior. Com base na análise feita por Norman Gottwald, podemos entender que o manifesto se articula da seguinte forma: 1. Iahweh ama Israel mais do que a Edom (1.1-15); 2. Iahweh não se agrada com os sacrifícios feitos com animais não adequados, por causa do descaso do povo e as negligência sacerdotal (1.6 – 2.9); 3. Iahweh não se agrada com os homens que deixam suas esposas da goláh (de famílias descendente de exilados na Babilônia) para casar com mulheres não descendentes dessas famílias chamadas de “estrangeiras” (2.10-16); 4. Iahweh enviará o “mensageiro da aliança” para corrigir tanto a classe sacerdotal quanto o laicato que não viviam a “justiça” (2.17 – 3.5); 5. Iahweh condena o povo camponês que retém os dízimos que deveriam ser dados para o sustento do templo e do sacerdócio, trazendo más colheitas (3.6-12); 6. Iahweh assegura que fará justiça para as pessoas que praticam a justiça sacerdotal e castigará aquelas que não a seguem (3.13 – 4.3) (GOTTWALD, 1988, p. 474).
A abordagem desse grupo reflete divisões internas entre a classe sacerdotal e uma completa falha na comunicação do projeto de vida em Iahweh, tanto dentro do próprio corpo sacerdotal quanto, e especialmente, da classe camponesa que tinha se enriquecido durante o exílio das elites e que não entendiam a conexão entre a piedade do templo/sacerdócio e a sustentabilidade da produção (colheitas). No entanto, a visão é bem estreita, equiparando justiça com “piedade”, na limitada compreensão do sacerdócio, o que servirá de base para a reforma de Esdras e Neemias logo depois.
2.1 O texto em si
O manifesto é muito bem escrito, bem construído e preservado, e sua estrutura revela muito sobre sua intencionalidade. Nos versículos 3.1-4 – separados como texto de prédica deste domingo – estamos no centro desse manifesto onde, segundo o pensamento hebraico, se coloca o escopo de toda a mensagem. No entanto, do ponto de vista exegético, a perícope talvez possa iniciar em 2.17, o que pode ser questionado por causa de segunda pessoa do plural que vem em continuidade com o texto anterior, mas que, certamente, deve se estender até 3.5, abrindo e fechando com a expressão: Iahweh Sabaot (3.1,5), que estrutura todo o manifesto, repetindo-se 24 vezes.
A – (3.1) – A apresentação do chamado “meu mensageiro” (malea’ki), “preparando o caminho” (cf. Is 40.3), cuja grandeza teológica se reafirma como “mensageiro da aliança” (maleake haberit), ocupando o “templo” (hekal), como “o Senhor” (haadon) que “buscam”, isto é, o “chefe”.
B – (3.2) – A segunda parte do versículo (vemi ha´omed) faz referência direta ao Salmo 130.3 (mi ´emod), “quem ficará de pé”, sendo que o tema da “vinda”, embora se menciona o dia, parece misturar referência a Isaías 40.10 e Joel 2.1,31.
C – (3.3) – O “artífice”, “artesão” ou “ourives” (tzarak) é uma figura presente na mesma perícope de Dêutero-Isaías, que serviu de referência em 3.1 (cf. Is 40.7-8), aqui para purificar o sacerdócio (“filhos de Levi”), permitindo que realizem uma oferta justa a Iahweh.
B’ – (3.4) – A nova oferta, ou novo serviço sacerdotal, possibilitará a restauração da “justiça”, ligando-se a “B” no sentido da “aliança” e do “templo”, aqui equiparados com a “oferta” do lugar Judá/Jerusalém.
A’ – (3.5) – Aqui se amplia o sentido da justiça, pois o mensageiro será “testemunha”, não apenas contra quem retirou a dignidade da oferta sacerdotal e praticou atos contrários à aliança, mas também contra quem explorou pessoas pobres (jornaleiro/a, órfão, viúva, estrangeiro etc.).
Podemos ver que o manifesto retoma o sonho da comunidade de segundo Isaías (40 – 55) do retorno das pessoas exiladas como restauração da aliança, que, segundo o grupo que elabora esse manifesto, passa pela reestruturação da dignidade do sacerdócio exercido no templo.
A esperança está na ação de Iahweh, que no dia da vinda do mensageiro poderá purificar e moldar o sacerdócio para que se torne, realmente, instrumento da aliança em dignidade (no sentido da devida adoração a Deus) e em justiça (no sentido de promover a vida e partilha entre todas as pessoas).
2.2 O texto para nós: viver a fé, mais do que os templos
O livro de Malaquias tem que ser lido dentro da caminhada histórica que inicia com a destruição do templo de Jerusalém e seu impacto na teologia judaíta, que estava totalmente centrada nele. Mesmo com as profecias que reconstruíram essa teologia, como a dos ossos secos de Ezequiel (37.1-25) ou do novo céu e a nova terra do Terceiro Isaías (65.17), nunca se abandonou o sonho de um novo templo como símbolo catalizador da esperança do povo (Ez 41; Is 44.28). Essa esperança teve um momento de aparente realização, superando a indiferença de camponeses que se enriqueceram durante o exílio, quando, sob o patrocínio imperial persa, Ageu e Zacarias deram apoio profético ao projeto de Zorobabel e o sumo sacerdote Josué, chegando à reconstrução do templo em 520 a.C.
No entanto, a esperança que parecia ter sido atendida falhou, pois o templo, sem o compromisso do povo e do sacerdócio com a vivência da fé, era apenas uma estrutura pesada e vazia, que nem sequer estimulava o compromisso do sacerdócio com seu próprio ministério, como denuncia o manifesto de Malaquias.
No Segundo Testamento, esse Jesus que “chega” e “vem” é Deus, que quer habitar no meio das pessoas, ou “acampar”, se fazer “carne” (Jo 1.1,14). O “templo” será destruído e reconstruído por meio da cruz-ressurreição, que acolhe todas as pessoas (cf. Mc 13.1-2; Mt 26.61, entre outros). Aparece também a frase: O Altíssimo não habita em templos feitos por mãos humanas (At 7.48a;17.24b; 2Co 5.1; Hb 9.11), que embora remeta ao profetismo, como no caso de At 7.49-50 e Is 66.1-2, é uma interpretação que certamente reflete a total destruição do templo em 70 d.C., e a necessidade de construir novas bases para o judaísmo, aproveitada pela teologia cristã para ilustrar a igreja que nasce da ação do Espírito Santo na vida das pessoas.
A pandemia de Covid-19 impossibilitou de nos encontrar nos templos e espaços litúrgicos tradicionais, não só pela força da lei, mas por amor a todas as pessoas, evitando que nossa prática comunitária de fé se tornasse mais um espaço de contaminação. Essa experiência oportunizou a busca por novas formas, igualmente comunitárias, sem ter contato físico, de viver a fé. Essa situação nos levou a redescobrir que de fato “Deus não habita em Templos feitos por mãos humanas”. Como desafiou o manifesto de Malaquias, a igreja é feita pelo compromisso das pessoas na vivência da fé (cf. Fp 1.3-11) e na disposição de exercermos o sacerdócio de todo o povo de Deus e o ministério ordenado (cf. 1Pe 2.5,9), indo ao encontro da vontade divina de acolher e incluir todas as pessoas.
3. Imagens para a prédica
Tem circulado nas redes sociais imagens da igreja feita por pessoas em forma de templo, com o lema “Igreja Somos nós, Corpo de Cristo”, e muitas outras iniciativas que resgatam a igreja como comunidade, povo de Deus em comunhão e vida. Certamente é uma lição tirada da experiência da pandemia, que deve permanecer e que poderá renovar nossa vivência de fé, inclusive quando for possível voltar a nos encontrar nos templos e espaços comunitários.
Outras imagens podem ser aquelas que lembram experiências de fé feitas durante a pandemia, tanto aquelas que aconteceram nas redes sociais quanto aquelas de ação solidária também fora dos templos.
Finalmente podemos construir, até com crianças, uma imagem do templo de nossa comunidade com pequenos “tijolos” que contenham o nome das diferentes famílias ou das pessoas que fazem parte da comunidade, e no meio dela a cruz de Cristo.
4. Subsídios litúrgicos
Escolher hinos e cânticos para a celebração que falem da igreja como Corpo de Cristo. No momento da oração, agradecer pela resistência e resiliência em tempos de pandemia e pedir por todas as pessoas que sofreram de diferentes formas durante esse período.
Bibliografia
GOTTWALD, Norman. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas, 1988.
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