Amados irmãos, amadas irmãs,
vivemos diariamente em meio às incertezas. Enquanto de um lado temos uma possível flexibilização das regras de proteção ao covid-19, de outro, o Leste Europeu vivencia uma guerra terrível com consequências para diversos países. Na última semana, em vários lugares do mundo – inclusive no Brasil – pessoas fizeram filas para abastecerem seus veículos por um preço acessível, haja visto o aumento de preços que vem acontecendo nos últimos dias. Tão problemático quanto o preço da gasolina é a alta do preço do diesel que acaba fazendo com que alimentos, remédios, roupas e outros produtos também subam de preço por causa do valor de transporte.
Ao mesmo tempo, continuamos vivendo verdadeiros dramas humanos em nossa cidade. Muitas pessoas estão enfrentando crises sérias de saúde física e emocional. As pessoas das nossas cidades estão tomadas por cânceres de diversos tipos. Outras sofrem com a depressão, a ansiedade, o estresse. No meio de tudo isso está presente também a violência que machuca e mata mulheres dentro de casa, que abusa de crianças, que queima mendigos nas ruas, que mata para roubar um celular.
Por mais que seja muito importante estarmos ligados às notícias, a verdade é que se formos olhar continuamente tudo o que está acontecendo em nosso mundo, nos apavoraremos tanto ao ponto de entrarmos em verdadeiras crises conosco mesmos. Se ainda não criamos uma casca de defesa em torno de nossos sentimentos, a cada notícia iremos sentir a tristeza de vivermos no mundo em que vivemos.
Se queremos ter a certeza de que vivemos em um mundo caído no pecado e longe da presença de Deus, basta ligarmos qualquer telejornal noturno. Se queremos ter a certeza de que Gênesis 3 não é uma realidade apenas simbólica, mas muito real, basta abrirmos um site de notícias. Fora do Éden, a vida vira notícia1. O que esperar adiante?
O Reino de Judá também viveu um momento difícil em sua história. Eles são um povo inteiro que foi sequestrado das terras do seu país e arrastados para uma terra estrangeira, a Babilônia. A idolatria e a desobediência são as principais causas desse desastre. Abandonaram ao Senhor e começaram a servir aos deuses dos povos vizinhos. As próprias autoridades de Judá se perderam do Senhor. Após a morte de Ezequias, um rei amado e aprovado pelo Senhor, reinou Manassés, seu filho. O que Manassés fez? “Fez o que era mau aos olhos do Senhor, segundo as coisas abomináveis das nações que o Senhor havia expulsado diante dos filhos de Israel. Pois reconstruiu os lugares altos que Ezequias, seu pai, havia destruído, levantou altares a Baal, fez um poste da deusa Aserá como o que Acabe, rei de Israel, havia feito, prostrou-se diante de todo o exército dos céus e o serviu”. (2 Reis 21.3-4). As alianças econômicas com os países vizinhos eram estabelecidas através de alianças religiosas: para que um país aceitasse um acordo econômico, outro país precisava erigir um altar ao deus (ou deuses) daquele país. Enquanto Ezequias decidiu que não renunciaria a Deus por causa das alianças com os povos vizinhos, seu filho Manassés fez exatamente o contrário: preferiu erigir altares a Baal para conseguir alianças com os povos vizinhos que permanecer fiel ao único e verdadeiro Senhor. Após Manassés, reinou brevemente Amom que também “fez o que era mau aos olhos do Senhor, como Manassés, seu pai, havia feito”. (2 Reis 21.20). Amom “abandonou o Senhor, Deus de seus pais, e não andou no caminho do Senhor.” (2 Reis 21.22).
Então, reinou Josias, um rei íntegro, justo e piedoso e que trouxe a Lei de Deus de volta à espiritualidade do povo. Assim nos diz a Escritura: “Josias também eliminou os médiuns, os feiticeiros, os ídolos do lar, os ídolos e todas as abominações que se viam na terra de Judá e em Jerusalém para cumprir as palavras da lei, que estavam escritas no livro que o sacerdote Hilquias havia achado na Casa do Senhor.” (2 Reis 23.24). O rei Josias foi alguém íntegro, reto e que trouxe o seu povo de volta à presença de Deus.
Em seu lugar, reinou Joacaz que “fez o que era mau aos olhos do Senhor”. (2 Reis 23.32); após Joacaz, veio Jeoaquim que também “fez o que era maus aos olhos do Senhor”. (2 Reis 23.37); então, veio Joaquim que “fez o que era mau aos olhos do Senhor” (2 Reis 24.9); e, após ele, Zedequias que também “fez o que era mau aos olhos do Senhor”. (2 Reis 24.19). Após Josias, um rei íntegro e servo do Senhor, vieram quatro reis que fizeram o que era mau aos olhos do Senhor, trazendo desgraça ao povo de Deus.
Assim, Deus permitiu que Nabucodonosor, rei da Babilônia, dominasse sobre Judá e sua capital Jerusalém. Os babilônios cercaram a cidade de Jerusalém por onze anos. Isso significa que nenhum recurso entrava ou saia de Jerusalém. Então, “aos nove dias do quarto mês, quando a cidade se via apertada pela fome, e não havia pão para o povo da terra, a cidade foi arrombada.” (2 Reis 25.3-4a). O que aconteceu com o rei Zedequias foi humilhante: “Então Zedequias foi preso e levado ao rei da Babilônia, em Ribla, o qual lhe pronunciou sentença. Mataram os filhos de Zedequias na frente dele e então lhe furaram os olhos; amarraram-no com correntes de bronze e o levaram para a Babilônia.” (2 Reis 25.6-7). Além disso, Nabucodonosor também “queimou a Casa do Senhor e o palácio real, bem como todas as casas de Jerusalém. Também entregou às chamas todas as construções importantes.” (2 Reis 25.9).
Esse é o drama pelo qual passou o povo de Deus. Agora, tudo o que lhes resta de Judá e Jerusalém é uma lembrança. Estão longe da sua terra, presos na Babilônia. Seus filhos não nascem em seu próprio país, mas em uma terra estrangeira. Na Babilônia, o povo de Deus sofre com a perda da sua nação, da sua identidade e do seu lugar de culto. Os deuses dos povos vizinhos não podem os socorrer; porém, o Senhor Deus não esqueceu deles.
O texto de Isaías 55.1-9 é escrito quando a luz da esperança começa a brotar no horizonte. Aos poucos, o cativeiro na Babilônia parece estar próximo do fim e o povo de Deus poderá retornar à sua terra. O Império Persa está se levantando, liderado pelo rei Ciro II. Quando o Império Persa dominar a Babilônia, Ciro II decretará a volta do povo de Deus a Jerusalém. A continuação dessa história nós encontramos em Esdras e Neemias que relatam, com alegria e esperança, a volta do povo à sua terra após 70 anos de cativeiro.
Isaías, como profeta do Senhor, traz palavras consoladoras ao seu povo. Não basta olhar para a situação complicada em que se está inserido; é preciso olhar além: para o próprio Deus da esperança. É o próprio Deus quem está falando através da boca do profeta. O povo de Deus não está entregue às circunstâncias, mas recebe a palavra de orientação do próprio Senhor. Deus é quem conduz a história. Tudo está em suas mãos. Ao mesmo tempo, Deus continua sendo misericordioso e amoroso. Ele não abandonou o seu povo, mas está de olho em tudo o que estão enfrentando, mesmo que isso seja consequência dos seus próprios pecados e da sua própria desobediência. O que, então, Deus diz?
1 VENHAM (v. 1-2)
Inicialmente, é feito um convite: “venham”. Mas este anúncio não é uma propaganda de uma oferta como a que acontece em algum comércio, por exemplo. Todos devem ir às águas. Todos podem ir comprar e comer, mesmo sem ter dinheiro. A linguagem de compra e venda é bem intencional. Quem é que está oferecendo? É o próprio Senhor! E tudo está por conta dele! Portanto, é de graça. O Reino de Deus está onde os mais humildes e pobres tem lugar. Mesmo sem ter nada a oferecer a Deus, podemos ir e receber do seu amor.
No mundo em que vivemos, nada é de graça. Tudo é pago. Tudo tem um preço. Como cantaria os Engenheiros do Hawaii, “Eles querem te vender, eles querem te comprar”2. Além de nada ser de graça, no momento que estamos vivendo, os preços estão cada vez mais altos. Não está nada fácil para os desempregados e para as pessoas com baixa renda.
Talvez isso torne o entendimento da graça de Deus um pouco mais difícil. Estamos naturalmente acostumados à troca, ao pagar para ter, ao fazer para merecer. Porém, não é esse o “sistema” do Reino de Deus. O que o Senhor nos oferece é de graça! Ele nos serve um maravilhoso banquete sem nos cobrar nada em troca. Na morte de Jesus na cruz, Deus pagou caro pela nossa salvação. A possibilidade de entrarmos no Reino dos Céus foi conquistada através do preço da morte do Filho de Deus. E isso nos é oferecido de graça. Somos especialmente lembrados disso quando celebramos a Ceia do Senhor onde o próprio de Deus se serve em forma de refeição a nós.
Portanto, venham! É de graça! Venha mesmo que não tenha dinheiro; venha mesmo sem ter nada a oferecer; venha assim como estás! Venha ao banquete do Senhor. Deus preparou o banquete com o que há de bom e de melhor. Não nos é oferecido apenas pão e água, alimentos básicos, mas também vinho e leite, alimentos nobres na época. Isaías revela a nós como Deus é generoso em dar. Sejamos também nós generosos para com aqueles que vem a nós sem ter nada a oferecer. Se somos aceitos, aceitemos também os outros.
2 ESCUTEM (v. 3-5)
É preciso ouvir a voz do Senhor. É preciso ouvir aquilo que ele está falando através da boca do profeta. Escutar a Palavra de Deus produz vida. “escutem e vocês viverão”. O profeta está dizendo: “Deem atenção ao que será anunciado”. Qual é o anúncio? “farei uma aliança eterna com vocês que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi”. (Isaías 55.3).
A palavra “aliança” é uma das mais importantes na Bíblia. Sempre que você estiver lendo e aparecer a palavra “aliança”, dê uma atenção especial. A palavra aliança tem ligação com a palavra hebraica “כרת” (karath) que significa cortar, pois a aliança era estabelecida através do corte das partes de animais oferecidos em sacrifício desde Abraão. Os animais eram cortados ao meio, simbolizando as partes do acordo. Assim era feita uma aliança.
É isso que Deus está anunciando ao seu povo; é isso que eles devem escutar: uma Nova Aliança está vindo! Essa, não através do sacrifício de animais, mas através do sacrifício do próprio Filho de Deus na cruz. Ele será a oferta oferecida pelo Pai para a salvação e remissão dos pecados do seu povo. O seu sangue será derramado para que o nosso sangue seja poupado de ser derramado.
Para o povo de Deus exilado na Babilônia, aquela era uma promessa. Nós, porém, já desfrutamos de seu cumprimento. Aquilo que Isaías anuncia que vai acontecer ao seu povo, para nós já aconteceu! Já está realizado! Está consumado! Está feito! Então, ouçamos atentamente a voz do Senhor e saibamos a distinguir das vozes deste mundo. Lembre-se: alguém morreu por você! O sacrifício já foi feito. Portanto, viva como um salvo e não como um perdido! Ouça o que a Palavra de Deus diz: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. (João 3.16).
Pertencer à Igreja de Jesus significa a possibilidade de desfrutar do Reino que não tem apenas a promessa, mas que já tem o seu cumprimento. Ouvir isso traz conforto, alegria, tranquilidade e paz, mesmo diante do mundo caído e caótico em que estamos vivendo. Enquanto as alianças deste mundo são corrompidas, a Aliança do Senhor é eterna.
3 BUSQUEM (v. 6-7)
Deus está acessível a nós. Deus não é um totalmente outro distante do ser humano e da sua criação. Ele não é alguém fora e distante. Ao contrário, a possibilidade de buscar a Deus revela que ele está próximo, acessível e interessado. Mais do que isso: só buscamos a ele porque ele nos buscou primeiro. Pela Palavra de Deus, descobrimos que antes de procurarmos pelo Senhor, é ele quem nos procurou e achou.
Por isso, “busquem o Senhor enquanto ele pode ser encontrado; invoquem-no enquanto ele está perto”. (Isaías 55.6). Agora é o tempo da graça. Este é o momento de ser encontrado pelo amor do Senhor. A possibilidade de buscar ao Senhor traz alegria imensa. Mesmo que sejamos incapazes de compreender as coisas do alto através da nossa própria natureza humana, Deus se revelou a nós para que o conhecêssemos. Então, não deixe para amanhã. Busque hoje mesmo ao Senhor da graça e misericórdia!
Amados irmãos, amadas irmãs,
sim, vivemos um período de incertezas. A vida não está fácil. Na quaresma, vivenciamos estes quarenta dias de deserto, caminhando nas pegadas do Senhor Jesus em sua tentação, em seu sofrimento e em sua cruz. A crise está aí. Não sabemos o que acontecerá amanhã.
Contudo, nós temos onde segurar. O texto que ouvimos termina, dizendo: ““Porque os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos”, diz o Senhor. “Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos são mais altos do que os pensamentos de vocês.”” (Isaías 55.8-9).
Através da graça, a loucura da cruz se torna algo compreensível aos que creem. Portanto, aceitemos as ações propostas pelo profeta Isaías: venham, escutem e busquem. A presença do Senhor é consoladora. Por isso mesmo que o Espírito Santo é chamado de o Consolador. Vamos, escutemos e o busquemos, pois ele já veio a nós, já escutou o nosso clamor e já nos buscou antes de o procurarmos. Amém.
3º DOMINGO NA QUARESMA | VIOLETA | CICLO DA PÁSCOA | ANO C
20 de Março de 2022
P. William Felipe Zacarias
1 Nome de um Podcast do site bibotalk.com.
2 GESSINGER, Humberto; MALTZ, Carlos. 3ª no Plural. in: HAWAII, Engenheiros do. Surfando Karmas & DNA. Rio de Janeiro: Universal Music, p2002. 1 CD. Faixa 2.